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Tomar analgésico e remédio para ansiedade aumenta risco de morte em idosos

Jessica Falstein com suas pílulas e caderno para controle de dosagem - Joshua Bright/The New York Times
Jessica Falstein com suas pílulas e caderno para controle de dosagem Imagem: Joshua Bright/The New York Times

Paula Span

Do New York Times

26/03/2018 13h56

Em princípio, as pílulas a ajudavam a se sentir melhor. Em 1992, Jessica Falstein, artista que vive em Manhattan, descobriu que sofria de um transtorno de ansiedade; tinha ataques de pânico, pulso acelerado, insônia. "Sempre que havia uma situação muito estressante, a ansiedade ficava quase intolerável, como ácido nas veias", contou ela.

Quando um psicofarmacologista lhe prescreveu um medicamento chamado Klonopin, tudo melhorou. "Ele me dava prumo. Eu tinha mais energia. E me ajudava a dormir, algo que eu desejava desesperadamente", disse Falstein.

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Porém, após vários meses, os sintomas horríveis voltaram. "Meu corpo se acostumou com o meio miligrama, e a droga parou de funcionar. Então, passei para um miligrama. E depois dois." O médico continuou aumentando a dosagem e adicionou o Ativan.

Agora, aos 67 anos e com a saúde e o vigor em declínio, Falstein tenta se afastar dos dois remédios, que pertencem ao grupo chamado benzodiazepinas, amplamente prescritos para ansiedade e insônia. "Eles tomam conta de você", disse ela.

Há anos, geriatras e pesquisadores vêm alertando sobre o uso de benzodiazepínicos por pessoas mais velhas. As drogas problemáticas incluem Valium (diazepam), Xanax (alprazolam), Klonopin (clonazepam) e Ativan (lorazepam).

Os avisos tiveram pouco alcance --tanto que o uso desses medicamentos aumentou entre os idosos, mesmo eles sendo particularmente vulneráveis a seus efeitos nocivos. Como Falstein, muitos pacientes os tomam durante anos, embora sejam recomendados apenas por curtos períodos. As drogas quimicamente relacionadas --Ambien, Sonata e Lunesta-- apresentam riscos semelhantes.

Agora, a epidemia de opioides gerou novos alertas, pois analgésicos como Vicodin (di-hidrocodeína com Tylenol) e OxyContin (oxicodona) também são frequentemente prescritos aos idosos. Quando tomam os dois, os pacientes correm o risco de overdose.

"Por que os opioides são perigosos? Porque interrompem a respiração e têm mais facilidade para isso quando você também está tomando um benzodiazepínico", explicou Keith Humphreys, pesquisador da Universidade de Stanford e um dos autores de um editorial perturbador sobre o uso excessivo e errado destes medicamentos na edição do mês passado do New England Journal of Medicine.

Idosos costumam tomar os dois medicamentos com mais frequência

Os números do Centro de Controle e Prevenção de Doenças mostram: em 1999, há o registro de apenas 63 mortes relacionadas ao uso de benzodiazepínicos entre pessoas com mais de 65 anos, sendo que quase 29% delas também envolveram um opioide. Em 2015, as mortes nessa faixa etária haviam saltado para 431, com mais de dois terços envolvendo um opioide. (O total de todas as idades foi 8.791). Em 2016, a Administração de Alimentos e Medicamentos emitiu um aviso sobre a prescrição de benzodiazepínicos junto com opioides, incluindo os usados em produtos contra a tosse.

Mesmo os pacientes que tomam os remédios exatamente como prescritos podem involuntariamente acabar nesta situação, uma vez que os problemas de sono e dor crônica ocorrem mais frequentemente em idosos. "Um psiquiatra receita o Xanax; aí essa pessoa machuca o quadril e seu médico prescreve Vicodin", disse Humphreys.

Mas as overdoses fatais, que são um número comparativamente pequeno, dado o tamanho da população mais velha, representam apenas uma das muitas preocupações relacionadas a esses medicamentos.

Falstein, que começou a tomar Klonopin em 1992, está lutando para parar de tomar as benzodiazepinas - Joshua Bright/The New York Times - Joshua Bright/The New York Times
Falstein, que começou a tomar Klonopin em 1992, está lutando para parar de tomar as benzodiazepinas
Imagem: Joshua Bright/The New York Times

"Mesmo não levando em conta a questão de opioide, muitos idosos americanos tomam benzodiazepínicos. E desses, mais da metade o faz por períodos prolongados. Isso é falta de profissionalismo. As consequências são graves", disse Michael Schoenbaum, epidemiologista do Instituto Nacional de Saúde.

