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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


"Doença me fez parar de andar aos 11 anos e música virou minha motivação"

Os médicos disseram que a expectativa de vida de Valmir era de 20 anos, mas a música o ajudou a manter os movimentos por mais tempo e, aos 31, ele administra a confeitaria da família - Arquivo pessoal
Os médicos disseram que a expectativa de vida de Valmir era de 20 anos, mas a música o ajudou a manter os movimentos por mais tempo e, aos 31, ele administra a confeitaria da família Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para o UOL VivaBem

21/04/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Valmir Moreira Rodrigues, 31, tem distrofia muscular de Duchenne, doença genética que causa perda das funções dos músculos
  • Sem força nas pernas, ele se tornou cadeirante aos 11 anos, aprendeu a tocar violão e se tornou professor
  • Quando a condição atingiu seus braços, Valmir começou a cantar para se manter no mundo da música e passou a trabalhar com a família
  • A seguir, ele conta sua história

"Minha família descobriu que eu tinha distrofia muscular de Duchenne quando eu estava com cinco anos de idade, após uma professora notar que meu desenvolvimento físico não era igual ao de outras crianças. Minha mobilidade era reduzida, eu não corria e caía com frequência.

Quando souberam desses sinais, meus pais ficaram com medo porque já suspeitavam que podia ser Duchenne pelo histórico familiar. Dois irmãos da minha mãe tiveram a condição. Eu não os conheci, eles morreram antes de eu nascer.

Valmir retrato - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Valmir conta que sempre foi muito otimista e procura aceitar as adversidades de forma positiva
Imagem: Arquivo pessoal
Meus pais passaram a prestar mais atenção em meus movimentos e me levaram ao médico. Fui encaminhado ao Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da USP (Universidade de São Paulo), onde fiz alguns exames e foi confirmado o diagnóstico.

Os especialistas explicaram que, ao longo da vida, eu teria uma fraqueza muscular progressiva, que muito provavelmente viraria cadeirante na adolescência e que a expectativa da vida era de, no máximo, 20 anos. Minha mãe ficou triste e preocupada pela experiência com os meus tios, mas se superou e me colocou para fazer fisioterapia.

Apesar de não entender bem a minha condição pela pouca idade, eu sabia que minha musculatura era mais fraca. Nunca fui de perguntar aos meus pais por que eu caía ou não corria. Como eles perceberam que eu lidava bem com a situação, acharam melhor não falar claramente sobre o assunto para não me assustar, e fomos vivendo cada etapa.

Aceitei as adversidades de forma positiva

No segundo ano da escola, os sintomas pioraram, eu tinha dificuldade de andar, de levantar da cadeira, andava nas pontas dos pés, ficava cansado quando fazia alguma atividade. Aos 10 anos, eu perdi a força nas pernas e comecei a usar cadeira de rodas por recomendação médica, principalmente no colégio e quando tinha de me deslocar por longos trajetos.

Precisava fazer um grande esforço para me manter equilibrado, até que um dia perdi a marcha e parei de andar completamente aos 11 anos

Meus pais me incentivavam a ter uma infância normal e meus amigos me envolviam em todas as brincadeiras, nunca deixei de me divertir por causa da doença. No futebol, eu ficava no gol. No pega-pega, meus colegas me empurravam na cadeira de rodas. Não me sentia excluído nem diferente, receber esse tratamento natural me ajudava a encarar a distrofia. Sempre fui muito otimista e procurava aceitar as adversidades de forma positiva.

Toquei violão até perder a musculatura das mãos

Valmir família - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Valmir com os pais e irmã
Imagem: Arquivo pessoal
Aos 13 anos, um amigo da família se ofereceu para me ensinar a tocar violão. Ele disse que seria bom para estimular a parte motora e haveria a possibilidade de eu trabalhar com música no futuro. Achei interessante a sugestão dele porque seria algo que realizaria mesmo com minhas limitações. Fiz o curso por dois anos, percebi que levava jeito, tinha habilidade para aprender as técnicas, e passei a tocar no coral da igreja. Eu me sentia bem, realizado e feliz. Foi uma fase importante para o meu crescimento pessoal.

