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Para ter mais saúde, o fundamental não é apenas o que se come, mas quando

Um corpo crescente de pesquisas sugere que nossos corpos funcionam melhor quando alinhamos nossos padrões alimentares com nossos ritmos circadianos - Evan Cohen/The New York Times
Um corpo crescente de pesquisas sugere que nossos corpos funcionam melhor quando alinhamos nossos padrões alimentares com nossos ritmos circadianos Imagem: Evan Cohen/The New York Times

Anahad O'connor

Do New York Times

30/07/2018 09h32

Os nutricionistas debatem há muito tempo a melhor dieta para a boa saúde, mas agora alguns acreditam que o fundamental não é apenas o que se come, mas quando.

Cada vez mais pesquisas sugerem que nosso corpo funciona de forma ideal quando alinhamos nosso padrão alimentar com nosso ritmo circadiano, os ciclos de 24 horas que dizem ao corpo quando acordar, quando comer e quando dormir. Estudos mostram que a interrupção crônica desse ritmo --quando fazemos refeições muito tarde ou petiscamos durante a madrugada, por exemplo-- poderia ser uma receita para o ganho de peso e problemas metabólicos.

Essa é a premissa de um novo livro, "The Circadian Code", de Satchin Panda, professor do Instituto Salk e especialista em pesquisa de ritmos circadianos. Panda argumenta que as pessoas melhoram a saúde metabólica quando fazem as refeições em uma janela diária de 8 a 10 horas, começando a comer na parte da manhã e terminando no início da noite.

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Essa abordagem, conhecida como alimentação com restrição de tempo, deriva da ideia de que o metabolismo humano segue um ritmo diário, com nossos hormônios, enzimas e sistema digestivo preparados para a ingestão de alimentos de manhã e à tarde. Muita gente, no entanto, começa a comer logo que acorda e só para antes de ir para a cama. Panda descobriu em sua pesquisa que, em média, as pessoas comem durante um período de 15 horas ou mais a cada dia, começando com algo como café com leite logo após se levantarem e terminando com um copo de vinho, uma refeição noturna ou um punhado de batatinhas fritas, nozes ou algum outro lanche pouco antes de dormir.

Esse padrão, diz ele, entra em conflito com nossos ritmos biológicos.

Cientistas há muito tempo sabem que o corpo humano tem um relógio mestre no cérebro, localizado no hipotálamo, que rege nossos ciclos de sono-vigília em resposta à exposição à luz. Algumas décadas atrás, os pesquisadores descobriram que não há apenas um relógio no corpo, mas uma série deles. Cada órgão tem o seu, regendo o ciclo diário de atividade.

Durante o dia, o pâncreas aumenta a produção da insulina, hormônio que controla os níveis de açúcar no sangue, e diminui à noite. O intestino tem um relógio que regula o vai e vem diário de enzimas, a absorção de nutrientes e a remoção de resíduos. As comunidades de trilhões de bactérias que compõem os microbiomas também operam em um ritmo diário. Esses padrões são tão arraigados que estão programados em nosso DNA: estudos mostram que em cada órgão, milhares de genes ligam e desligam quase ao mesmo tempo todos os dias.

"Habitamos este planeta há milhares de anos e embora muitas coisas tenham mudado, sempre houve uma constante: todos os dias o sol nasce e se põe à noite. Somos projetados para ter ritmos de 24 horas em nossa fisiologia e metabolismo. Eles existem porque, assim como nosso cérebro precisa dormir todas as noites para se recuperar e rejuvenescer, cada órgão precisa ter um tempo de inatividade para se recuperar também", disse Panda.

Muitas evidências em seres humanos sugerem que consumir a maior parte dos alimentos no início do dia é melhor para sua saúde, segundo a Dra. Courtney Peterson, professora assistente do Departamento de Ciências Nutricionais da Universidade do Alabama, em Birmingham. Dezenas de estudos demonstram que o controle do açúcar no sangue é melhor na parte da manhã e pior à noite. Queimamos mais calorias e digerimos alimentos de forma mais eficiente na parte da manhã também.

À noite, a falta de luz solar leva o cérebro a liberar melatonina, que nos prepara para o sono. Comer no final da noite envia um sinal conflitante para os relógios no resto do corpo, dizendo que ainda é dia, explica Peterson.

