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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Estudo brasileiro mostra como a violência muda o cérebro do jovem

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Imagem: iStock

Tatiana Pronin

Colaboração para o UOL VivaBem

05/02/2019 04h00

Vivenciar ou testemunhar algum tipo de violência, como maus-tratos, assaltos, assédio sexual ou mesmo bullying, é capaz de modificar o cérebro em formação dos pré-adolescentes e interferir na sua capacidade de reconhecer expressões faciais. É o que sugere uma pesquisa realizada com alunos de Porto Alegre (RS) que acaba de ser publicada no periódico internacional Developmental Science

"Este é o primeiro estudo com neuroimagem que mostra o impacto da violência em adolescentes latino-americanos", conta o coordenador do trabalho Augusto Buchweitz, do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (InsCer/PUCRS). Ele se refere a exames que permitem a visualização de áreas do cérebro ativadas diante de determinado estímulo. Os jovens também tiveram seus níveis de cortisol (hormônio do estresse) medidos em amostras de cabelo --os fios indicam se a pessoa esteve exposta ao estresse nos últimos meses. 

A equipe do InsCer fez triagens em diversas escolas estaduais, inclusive nos bairros mais violentos da capital gaúcha. Foram convidados a participar mais de 300 jovens de 10 a 12 anos e seus familiares, mas apenas 140 aceitaram. Depois da primeira parte da avaliação, apenas 50 quiseram prosseguir para a fase dos exames de imagem, que são totalmente indolores. Buchweitz diz que é difícil fazer estudos sobre violência no país, pois as pessoas temem represálias.

Exposição precoce

Os meninos e meninas passaram por testes de inteligência e responderam a questionários anônimos, com respostas "sim" e "não", que permitiram aos pesquisadores medir a exposição a maus-tratos, crimes, abuso sexual ou agressões cometidas por colegas ou irmãos. O resultado é preocupante: mais de 80% dos pré-adolescentes já tinham sofrido ou presenciado atos violentos ao menos uma vez na vida, e 70%, no ano anterior à pesquisa. As proporções são bem mais altas que as encontradas em um estudo com 4.500 jovens norte-americanos (com resultado de 69,3%) e outro com 1.100 espanhóis (68,6%), sendo que, em ambos, os entrevistados eram mais velhos.

Foi alto o número de jovens que testemunharam atos violentos (42,5% da amostra), seguido de vítimas de crimes convencionais, como assaltos ou tiroteios (37,5%) e agressões cometidas por colegas ou irmãos (30%). Quase um quinto dos participantes relatou ter sofrido maus-tratos (17,5%) e 7,5%, abuso sexual. Como esperado, os pré-adolescentes mais expostos à violência foram os que apresentaram níveis mais altos de cortisol. Há evidências de que a exposição crônica ao estresse tem efeito tóxico para o desenvolvimento e aprendizagem de crianças e adolescentes.

Leitura de emoções

Durante o exame de ressonância magnética funcional, os participantes foram submetidos a um teste para medir a capacidade de identificar emoções só de observar a expressão nos olhos de alguém. Depois de analisar fotos com olhares destacados, os jovens tinham que decidir se as pessoas retratadas estavam tristes, felizes, pensativas etc. Eles tinham que escolher uma das duas alternativas oferecidas.

Esse teste é muito usado por psicólogos para avaliar a cognição social, ou seja, capacidade de interpretar expressões ou comportamentos das pessoas. Isso é algo fundamental para se desenvolver empatia e interagir com os outros: "Se eu explico algo e vejo que você virou os olhos para cima, é sinal de que estou sendo chato e talvez tenha que mudar a minha maneira de explicar", ilustra o pesquisador, que também é professor da Escola de Ciências da Saúde da PUCRS. A habilidade também é importante para o adolescente, que busca a aprovação dos colegas para se sentir bem.

O nível de acerto, segundo Buchweitz, foi baixo, e reflete o achado mais importante do estudo: os exames de imagem indicaram que as áreas do cérebro envolvidas na cognição social eram menos ativadas quanto maior a exposição do jovem à violência. Ao mesmo tempo, uma dessas regiões, chamada de giro fusiforme, apresentava uma conectividade maior com a amígdala, estrutura do cérebro que é conhecida como o "centro do medo". 

Possíveis consequências

A hipótese para explicar o resultado é que a vitimização levaria o jovem a receber uma mensagem de "cuidado" da amígdala ao estabelecer contato visual com outra pessoa e, num mecanismo de defesa, "desligasse" sua capacidade de ler a emoção alheia. Para Buchweitz, é possível que esse funcionamento atípico cause prejuízos nos relacionamentos, fazendo o adolescente reagir inadequadamente a respostas emocionais, ou talvez nem reagir. 

"Já se sabe que a exposição a maus-tratos na infância aumenta o risco de depressão e psicopatologias; pode ser que esse seja um dos sinais precoces do desenvolvimento desse processo", sugere. Seria preciso reavaliar esses mesmos estudantes daqui a dez anos para confirmar a suposição, por isso a equipe do InsCer propõe que estudos mais amplos sejam feitos no futuro, com número maior de participantes e acompanhamento posterior. 

A pesquisa foi financiada pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e faz parte do projeto Viva (Vida e Violência na Adolescência), que tem como objetivo compreender como um ambiente violento pode afetar o desenvolvimento do cérebro e o aprendizado dos jovens. O estudo de Porto Alegre é parte de um projeto mais amplo de acompanhamento escolar realizado pelo BID no Brasil e também em Honduras, que está entre os países mais violentos do mundo.

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