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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


A demência pode não ter cura, mas muitos pacientes ainda têm o que aprender

Fazer reabilitação cognitiva pode ajudar pacientes com demência a melhorar a qualidade de vida  - iStock
Fazer reabilitação cognitiva pode ajudar pacientes com demência a melhorar a qualidade de vida Imagem: iStock

Paula Span

The New York Times

15/01/2019 04h00

Ele era um operário aposentado e morava com sua esposa nos arredores de uma pequena cidade no País de Gales, no Reino Unido. Antes extrovertido e sociável, envolvido em atividades locais como o coral da comunidade, ficou abalado com o diagnóstico de demência precoce. 

Poucos meses depois, aos 70 anos, já não saía de casa por medo de não conseguir usar o celular para chamar sua esposa em caso de necessidade. Evitava tarefas domésticas que antes realizava normalmente, como lavar roupas: a desalentada esposa o ensinava a usar a lavadora, mas ele não conseguia se lembrar das instruções. 

"Ele perdeu muito de sua autoconfiança", diz Linda Clare, psicóloga clínica na Universidade de Exeter. "Na verdade, ele era habilidoso, mas tinha medo de errar, de fazer mal feito."

O paciente fez parte de um estudo recente sobre reabilitação cognitiva na Inglaterra e no País de Gales, coordenado por Clare. A reabilitação cognitiva, que ela vem pesquisando há 20 anos, evoluiu a partir de métodos usados para ajudar pessoas com danos cerebrais.

A prática inclui visitas de terapeutas ocupacionais e outros especialistas às casas dos pacientes com demência para saber com quais atividades diárias estão tendo mais dificuldade e quais querem preservar ou aperfeiçoar - como organizar uma visita com um amigo, não se perder com os planos e compromissos e aquecer uma refeição sem queimá-la.

Em sessões semanais durante vários meses, os terapeutas elaboram estratégias individuais que podem ajudar, pelo menos nos estágios iniciais e moderados da doença. Os terapeutas mostram aos pacientes como compensar a falta de memória e como praticar novas técnicas.

A reabilitação cognitiva tem suas limitações. "Jamais damos a entender que ela pode reverter os efeitos da demência", afirma Clare. Em testes de capacidade mental, a pontuação dos participantes não vai aumentar. 

Mas ela e outros pesquisadores europeus têm demonstrado que pessoas com demência podem melhorar consideravelmente sua capacidade de realizar as tarefas que decidam encarar, as que priorizam. Esses avanços perduram por meses, talvez até por um ano, mesmo que a cognição dos participantes se deteriore em outros aspectos. 

"Eles querem conseguir se virar sozinhos", disse Clare. "Isso lhes dá esperanças de poder lidar com os desafios do cotidiano." 

Essa abordagem pode representar o futuro para o crescente número de idosos com demência no mundo todo. Os testes com medicamentos para prevenir ou tratar a demência sempre fracassaram. Mesmo que no futuro algum tratamento seja eficaz, milhões de pessoas e os esgotados familiares que cuidam delas precisam de ajuda agora.

"Não podemos esperar mais 20 anos por um comprimido mágico", diz Laura Giltin, diretora da Faculdade de Enfermagem da Universidade de Drexel. Ela desenvolveu uma abordagem similar à reabilitação cognitiva, o Programa de Atividades Individualizadas (TAP), que também inclui as visitas domiciliares dos terapeutas ocupacionais.

"Estamos tentando estabelecer as bases científicas para uma abordagem não farmacológica", diz Gitlin. "Essas pesquisas indicam que ela pode ter grandes resultados na vida das pessoas."

No Reino Unido, por exemplo, o governo patrocinou um estudo envolvendo 475 pacientes com demência em fase inicial. Foi constatado que, após a reabilitação cognitiva, a maioria dos participantes alcançou seu objetivo, mantendo a melhora por três até nove meses. Isso não aconteceu com os participantes do grupo-controle. (O estudo ainda não foi publicado; Clare expôs os resultados numa conferência no ano passado.)

Um estudo menor sobre reabilitação cognitiva - feito por pesquisadores belgas e publicado recentemente no "Journal of Geriatric Psychiatry and Neurology" (Revista de Psiquiatria e Neurologia Geriátricas) - constatou que pacientes com doença de Alzheimer em fase inicial mantinham ainda, após um ano, melhores condições de realizar as atividades que haviam escolhido.