"Se você está constantemente comendo em um momento do dia em que não há exposição à luz, então diferentes sistemas reguladores saem de sincronia. É como se um relógio estivesse no fuso horário do Japão e o outro estivesse no dos EUA. Sinais conflitantes são enviados a seu metabolismo, que não saberá se é preciso acelerar ou descansar", disse ela.

A maioria das pessoas sabe o que acontece quando o relógio central em nosso cérebro é alterado com mudanças de fuso horário ou com o trabalho até tarde da noite: fadiga, jet lag e mente confusa. "Comer na hora errada do dia coloca pressão semelhante sobre os órgãos envolvidos na digestão, forçando-os a trabalhar quando estão programados para dormir, o que pode aumentar o risco de doenças", disse Paolo Sassone-Corsi, diretor do Centro de Epigenética e Metabolismo na Universidade da Califórnia em Irvine.

"Já se sabe que ao mudarmos ou perturbarmos nossos ciclos diários normais, aumentamos o risco de muitas patologias", disse Sassone-Corsi, que recentemente publicou um artigo sobre a interação entre nutrição, metabolismo e ritmos circadianos.

Um exemplo clássico disso são as pessoas que dão plantão, que representam cerca de 20% da força de trabalho dos EUA. Elas muitas vezes cumprem turnos noturnos, o que as força a comer e dormir em momentos diferentes. Essa escala de trabalho está ligada à obesidade, diabetes, alguns cânceres e doenças cardíacas. Embora os fatores socioeconômicos possam também ter alguma influência, estudos sugerem que a interrupção circadiana pode acarretar uma saúde precária.

Em um experimento, os cientistas determinaram que adultos saudáveis fossem para a cama e acordassem mais tarde do que o normal por 10 dias --dessincronizando ritmos circadianos e padrões alimentares-- e descobriram que sua pressão arterial aumentou e a insulina e o controle de açúcar no sangue acabaram desregulados. Outro estudo mostrou que forçar as pessoas a ficar acordadas até tarde apenas algumas noites seguidas resultou em ganho de peso rápido e em reduzida sensibilidade à insulina, mudanças ligadas ao diabetes.

Em 2012, Panda e seus colegas no Instituto Salk dividiram ratos geneticamente idênticos em dois grupos, um com acesso 24 horas por dia à alimentação com alto teor de açúcar, o outro com os mesmos alimentos, mas em uma janela de oito horas diárias. Apesar de ambos os grupos consumirem a mesma quantidade de calorias, os ratos que comiam quando quisessem engordaram e adoeceram, enquanto os do regime com restrição de tempo, não: estavam protegidos da obesidade, da gordura no fígado e da doença metabólica.

Inspirado por essa pesquisa, Peterson realizou uma experiência rigidamente controlada em um pequeno grupo de homens pré-diabéticos. Em uma fase do estudo, os indivíduos comeram suas refeições em uma janela diária de 12 horas por cinco semanas. Na outra fase, consumiram os mesmos alimentos em uma janela de seis horas começando pela manhã. Os pesquisadores fizeram os indivíduos comerem alimento o suficiente para manter o peso, para que pudessem avaliar se o regime com restrição de tempo traria benefícios à saúde não relacionados à perda de peso.

E trouxe. No regime com restrição de tempo, os homens tinham níveis menores de insulina, menos estresse oxidativo, menos fome noturna e pressão sanguínea significativamente mais baixa. A pressão sistólica, o número maior, caiu cerca de 11 ml, e a pressão diastólica, dez.

"Foi um efeito muito grande. Foi emocionante, mas também chocante", disse Peterson.

Enquanto os estudos sugerem que comer no início do dia é ideal para a saúde metabólica, não significa necessariamente que você deve pular o jantar. Porém, há razões para ter um jantar relativamente leve: um grupo de pesquisadores em Israel descobriu com seus estudos que adultos obesos perderam mais peso e tiveram maiores melhorias no açúcar no sangue, na insulina e nos fatores de risco cardiovascular quando tomavam um bom café da manhã, almoçavam modestamente e comiam muito pouco no jantar em comparação com o oposto, muita comida à noite e pouca pela manhã. Peterson disse que isso confirma o velho ditado: tomar café da manhã de um rei, almoçar como um príncipe e jantar como um mendigo.

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