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O que pode ser?

A partir do sintoma, as possíveis doenças


Gordura no figado: conheça sintomas e tratamento contra esteatose hepática

A esteatose hepática está associada à obesidade e pode gerar complicações como cirrose e câncer no fígado - iStock
A esteatose hepática está associada à obesidade e pode gerar complicações como cirrose e câncer no fígado Imagem: iStock

Tatiana Pronin

Colaboração para o UOL VivaBem

01/11/2022 10h34

A esteatose hepática, mais conhecida como "gordura no fígado", vem se tornando um problema cada vez mais frequente e conhecido pela população. É verdade que isso se deve, em parte, ao fato de mais médicos solicitarem ultrassonografias de abdômen e detectarem o problema. Outra razão que explica sua incidência cada vez mais comum é o aumento da obesidade na população.

Quando as células e os espaços do fígado são preenchidos por gordura, o órgão se torna volumoso e pesado. A comparação mais comum — impactante, porém didática, é com o famoso patê de frois grais (fígado de ganso), obtido a partir da dieta forçada e extremamente rica em calorias desses animais. Porém, o abuso de álcool, o uso de certos medicamentos e doenças como as hepatites virais também podem causar esse quadro, que só gera algum sintoma quando o dano ao fígado já é muito grave.

Fígado e suas funções

O fígado é uma glândula localizada no lado direito do abdômen que possui diversas funções, como desintoxicar o organismo, produzir colesterol, sintetizar proteínas e armazenar glicose (o açúcar do sangue). O órgão produz a bile, um composto que ajuda no processo de eliminação de toxinas e na digestão dos lipídios. Assim, a presença de um pouco de gordura no fígado é absolutamente normal. Mas quando o índice de infiltração ultrapassa 5% do seu volume, a situação começa a se complicar.

Evolução

Se não tratada ou controlada, a esteatose hepática pode gerar uma inflamação, também chamada de esteatoepatite, que leva a morte celular e um processo de fibrose (cicatrização). Com o passar dos anos, a condição pode progredir para cirrose hepática e também pode resultar em câncer de fígado. Em situações mais graves, o transplante é necessário.

Causas e tipos

Existem dois tipos de esteatose, ou doença hepática gordurosa, de acordo com as causas:

  • Alcoólica: Provocada pelo consumo excessivo de álcool. O fígado tem a capacidade de metabolizar as moléculas de etanol para eliminar a substância do nosso organismo. Mas quando a dose é alta ou ingerida em pouco tempo, os subprodutos desse processo ficam concentrados, e eles são tóxicos para as células hepáticas. Com o passar do tempo, o dano passa interferir nas funções do órgão.
  • Não alcoólica: Provocada prioritariamente por má alimentação, sedentarismo, sobrepeso, obesidade, diabetes, colesterol e triglicérides alto, e perda ou ganho muito rápido de peso. Porém, também pode ser causada pelo uso de certos medicamentos (hormônios e corticoides, entre outros), ou por inflamações crônicas associadas, por exemplo, à hepatite C ou outras doenças hepáticas.

Prevalência

A esteatose é considerada a doença do fígado mais comum nos países industrializados ocidentais. Cerca de 70% dos casos referem-se à doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) e o restante é consequência do abuso de álcool. Estima-se que 20% a 40% da população sofra com o problema, sendo que o percentual é mais alto se considerarmos populações específicas, como a de obesos, diabéticos ou indivíduos com síndrome metabólica (quadro que envolve dislipidemia, resistência à insulina e obesidade abdominal).

Embora seja mais comum em adultos na faixa dos 40 ou 50 anos de idade, crianças pequenas podem ter esteatose, geralmente associada a doenças metabólicas. Entre as mais velhas e os adolescentes, o quadro também pode surgir como consequência de hábitos pouco saudáveis. E apesar da relação com a obesidade, indivíduos magros também podem fígado gorduroso.

Já em relação à esteatose hepática associada à bebida, estima-se que 90% dos indivíduos que fazem uso abusivo do álcool tenham a condição, dos quais 15% a 30% desenvolvem hepatite alcoólica e 10% a 20%, cirrose hepática.

Complicações

  • Cardiovasculares: A DHGNA é considerada o componente hepático da síndrome metabólica e também uma complicação da obesidade. Assim como esses quadros, constitui um fator de risco para infartos e derrames.
  • Cirrose :Toda doença crônica do fígado, que envolve uma inflamação persistente, pode resultar em cirrose, que é a alteração da arquitetura normal do órgão pela presença de cicatrizes e nódulos que envolvem as células hepáticas remanescentes. Estima-se que 30% dos pacientes com doença hepática gordurosa não alcoólica evoluam para esteatoepatite e cirrose. Uma das primeiras alterações provocadas por essa mudança de arquitetura do fígado é a chamada hipertensão portal (aumento da pressão na veia porta, que drena o sangue proveniente dos intestinos). Quando a cirrose é avançada, há comprometimento de funções do fígado, como a formação de proteínas e neutralização de toxinas. Nesses casos, o transplante pode se tornar necessário.
  • Câncer de fígado: A cirrose e a própria esteatose são fatores de risco para o hepatocarcinoma, um tipo agressivo de câncer das células hepáticas que causa mais de 9.700 mortes ao ano, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Cerca de metade dos pacientes com esse tipo de câncer têm cirrose hepática, doença que pode ser consequência não apenas da esteatose e do alcoolismo, mas principalmente da infecção pelos vírus da hepatite B ou C. Vale lembrar que o tabagismo, a obesidade, a esquistossomose e a ingestão de grãos e cereais contaminados pelo fungo aspergilus flavus, que produz a aflatoxina, são outros fatores de risco importantes.