"As pessoas vão perceber, cada vez mais, quantas habilidades são preservadas na demência, e isso ajudará a mudar a percepção do problema", afirma Eric Salmon, diretor da clínica da memória da Universidade de Liège, na Bélgica, e um dos autores do estudo.

Nos Estados Unidos, há mais pacientes com grave perda cognitiva no programa TAP de Gitlin do que nos programas de reabilitação cognitiva. E o TAP usa uma tática um tanto diferente: seu objetivo é reduzir os distúrbios de comportamento que acompanham a demência: repetição de perguntas, perambulação, rejeição de ajuda, agressão verbal ou física. 

Um estudo piloto verificou que, com o TAP, a frequência de tais comportamentos diminui em comparação com o grupo-controle, possibilitando aos familiares passar menos horas cuidando dos pacientes. 

Desde então, Giltin e sua equipe usam o TAP (e um programa de reabilitação relacionado chamado Cope) em diferentes contextos: em hospitais, em lares para vida assistida de idosos, com veteranos de guerra, em comunidades e grupos voluntários.

"Vamos encará-los como tratamentos, com o mesmo nível de evidência de um médico que receita um remédio, mas sem efeitos colaterais", disse Gitlin. "Isso é que é eficaz."

Muitos pesquisadores não conhecem a reabilitação cognitiva e suas variantes. Os programas usam diferentes números de sessões, às vezes com visitas de reforço, às vezes não. As pesquisas não acompanham os pacientes por mais de um ano para saber quanto duram os resultados do tratamento, ou se mais sessões melhorariam esses resultados.

Gitlin avaliou que o custo da intervenção com o TAP foi o comparativamente modesto valor de US$ 942 por pessoa em 2009. Se esse programa - ou a reabilitação cognitiva - ajudar os pacientes a ficar em casa, evitar internações ou idas ao pronto-socorro, na verdade se economizará dinheiro.

Pode-se argumentar que, mesmo quando funciona, a reabilitação cognitiva tem apenas um modesto impacto. Em comparação com os danos causados pela demência - os anos de sofrimento para a família, os custos com assistência médica -, as pessoas se perguntam se compensa conseguir usar um controle remoto por mais alguns meses ou um ano, ou apenas preparar um chá ou passear com o cachorro.

Mas as boas notícias para pacientes com demência são tão poucas. Eles e suas famílias talvez recebam bem as notícias sobre métodos de reabilitação que podem aliviar frustrações e tornar a vida mais fácil, mesmo que por tempo limitado. 

"É um assunto delicado", comenta Steven Zarit, pesquisador de demência e suas terapias na Universidade Estadual da Pensilvânia. "Em vez de tentar retardar mudanças cognitivas, as terapias tentam retardar mudanças funcionais. As pessoas podem fazer mais por si mesmas e, assim, ter uma vida melhor."

O operário aposentado do País de Gales, por exemplo, gostaria de conseguir sair sozinho, mas "tinha muito medo de usar o celular, achando que poderia fazer algo errado e quebrá-lo", diz Clare. Sua esposa havia comprado um modelo simples, mas ele não se lembrava de como usá-lo.

"O terapeuta ensinou a ele todos os passos em sequência", diz Clare. O paciente anotou as instruções e praticou por várias semanas, usando uma técnica chamada "ensaio crescente". Treinou fazendo ligações primeiro de dentro da casa, depois do quintal, e então da rua.

Quando adquiriu confiança para chamar sua esposa caso precisasse, tinha ainda de se lembrar de levar o telefone quando saísse. Ele e seu terapeuta criaram uma mnemônica com a sigla BMW, para que antes de sair se lembrasse do passe do ônibus ("bus pass"), do celular ("mobile phone") e de sua carteira ("wallet").

Ele voltou a ensaiar com o coral e a caminhar até as lojas próximas. Ele e seu terapeuta seguiram em frente e desmistificaram a lavadora e o micro-ondas, usando controles codificados por cores.

Segundo Clare, após vários meses o homem recuperou alguma independência, para alívio de sua esposa. Ele disse ao terapeuta: "Perdi o medo."

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