Após completar o ensino médio, fiz o conservatório e estudei teoria musical. Segui o conselho do meu antigo professor e comecei a trabalhar na área. Dei aula particular de violão por sete anos. Aos poucos, fui perdendo a musculatura dos braços e das mãos. Com 24 anos, não consegui mais tocar, porém segui dando aulas. Com o tempo, foi ficando complicado continuar com o ofício sem conseguir demonstrar dificuldade, o resultado não era satisfatório.

Quando decidi parar de dar aula, aos 28 anos, enfrentei uma fase difícil. Eu gostava do que fazia, era gratificante transmitir conhecimento para outras pessoas

valmir canto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Quando não conseguiu mais tocar violão, Valmir começou a cantar para seguir no mundo música
Imagem: Arquivo pessoal
Compreendi que era o momento de recomeçar em outra atividade e de buscar novas possibilidades. Não poderia ficar reclamando ou paralisado em um sentimento de frustração, tinha de me adaptar, seguir em frente e fazer o que estava ao meu alcance.

Em 2017, surgiu a oportunidade de administrar a confeitaria da minha família. Minha mãe faz os bolos e eu cuido da divulgação e vendas. Apesar do meu novo desafio profissional, sinto falta do violão. Uma forma que encontrei para continuar a ter contato com a música é cantando na igreja.

A música é parte de mim, ela me ajudou a manter os movimentos por mais tempo, me permitiu fazer algo que gosto e ter uma carreira. Ela foi a minha maior motivação para superar as dificuldades impostas pela doença."

O que é a distrofia muscular de Duchenne

A distrofia muscular de Duchenne é uma doença genética, degenerativa do tecido muscular. Ela é causada por uma mutação no gene que sintetiza uma proteína da membrana da célula muscular, conhecida por distrofina.

A função da distrofina é o apoio e a conexão entre os elementos contráteis do músculo e a célula muscular. Essas conexões permitem que a célula se encurte durante a contração. Pela lesão da membrana, há entrada de cálcio dentro da célula. Esse mineral ativa enzimas que digerem a célula, como consequência há morte celular (necrose), e extensa reação inflamatória com tecido de cicatrização (fibrose).

Quais os sintomas

Muitas vezes, os primeiros sinais são observados por um membro da família que percebe que algo está errado. Os portadores de distrofia muscular podem ter um retardo no início da deambulação. Há um aumento de tamanho do músculo da panturrilha, dificuldade em correr, saltar ou subir escadas.

As crianças caem facilmente e há uma tendência a andar na ponta dos pés. Elas também podem ter um atraso da linguagem. Um dos sinais clássicos é conhecido como manobra ou sinal de "Gowers". É reconhecido quando o menino usa as mãos e braços para escalar seu corpo quando necessita assumir a posição vertical. Isso ocorre devido à fraqueza dos quadris e dos músculos da coxa.

Diagnóstico e prevalência

O diagnóstico é feito por meio de histórico clínico, da dosagem da enzima CK e pesquisa genética da estrutura do gene da distrofina, que requer amostra de sangue ou saliva.

A doença atinge predominantemente meninos, na proporção de 1 para cada 3500 a 5000 nascidos do sexo masculino. Em mulheres, é extremamente raro e, na grande maioria, ocorre nas portadoras sintomáticas. Essa diferença decorre do padrão genético por tratar-se de uma herança recessiva ligada ao cromossomo X. Pelo fato da mulher ter dois X, ocorre uma proteção pelo cromossomo X que contém o gene normal.

Não há cura para a condição. Porém, com o tratamento precoce e correto, a criança pode ter longevidade e qualidade de vida. Por ser uma doença que atinge vários setores do organismo, é necessária uma equipe multiprofissional atuando harmonicamente na reabilitação, que inclui fisioterapia motora e respiratória, terapia ocupacional, uso de órteses, ortodontia e fonoaudiologia. Na esfera clínica, o tratamento pode ser feito com a prescrição de corticoides, proteção cardíaca e cuidados respiratórios.

Fonte: Ana Lúcia Langer, pediatra, presidente da Associação Paulista de Distrofia Muscular e autora do livro "Guia para Diagnóstico e Manejo Terapêutico da Distrofia Muscular de Duchenne".

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