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Não é só psiquiátrico: anorexia também é causada por falhas no metabolismo

Estudo mostra que problema tem aspectos físicos e psiquiátricos - iStock
Estudo mostra que problema tem aspectos físicos e psiquiátricos Imagem: iStock

Gabriela Ingrid

Do UOL VivaBem, em São Paulo

16/07/2019 15h15

Conhecida como um transtorno alimentar que faz com que a pessoa se enxergue de maneira distorcida, geralmente acreditando estar muito acima do peso que realmente está, a anorexia nervosa sempre foi considerada um problema psiquiátrico. Um novo estudo, entretanto, descobriu que ela também pode ser causada por alterações genéticas que controlam o metabolismo do corpo.

Publicada no periódico Nature Genetics, a pesquisa, realizada por mais de 100 cientistas, foi liderada por acadêmicos da King's College de Londres, no Reino Unido, e da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, nos Estados Unidos. Quase 17 mil casos de anorexia foram analisados, assim como mais de 55 mil pessoas no grupo de controle, de 17 países.

Ao estudarem o DNA dessas pessoas, os pesquisadores encontraram algumas mutações. Parte delas já foram vistas em outros transtornos psiquiátricos, como ansiedade, esquizofrenia, depressão e TOC (transtorno obsessivo compulsivo), mas pela primeira vez os cientistas descobriram mutações nas instruções que controlam o metabolismo do corpo, especialmente naquelas responsáveis pelos níveis de açúcar no sangue e pela gordura corporal.

Os resultados sugerem que a anorexia nervosa é, pelo menos parcialmente, um distúrbio metabólico, e não puramente psiquiátrica, como se pensava anteriormente.

"As anormalidades metabólicas vistas nos pacientes com anorexia nervosa são em sua maioria atribuídas à fome que eles passam, mas nosso estudo mostra que as diferenças metabólicas também podem contribuir para o desenvolvimento do distúrbio", diz Gerome Breen, do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência do King's College, que liderou o estudo. Segundo ele, a análise indica que os fatores metabólicos podem desempenhar um papel quase tão forte quanto os efeitos puramente psiquiátricos.

O estudo conclui que a anorexia nervosa pode ser considerada, no futuro, como um "distúrbio metabo-psiquiátrico" e que a descoberta é um passo importante para um tratamento mais eficaz.

Qual a relação com o metabolismo?

Por que exatamente essas falhas nas instruções genéticas que cuidam do metabolismo causam a anorexia ainda não está explicado, mas os cientistas têm uma suspeita.

Essas áreas do DNA que regulam o metabolismo são muito importantes no controle do peso, ou seja, estimulam o apetite quando alguém emagrece. Entretanto, se elas estão "deformadas", permitem que as pessoas passem fome por mais tempo, causando a anorexia.

"É possível que, quando as pessoas perdem peso com anorexia nervosa, elas não tenham sinais tão fortes do corpo para que ele volte ao normal", disse Janet Treasure, do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência do King's College, à BBC News.

O que isso significa para o tratamento do distúrbio?

Segundo Higor Caldato, médico psiquiatra especialista em Transtornos Alimentares e Obesidade pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é preciso cautela ao afirmar qual de fato é essa relação, mas ela é significativa. "Apesar de na prática essa descoberta não mudar tanta coisa ainda, ela reforça o olhar de que o tratamento para a anorexia deve ser multidisciplinar", diz ele.

Caldato explica que há algum tempo o tratamento do distúrbio é acompanhado por diferentes especialistas: "Já sentíamos que a condição tinha uma relação com o corpo e a mente, já que implica em alterações físicas como emagrecimento e até amenorreia --algumas mulheres param de menstruar devido à desregulação hormonal causada pela falta de gordura no corpo". O paciente pode ter o acompanhamento de endocrinologista, nutricionista e psiquiatra.

Alterações no metabolismo sempre foram consideradas consequências do distúrbio. Mas essa é a primeira vez que ele pode estar na origem dele. "Até agora só sabíamos que a anorexia tinha sua causa hereditária (quem tem alguém na família que já sofreu o distúrbio tem quatro vezes mais chances de desenvolvê-lo também), biológica (que envolve desregulação de neurotransmissores) e cultural (relacionada à cobrança social de um corpo 'perfeito')", explica Caldato.

De acordo com Eduardo Aratangy, do Programa de Transtornos Alimentares do IPq (Instituto de Psiquiatria da USP), não é surpresa que existam relações entre processos metabólicos e anorexia nervosa, assim como não há surpresa em relacionar transtorno da compulsão alimentar com desregulações hormonais, obesidade e colesterol elevado, por exemplo. "A separação entre mente e corpo é apenas uma forma artificial que encontramos para estudar os fenômenos psíquicos e os físicos, mas é evidente que todo fenômeno mental tem origem no corpo físico", diz ele.

Aratangy afirma que a novidade do estudo é mapear tais alterações em nível genético. "Isso abre a possibilidade de compreensão mais ampla da origem dos transtornos mentais e, no futuro, novos tratamentos", comenta.

Agora, os cientistas estão prestes a iniciar mais uma pesquisa sobre o assunto, em setembro deste ano. A ideia é recrutar pessoas com distúrbios alimentares para entender melhor quais as relações com a genética e o ambiente e desenvolver tratamentos mais eficazes.