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Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


A própria psicologia sob observação: como estudar o comportamento humano?

Homem que fez parte da experiência da prisão de Stanford --um caso a ser repensado - PrisonExp.org via The New York Times
Homem que fez parte da experiência da prisão de Stanford --um caso a ser repensado Imagem: PrisonExp.org via The New York Times

Benedict Carey

Do New York Times

25/07/2018 09h51

O desejo de derrubar monumentos se estende bem além das praças públicas quando há revoltas em um país. Ultimamente alguns cantos da ciência têm se agitado, particularmente a psicologia.

Recentemente, alguns pesquisadores e jornalistas questionam pelo menos três monumentos do cânone da psicologia moderna:

  • A famosa experiência da prisão de Stanford, que descobriu que pessoas atuando como guardas rapidamente tomavam atitudes cruéis e pouco características;
  • O teste do marshmallow, que descobriu que as crianças pequenas que não precisavam de gratificação instantânea exibiam um desempenho melhor na educação do que as que precisavam de uma recompensa;
  • E o conceito menos conhecido, mas ainda assim influente, do esgotamento do ego, a ideia de que a força de vontade é como um músculo que pode ser desenvolvido, mas que também se cansa.

As críticas em relação a estes estudos não são novas. Cada caso tem sua própria história envolvendo debates sobre metodologia e viés estatístico que surgiram antes, de alguma forma.

Porém, desde 2011, o campo da psicologia vem fazendo um trabalho intenso de verificação, reconstituindo mais de 100 estudos bem conhecidos no meio. Muitas vezes os resultados originais não conseguem ser reproduzidos e todo o processo controverso é inevitavelmente delineado pela mudança de geração e acusações em relação ao patriarcado.

"Esta é uma fase de limpeza e estamos descobrindo que muitas coisas não são tão sólidas quanto pensávamos. Este é um momento de reforma para corrigir e continuar construindo conhecimentos sólidos", disse Brian Nosek, professor de Psicologia da Universidade da Virgínia, que liderou as replicações.

No entanto, o estudo do comportamento humano nunca será tão claro como o da física ou cardiologia --como poderia?-- e as simulações elaboradas pela psicologia são exatamente assim. Ao mesmo tempo, suas descobertas são muito mais acessíveis e pessoalmente relevantes para o público do que na maioria dos outros campos científicos.

A psicologia tem zilhões de teóricos amadores que comparam os resultados com sua própria experiência. Os julgamentos do público também são importantes para o campo.

Uma coisa é revisar estudos que aparecem quase que diariamente em periódicos, que formam o vai e vem atual da pesquisa comportamental. Outra coisa é desafiar as experiências que se tornaram clássicas --e mundialmente famosas até fora da psicologia-- porque dramatizam algo que todos reconhecem em si e nos outros.

Eles vivem no senso comum como metáforas poderosas, explicações para os aspectos de nosso comportamento que vemos como verdadeiros e que são de alguma forma capturados em um minidrama construído em laboratório por algum pesquisador inventivo ou alguma equipe de pesquisa.

Experiência da prisão de Stanford é um caso a ser repensado

No verão de 1971, Philip Zimbardo, psicólogo, recrutou 24 estudantes universitários através de anúncios de jornal e aleatoriamente selecionou metade deles para serem "prisioneiros" e a outra metade ficou como "guarda", colocando-os em uma prisão simulada, com selas e uniformes. A simulação foi filmada.

Depois de seis dias, Zimbardo cancelou o experimento, relatando que os "guardas" começaram a assumir seus papéis bem demais. Eles se tornaram abusivos, alguns até de forma chocante.

Zimbardo publicou notas sobre o experimento em alguns periódicos desconhecidos. Também forneceu um relatório mais completo em um artigo que escreveu par o New York Times, descrevendo como instintos cruéis poderiam emergir espontaneamente em pessoas comuns como resultado de expectativas e pressões situacionais.

Este artigo e o documentário "Quiet Rage", que conta sobre o experimento, ajudaram a tornar Zimbardo uma estrela no campo e queridinho da mídia, no embalo do escândalo da prisão de Abu Ghraib, no começo dos anos 2000.