Fatores de risco para gordura no fígado

  • Uso abusivo de álcool: tanto a ingestão diária de mais de duas doses para mulheres, ou três, para os homens, quanto o excesso ocasional (ingestão de quatro ou mais doses para mulheres ou cinco ou mais doses para homens em duas horas) são associadas à maior risco de doença no fígado. Cada dose corresponde a aproximadamente a 350 ml de cerveja ou 150 ml de vinho ou 50 ml de bebida destilada;
  • Obesidade e sobrepeso com obesidade central;
  • Diabetes mellitus ou pré-diabetes (resistência insulínica);
  • Dislipidemia (aumento do colesterol e/ou triglicérides);
  • Hipertensão arterial;
  • Genética: fatores genéticos podem estar envolvidos na tendência a obesidade, dislipidemias, diabetes e mesmo na dependência de álcool;
  • Medicamentos (como amiodarona, corticosteroides, estrógenos e tamoxifeno);
  • Esteroides anabolizantes;
  • Toxinas ambientais: produtos químicos;
  • Cirurgias para combater a obesidade (bypass jejuno-ileal, derivações bilio-digestivas);
  • Doenças que podem ser associadas à esteatose hepática;
  • Hepatite crônica pelo vírus C;
  • Síndrome de ovários policísticos;
  • Hipotiroidismo;
  • Apneia do sono;
  • Hipogonadismo;
  • Lipodistrofia e alterações metabólicas de origem hereditária.

Sintomas

Praticamente todos os pacientes com esteatose hepática não apresentam sinais ou sintomas, ou seja, a condição é silenciosa, e só é identificada em exames de rotina. Quando surgem, os sintomas mais comuns são:

  • Fadiga;
  • Desconforto do lado direito superior do abdômen;
  • Aumento do fígado;

Já quando existe um grau elevado de inflamação (esteatoepatite), ou fibrose e cirrose, as manifestações podem incluir:

  • Fadiga;
  • Falta de apetite;
  • Coceira;
  • Aranhas vasculares (varizes finas em formato de teia de aranha);
  • Icterícia (pele e olhos amarelados);
  • Fezes esbranquiçadas;
  • Alterações do sono;

Uma das consequências possíveis da cirrose é chamada hipertensão portal, que tem como sintomas:

  • Acúmulo anormal de líquido dentro do abdômen (ascite);
  • Confusão mental;
  • Complicações neurológicas (já que as toxinas deixam de ser corretamente eliminadas);
  • Mudanças na coagulação;
  • Inchaço dos membros inferiores;
  • Hemorragias;
  • Presença de varizes no esôfago;
  • Queda no número de plaquetas sanguíneas.

Os sintomas mais comuns do câncer de fígado são:

  • Dor abdominal;
  • Massa e distensão abdominal;
  • Acúmulo de líquido no abdômen (ascite);
  • Perda de peso inexplicada;
  • Perda de apetite;
  • Mal-estar;
  • Icterícia (pele e olhos amarelados);

Diagnóstico de esteatose hepática

Na maioria das vezes, a esteatose é identificada de forma incidental em uma ultrassonografia de abdômen solicitada pelo médico num exame de rotina. Esse exame pode ser pedido quando o profissional identifica um ou mais fatores de risco. Para completar o diagnóstico, é importante conhecer o histórico do paciente, avaliar pressão arterial, peso, altura, IMC (índice de massa corporal) e circunferência abdominal. Além disso, devem ser pedidos exames laboratoriais para avaliar os níveis de colesterol, triglicérides, glicose, insulina; teste homa (que determina o grau de resistência à insulina); e enzimas hepáticas. Outros exames de imagem, como tomografia, ressonância magnética e elastografia hepática (procedimento parecido com a ultrassonografia) podem ajudar a confirmar o diagnóstico. Em alguns casos, porém, a biópsia de fígado é necessária.

Os exames e/ou a biópsia podem indicar a gravidade da esteatose, geralmente classificada em:

Grau 1 ou leve Quando há pequeno acúmulo de gordura;

Grau 2 Quando há um acúmulo moderado de gordura no fígado;

Grau 3 Quando ocorre grande acúmulo de gordura no fígado.