E talvez a pior de todas seja a maior probabilidade de quedas e fraturas, que já são um perigo comum para os idosos, pois esses medicamentos podem causar tonturas. E estão também associados a acidentes automobilísticos, pois geram sonolência e fadiga.

"Além disso, têm um efeito negativo na memória e em outras funções cognitivas", disse o Dr. Donovan Mauste, psiquiatra do sistema de saúde dos Assuntos dos Veteranos em Ann Arbor, Michigan. Alguns estudos demonstram uma associação com a demência, embora os especialistas ainda considerem essa evidência inconclusiva.

Prescrição de benzodiazepínicos tem aumentado

Quando Mauste e seus colegas analisaram uma amostragem nacional ampla de idosos, descobriram que a proporção de consultas a clínicos e psiquiatras que resultou em uma receita de benzodiazepínico aumentou de 5,6% de 2003 a 2005 para 8,7% sete anos mais tarde --incluindo 11,5% de consultas de pacientes com mais de 85 anos.

Um estudo de coautoria de Schoenbaum, publicado na JAMA Psychiatry, relatou que quase 9% das pessoas entre 65 e 80 anos tomavam benzodiazepínicos em 2008.

Em ambos os estudos, as mulheres usaram as drogas mais do que os homens.

Convencê-los de que esse tipo de droga pode prejudicá-los --e que tratamentos alternativos como a terapia cognitivo-comportamental e a adoção de boas práticas de sono podem ser eficazes para insônia, embora levem mais tempo-- revelou-se uma luta árdua.

Algumas pessoas tomam benzodiazepinas durante anos sem aumentar a dose, portanto, descrevê-las como "dependentes" ou "habituadas" --sem mencionar "viciadas"-- muitas vezes provoca reações de revolta. "O problema das drogas é profundamente estigmatizado. As pessoas acham um insulto alguém insinuar algo do tipo", disse Humphreys.

No entanto, mesmo quem toma benzodiazepínicos por longos períodos sem perceber qualquer problema corre riscos ao ficar mais velho, segundo Humphreys.

Ele afirma que há um paralelo com o alcoolismo. Por exemplo, você costumava tomar uma dose dupla de uísque antes do jantar sem problemas até seus 50 anos; só que, aos 60, começa a ficar tonto com a mesma quantidade, porque o corpo metaboliza drogas de forma diferente. (A bebida alcoólica, aliás, é outra substância que não pode ser combinada com benzodiazepinas).

Porém, persuadir os usuários a parar é apenas o primeiro passo. "Ir diminuindo a dose quando a pessoa já está habituada é incrivelmente difícil", disse Schoenbaum.

O declínio significativo na utilização de benzodiazepínicos entre idosos no Canadá, na Austrália e no sistema de saúde do Departamento de Assuntos dos Veteranos nos Estados Unidos mostra que isso pode ser feito, com prescrições mais cautelosas e programas para ajudar os usuários a se tornarem ex-usuários.

Parar de tomar não é fácil

"Nunca recomendamos que alguém pare de uma hora para a outra. É preciso diminuir gradualmente", disse Mauste, pois isso pode gerar sintomas de abstinência que incluem náuseas, calafrios, ansiedade e até delírio.

Pesquisadores canadenses demonstraram que alguns usuários idosos podem começar a diminuir o uso com uma cartilha informativa e um protocolo de tratamento de 21 semanas, abordagem que o Departamento de Assuntos de Veteranos começou a usar. A maioria dos pacientes provavelmente vai enfrentar de seis a 12 meses de desintoxicação, segundo Mauste. Mas alguns acham que leva tempo demais, com efeitos contrários diferentes dos de outros fármacos que causam dependência.

Quando Falstein começou a sentir que suas pernas "pareciam geleia", o que a deixava muito fraca para passar algum tempo em pé, além de um aumento dos ataques de pânico, da fadiga extrema e de outros problemas de saúde, ela e seu psicofarmacologista concordaram que deveria começar a eliminar gradualmente a ingestão do benzodiazepínico.

"Achei que me livraria deles em um ano, talvez dois", disse Falstein. Porém, já se passaram cinco anos, com o apoio de um grupo no Facebook e de amigos na mesma situação com quem fala quase todos os dias. Usando um método chamado titulação líquida, ela parou com o Ativan e reduzir para menos de um miligrama diário a dose do Klonopin.

"Apesar de ter passado por vários sintomas debilitantes, estou decidida. E fazendo tudo do modo mais rápido e mais seguro possível". Ela acha que ainda precisa de dois anos.

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