Lições do vegetarianismo

Não riscar a carne do cardápio, mas diminuir o consumo tem sido cada vez mais comum. E esse é um bom caminho

Thais Szegö Colaboração para o VivaBem
Priscila Barbosa/VivaBem

Em meio à crise, o mercado de produtos vegetarianos cresceu em torno 25% em 2017. E seus consumidores não são só os 16 milhões de adeptos dessa alimentação do país. Estamos falando daquelas pessoas, por exemplo, que por razões filosóficas e de olho na sustentabilidade aderiram ao movimento Segunda Sem Carne, que tem como porta-voz o ex-Beatle Paul McCartney. Ou as que são influenciadas nas redes sociais por estrelas do vegetarianismo, que vivem propagando os benefícios dessa alimentação em suas páginas.

Existem, ainda, os que maneiram porque estão preocupados em evitar doenças. Lembrando que a própria Organização Mundial da Saúde, há quase dois anos, fez um alerta de que, em excesso, o que significa comer todo santo dia, a carne vermelha está, sim, associada ao câncer e aos problemas cardiovasculares. Mas será que tirar a carne da dieta seria a grande lição dos vegetarianos?

Em um trabalho realizado pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e pela Universidade Paulista, a nutricionista Carolina Pimentel comparou 56 vegetarianos e 40 pessoas que comiam de tudo. A maioria era relativamente jovem, com 33 anos em média. Os vegetarianos levaram a melhor no peso,no  IMC e na  medida da cintura. Também tiveram melhores índices em exames de sangue como medição de taxas de açúcar, gorduras e a dosagem de uma substância fabricada pelo cérebro, que atende pela sigla BDNF, e que parece tornar as placas de gordura nas artérias mais vulneráveis, sujeitas a se moverem perigosamente até entupir um vaso.

Mas o grande achado foi que aqueles que só trataram de expulsar as carnes da cozinha não se destacaram, mas, sim, os que preencheram esse espaço no prato com muitas verduras, legumes, fibras e vegetais preparados de uma maneira mais equilibrada, evitando frituras e excesso de carboidratos simples como pães brancos e doces.

Tão importante quanto diminuir o consumo de carne é encher o prato de vegetais crus ou cozidos com pouca gordura. Não adianta fazer uma refeição `vegetariana´ com batata frita.

Carolina Pimentel, nutricionista da Universidade Paulista

Quem habita o mundo veggie

Ele conta com um novíssimo grupo, que não para de crescer. Sim, os semivegetarianos existem

Nas pesquisas de saúde mundo afora, e aqui na da USP e da Unip não foi nada diferente, nos últimos dez anos começaram a surgir pessoas que se diziam vegetarianas. Só que , na hora do “vamos ver” do questionário para avaliar seu consumo alimentar, os cientistas notavam que, de vez em quando, elas comiam um sashimi no japonês, por exemplo. Daí que, para as pesquisas de saúde, a classificação de um grupo chamado semivegetariano é oficial. Já sociedades que reúnem os seguidores do vegetarianismo até incentivam os semivegetarianos, porque acham que eles estão em transição e que irão, mais dia, menos dia, deixar completamente de comer carne . No entanto, essas sociedades  lembram que só é um legítimo vegetariano quem abandonou de vez o consumo desse tipo de alimento. Pode ser classificado como semivegetariano aquele que ingere carnes, de preferência apenas as brancas, no máximo em três refeições por semana. Atenção que são refeições e não dias por semana. Aquela única fatia de peito de peru no café da manhã conta.

Estes são os grupos oficiais

As sociedades que reúnem vegetarianos reconhecem três tipos de adeptos

Comem até ovo

Os ovolactovegetarianos retiram da mesa qualquer carne, inclusive a de peixes e frutos do mar. Mas continuam consumindo proteína animal, sem abrir mão de ovos, leite e seus derivados, como manteiga e queijos de todos os tipos. Podem usar mel à vontade. E, justamente por causa desse leque de opções, são os que têm menor necessidade de suplementação de um ou outro nutriente.

Fica o leite!

Os lactovegetarianos deixaram de comer não só carnes, mas também ovos. As únicas fontes de proteína animal que permanecem em seu dia a dia são o leite e seus derivados. Podem se ressentir dessa redução mais drástica no aporte proteico, sem um bom acompanhamento. E não só isso: às vezes, essa turma tem dificuldade para achar pães e massas que não contenham ovos na receita.

Zero animal

É vegetariano estrito quem cortou todo alimento de origem animal. Nada de carnes, leite e derivados, ovos, nem mel. Os veganos fazem o mesmo. Mas nem todo vegetariano estrito pode se dizer vegano. O veganismo é mais do que uma dieta. Seus adeptos abandonam até roupas e acessórios feitos de couro natural ou lã. Também não usam produtos de higiene e beleza testado em animais.