Tratamento

O combate ao problema envolve prioritariamente mudanças no estilo de vida, com dieta saudável e prática de atividade física, a fim de se controlar o excesso de peso, a resistência à insulina, os níveis de colesterol e triglicérides e a pressão arterial. O consumo de álcool deve ser evitado mesmo para quem essa não é a principal causa do problema, já que a bebida sobrecarrega o fígado e contribui para a obesidade.

Embora emagrecer seja considerado o principal pilar do tratamento, é importante que a perda de peso seja gradual. O emagrecimento rápido pode agravar a esteatose porque, antes de ser "queimada", a gordura armazenada no corpo também passa pelo fígado —é por isso que as cirurgias da obesidade são um fator de risco.

Quando a doença é causada por medicamentos, é necessário avaliar custo-benefício e estudar a possibilidade de substituição. O uso de esteroides anabolizantes deve ser interrompido e, no caso de a esteatose ser associada a outras doenças, como hipotireoidismo ou ovário policístico, essas condições devem ser tratadas adequadamente.

Não existe nenhum medicamento específico para a esteatose, porém alguns medicamentos costumam ser indicados pelos médicos para alguns pacientes. É o caso de drogas para o controle do colesterol e do diabetes (como metformina, pioglitazona e rosiglitazona), ou drogas para controle da obesidade, como o orlistat (Xenical). A vitamina E e o ácido ursodesoxicólico também costumam ser indicados quando há sinais de esteatoepatite e fibrose, e alguns profissionais podem indicar alguns suplementos, como a silimarina (fitoterápico) e a N-acetilcisteína, embora os resultados sejam inconclusivos.

Para casos de cirrose avançada, que não respondem ao tratamento de controle, o transplante de fígado tem o potencial de aumentar a sobrevida e qualidade de vida dos pacientes. Na cirrose alcoólica é necessária a abstinência alcoólica de pelo menos seis meses antes do procedimento.

Como deve ser a dieta de quem tem fígado gorduroso?

A alimentação deve ser orientada por médicos e nutricionistas, para levar em conta questões individuais, como o diabetes ou a hipertensão.

O que priorizar:

  • Verduras, legumes, frutas e grãos integrais, que são ricos em fibras, antioxidantes e nutrientes benéficos para o fígado, como a betaína;
  • Peixes, carnes brancas e ovos (na quantidade permitida pelo seu profissional de saúde), que contém colina e metionina, também importantes para a função hepática;
  • Itens ricos em gordura "do bem", como salmão, sardinha, azeite extravirgem, abacate e amêndoas podem e devem ser consumidos, já que têm efeito anti-inflamatório, desde que o excesso de calorias seja evitado.
  • Atividades aeróbicas (cerca de 30 minutos pelo menos cinco vezes por semana) e exercícios de resistência muscular (pelo menos duas vezes por semana) também são medidas que auxiliam o metabolismo e a queima de gordura.

O que evitar:

  • Excesso de gordura animal (presente principalmente na carne vermelha, no leite integral e nos queijos amarelos);
  • Gordura trans (a gordura vegetal modificada e presente em industrializados como margarinas, sorvetes e biscoitos);
  • Frituras (mesmo quando se usa apenas óleos vegetais, o aquecimento a altas temperaturas torna o alimento prejudicial à saúde);
  • Enlatados, embutidos e comida industrializada em geral (esses itens costumam ser ricos em gordura e sódio, e podem ter efeito inflamatório);
  • Excesso de açúcar e itens com alto índice glicêmico (como batata, pão e macarrão brancos), já que podem interferir nos níveis de insulina e contribuir para a inflamação;
  • Bebidas alcoólicas ou ricas em açúcar.

Prevenção

Todas as medidas acima, indicadas para o controle da esteatose, também ajudam indivíduos saudáveis a evitar a condição. Lembre-se que toda doença capaz de causar inflamação crônica no fígado deve ser diagnosticada e tratada a fim de evitar a progressão para a cirrose hepática.

Prognóstico

A esteatose pode ser revertida ou pelo menos estabilizada quando diagnosticada em estágios leves ou moderados, desde que a pessoa siga todas as orientações médicas. Já nos casos de cirrose, o tratamento visa ao controle do quadro, sendo que nos casos avançados o transplante de fígado pode ser necessário.

Como ajudar um familiar com gordura no fígado?

Modificar hábitos é um desafio enorme, especialmente porque vivemos expostos a alimentos calóricos e o consumo de álcool é algo aceito na nossa sociedade. Por isso quem tem um familiar com a condição pode ajudar com apoio emocional e incentivo de hábitos saudáveis. O combate à obesidade e ao alcoolismo com frequência envolvem suporte psicológico.

Fontes: Edvânia Soares, nutricionista clínica da Estima Nutrição; Isaac Altikes, gastroenterologista da Federação Brasileira de Gastroenterologia; Renato Zilli, endocrinologista do Hospital Sírio Libanês; American Liver Foundation; Instituto Nacional de Câncer (Inca); Ministério da Saúde; Sociedade Brasileira de Hepatologia.