Talvez a crítica central aos resultados do estudo seja o fato de o autor ter treinado os "guardas" para que fossem duros. Esta orientação "não seria um convite aberto ao abuso em todos os aspectos psicológicos?" escreveu Peter Gray, psicólogo da Universidade de Boston que decidiu excluir qualquer menção à simulação de sua popular edição de livro introdutório à psicologia.

"E quando os guardas se comportaram segundo esse direcionamento e o acentuaram, com Zimbardo assistindo e, aparentemente, (por causa de seu silêncio) aprovando, isso por si só não teria, na mente dessas pessoas, confirmado que estavam se comportando como deveriam?"

Testes recentes ecoaram a afirmação de Gray e, no início deste mês, Zimbardo postou uma resposta on-line. "Minhas instruções aos guardas, conforme documentado por gravações, eram que eles não poderiam bater nos prisioneiros, mas poderiam criar sentimentos de tédio, frustração, medo e sensação de impotência – ou seja, 'temos o poder total da situação e eles não'. Não demos nenhuma instrução formal ou detalhada sobre como ser um guarda eficaz", disse ele.

Em uma entrevista, Zimbardo disse que a simulação foi uma "demonstração do que poderia acontecer" em algumas pessoas influenciadas por funções sociais poderosas e que seus críticos não haviam compreendido o ponto que ele frisava.

Qual o argumento você acha mais persuasivo depende em certa medida de sua posição e do que pensa sobre Zimbardo. É melhor descrever sua experiência, suas perguntas e tudo mais ou ignorá-lo totalmente, sem nem considerar que exista psicologia real nisso tudo?

Um psicólogo que não tem que escolher é David Baker, diretor executivo do Centro da História da Psicologia da Universidade de Akron, que hospeda o Museu Nacional de Psicologia. "Incluímos todas as partes importantes da nossa história, até mesmo a controvérsia", disse Baker.

"Para mim, a questão principal de um experimento deve ser considerada. Neste caso, o contexto social e as expectativas mudam significativamente o comportamento? E se assim for, quando e como isso ocorre?", acrescentou.

Resultados questionáveis

As questões em torno do estudo do marshmallow e do trabalho de esgotamento do ego são diferentes, mas colocam aos pesquisadores a mesma questão fundamental: isso é alguma coisa, ou não é nada?

Mesmo os psicólogos mais novos e partidários eloquentes do lado da autocorreção podem estar em conflito.

"Especialmente em relação ao esgotamento do ego, parece que há alguma verdade aí --temos um sentimento subjetivo de fadiga cognitiva" após exercer o autocontrole, disse Katie Corker, professora assistente de Psicologia da Universidade Estadual de Grand Valley, em Michigan.

Uma reprodução recente, rigorosamente feita por um dos autores da pesquisa original, encontrou evidências de um efeito, mas pequeno, disse Corker. "Talvez não estejamos pesquisando direito, não sei. A melhor pergunta pode ser: o que é necessário para se matar uma grande descoberta como esta? Ou, o que deve ser feito?".

Dadas as restrições éticas modernas, a reprodução precisa de experiências antigas nem sempre é possível. O experimento prisional provavelmente teria que ser seriamente modificado para passar por avaliação institucional.

Para um exame mais aprofundado, não existe problema em replicar o teste do marshmallow e os estudos sobre o esgotamento do ego. Nesses casos as modificações podem de fato esclarecer o quadro. Algumas crianças exibem um autocontrole precoce que parece se tornar central para a sua personalidade em desenvolvimento. Qual é a melhor maneira de medir essa capacidade, ou traço? Quais são suas recompensas ao longo do tempo e seus custos?

Uma investigação mais cuidadosa da "fadiga cognitiva subjetiva" resultante do exercício de autocontrole pode ajudar a responder a última pergunta. Também pode evitar que o conceito do esgotamento do ego seja prematuramente descartado.

Quando Nosek publicou seu primeiro grande trabalho de reprodução em 2015, mostrando que cerca de 60 por cento dos estudos proeminentes não tiveram uma segunda tentativa, isso foi um presente para os céticos ansiosos para relegar todo o campo (e talvez todas as ciências sociais) a uma piada, uma congregação de descobertas mal embasadas que mudam como o vento, assim como conselhos sobre nutrição.

Não é assim. Pelo contrário. Essa faxina é uma correção crucial na ciência e a psicologia tem sido exemplar nesse aspecto. Mas na ciência, como na vida, há muitas razões para ter cuidado e não denegrir grandes ideias.