Menos carne, mais saúde

Saiba quais são os principais benefícios comprovados pela ciência

Essa associação só está correta na medida em que o lugar das carnes no prato é ocupado por frutas, legumes, cereais e verduras carregados de fibras e antioxidantes. Esse é o segredo dos dados que apontam os benefícios à saúde de uma dieta vegetariana ou de uma dieta que se aproxime dela, de acordo com o nutricionista George Guimarães, diretor da Nutriveg, Consultoria em Nutrição Vegetariana, em São Paulo.

Longevidade: as estatísticas apontam que vegetarianos (lembre-se, incluindo os tais semivegetarianos sempre) vivem, em média, sete anos a mais do que consumidores fiéis de carnes. Mas não vamos ser simplistas, já que pode existir aí algo muito além da mesa de refeições. No recente trabalho da nutricionista Carolina Pimentel, o questionário com os participantes apontou que 95% não eram fumantes e todos, sem exceção, faziam atividade física regular. E é mais ou menos assim sempre, quando os cientistas observam pessoas vegetarianas de perto. Elas parecem ser mais ligadas em um estilo de vida equilibrado como um todo do que a média geral da população.

Coração protegido: o benefício mais conhecido pela ciência de uma dieta baseada em vegetais, ainda que não seja estritamente vegetariana, é diminuir a incidência de doenças cardíacas. As estatísticas mostram que os vegetarianos têm 17 vezes menos chance de sofrer um infarto. Parte da explicação está no menor consumo de gorduras saturadas de origem animal, na ingestão elevada de fibras que ajudam a expulsar o excesso de colesterol do organismo e, claro, no aporte dos famosos antioxidantes. O trabalho de Pimentel, no entanto, é um dos pioneiros ao apontar que, talvez, além disso tudo, a dieta vegetariana mexa com os genes e a tendência, marcada por eles, a ter problemas cardíacos. Afinal, ela mediu a concentração no sangue da substância que é sintetizada no cérebro por ordem de genes de quem apresenta essa propensão.

Menor incidência de outras doenças: há indícios  de que uma dieta vegetariana diminua os riscos de doenças  autoimunes, diabetes e câncer. No caso de tumores, aí sim, principalmente pela diminuição do consumo de carnes vermelhas, segundo a OMS.

Menor risco de obesidade: os estudos mostram que o IMC, ou índice de massa corporal, e a medida de circunferência da cintura são menores nos seguidores de dietas vegetarianas. Claro, desde que elas sejam realmente bem equilibradas. Aliás, a vantagem mais investigada pela ciência de uma alimentação que privilegia vegetais é diminuir o perigoso acúmulo de gordura na região do abdômen, considerado uma ameaça para o coração.

Vegetariano precisa comer proteína

A falta do nutriente costuma ser o ponto fraco da alimentação livre de carnes

A ingestão da quantidade recomendada de proteínas é o grande desafio para quem resolve aderir ao vegetarianismo, especialmente para a turma que abriu mão também dos ovos e dos laticínios. A nutricionista Priscila Rosa, de São Paulo, ressalta  que, sem carne no prato, isso só é possível com grãos, leguminosas, cereais e oleaginosas que, atenção, precisam estar presentes — ainda que nem tudo junto, na mesma hora — em todas a refeições.

Um mineral também merece muita atenção: o ferro, vital para o transporte de oxigênio no sangue. E sua grande fonte na alimentação sempre foram e sempre serão as carnes. Alternativas no mundo vegetal? A beterraba, os cereais e as oleaginosas oferecem suas pitadas. E nem adianta se entupir de ovo. O recomendado é que, de tempos em tempos, o vegetariano acompanhe a sua dosagem de ferro no sangue. E, provavelmente, sob orientação, ele irá precisar de suplementos. Outro nutriente que costuma ser suplementado em cápsulas é a vitamina B12, de acordo com o nutricionista George Guimarães. Ela também está nas carnes, afinal.

O cálcio tende ser um problema para vegetarianos estritos e veganos, já que está presente principalmente nos leites e seus derivados. Mas, com uma dieta orientada por profissionais de saúde, esse mineral pode ser obtido de folhas de tom verde-escuro, como o espinafre, da aveia e das leguminosas. Tudo é uma questão de ajustar as porções, o que sempre é muito individual e, por isso mesmo, merece acompanhamento.

A cabeça sente falta de uma gordura

E não estou falando só da vontade de comer aquela picanha

Está presente nos peixes, principalmente nos de água fria, como o atum e o salmão. A sardinha, apesar de não vir de mares gélidos, também é repleta dela. Hoje a ciência têm absoluta certeza de que o DHA, presente nesses alimentos, é fundamental para a atividade dos neurônios.  Por isso, essa substância vem sendo suplementada nos vegetarianos.

O cuidado é redobrado no caso das crianças, já que o DHA forma a capa dos neurônios nos primeiros anos de vida. Para o nutrólogo Mauro Fisberg, da Universidade Federal de São Paulo, “os pais que seguem uma dieta baseada em vegetais precisam ter bom senso, porque quanto maior a restrição de alimentos de origem animal na infância, conforme o grau de vegetarianismo, maior o risco de faltarem nutrientes essenciais ao desenvolvimento infantil.” Ele não assume uma posição extrema. Acha que pode ser viável a família inteira se tornar vegetariana, desde que haja uma equipe de profissionais de saúde, formada por  médicos e nutricionistas, acompanhando muito de perto a criançada. 

As influenciadoras do vegetarianismo

Nas redes sociais, esse trio lidera o discurso a favor da dieta vegetariana no Brasil

Divulgação Divulgação

Bela Gil

Apresentadora do canal GNT, é uma das mais conhecidas ativistas da alimentação saudável e livre de carnes. Já se envolveu em polêmicas ao fazer churrasco de melancia e foi criticada ao declarar que é uma vegetariana que come um bife de vez em quando? Bobagem. Bela Gil diz que é vegetariana, mas pela classificação seria uma legítima semivegetariana.

Paula Giolito/Folhapress Paula Giolito/Folhapress

Yasmin Brunet

Adepta do vegetarianismo há nove anos, sendo que há dois radicalizou pra valer tornando-se vegana, a modelo, de 29 anos, sempre usa as redes sociais para defender esse estilo de vida. E outras influenciadoras, como Bruna Marquezine, Gabriela Pugliese e Thaia Ayala, já a citaram em suas páginas, elogiando as dicas de alimentação de Yasmin.

Zanone Fraissat/Folhapress Zanone Fraissat/Folhapress

Kéfera

O ano de 2017 foi de virada na alimentação da atriz e vlogueira, que faz um sucesso estrondoso especialmente entre o público teen - são quase 12 milhões de seguidores no Instagram e mais de 10 milhões de inscritos no seu canal do Youtube. Kéfera tem usado as redes para falar sobre a dieta livre de carne, da qual virou adepta no início deste ano.

Vegetarianismo em família

Como é a relação familiar quando a mãe é vegetariana e o pai carnívoro?

A professora, neuroeducadora e terapeuta naturalista Ana Schmid, de São Paulo, resolveu que não iria mais comer carne quando mal tinha entrado na adolescência e mantém esse propósito até hoje. Apesar disso, refletiu se valeria a pena impor essa alimentação para sua filha Luna, de 7 anos.

Quando e como você virou vegetariana?
Meu avô materno tinha uma fazenda que eu frequentei bastante quando era pequena. Lá, me apeguei aos animais e comecei a ver o sofrimento deles na hora que eram sacrificados para serem servidos à mesa. Por essa razão, aos 11 anos, disse muito firme para a minha mãe que não comeria mais carne. Só que, na ocasião, ela nem deu muita bola, respeitou achando que seria algo passageiro. O fato é que, desde então, abri completamente mão desse tipo de alimento.

Seu marido também é vegetariano?
Não, ele é bem carnívoro e eu respeito. Mas,  quando eu cozinho, não faço nada com carne. Se ele quer carne, tem que preparar sua comida sozinho ou minha mãe traz algum prato para ele matar a vontade (risos).

Você sente alguma dificuldade por seguir esse estilo de vida? 
Aos 18 anos, tentei me tornar vegana, mas achava bem complicado comer fora de casa. Na época da faculdade, tinha menos dinheiro e almoçava todo dia pão de queijo mesmo, já que não tinha alternativas que se encaixavam na minha dieta e as que se encaixavam eram muito mais caras. Por isso acabei voltando a ser vegetariana simplesmente.  Mas, cá entre nós, até hoje ainda não acho tão fácil me alimentar fora de casa, principalmente porque as pessoas parecem não entender nada do assunto. Às vezes pergunto se um salgado é vegetariano e me respondem que sim, pois é recheado só com queijo e… presunto! Ou peço um prato com vegetais e ele vem temperado com bacon. Por isso, resolvi:  já digo de cara para o garçom que tenho alergia a esses ingredientes, diminuindo as chances de ter uma má surpresa.

Você passa essa filosofia para a sua filha?
Como ela está em fase de crescimento e eu sei que não é nada fácil se alimentar de maneira equilibrada fora de casa quando você é vegetariano, especialmente no caso de uma criança, deixo que ela coma normalmente. Até porque existem os lanches na escola, as festinhas… Mas a Luna por si só demonstra uma enorme sensibilidade em relação a esse assunto. Já faz um tempo que pergunta se o bife veio da vaca, por exemplo, e fica morrendo de dó. Só aceita comer a carne quando eu digo que já era um animal mais velho que morreu sem sofrer ou alguma outra história desse tipo. Já passamos até por uma saia justa por causa disso quando ela era menor. Estávamos em um restaurante e, diante de um prato de carne, ela começou a chorar alto porque “o boizinho tinha morrido”.  E não comeu. Depois disso, a Luna passou um mês  inteiro muito resistente a carnes. Hoje ela come uma porção desse alimento a cada dois ou três dias. Mas, por causa desse perfil, desde aquele dia no restaurante evito fazer qualquer comentário sobre ingestão de alimentos de origem animal na frente dela.

Mais sobre alimentação saudável

Reprodução/Instagram/@gabrielapugliesi Reprodução/Instagram/@gabrielapugliesi

Plant-based: a dieta focada em vegetais que conquistou Pugliesi

Curtiu? Compartilhe.

Topo