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Transplante de mitocôndrias restaura órgãos doentes de recém-nascidos

Georgia Bowen na unidade de terapia intensiva do Hospital Infantil de Boston no dia 16 de junho de 2018. Médicos tentaram reviver o coração do bebê com uma infusão de um bilhão de mitocôndrias - Katherine Taylor/The New York Times
Georgia Bowen na unidade de terapia intensiva do Hospital Infantil de Boston no dia 16 de junho de 2018. Médicos tentaram reviver o coração do bebê com uma infusão de um bilhão de mitocôndrias Imagem: Katherine Taylor/The New York Times

Gina Kolata

Do New York Times

16/07/2018 11h11

Quando Georgia Bowen nasceu em uma cesariana de emergência no último 18 de maio, tomou um fôlego, jogou os braços para o ar, chorou duas vezes e teve uma parada cardíaca.

A pequena teve um ataque cardíaco provavelmente enquanto ainda estava no útero. Seu coração estava profundamente danificado; uma grande porção do músculo estava morta, ou quase, levando à parada cardíaca.

Os médicos a mantiveram viva com uma pesada máquina que fez o trabalho dos seus pulmões e coração. Eles a transferiram do Hospital Geral de Massachusetts, onde nasceu, para o Hospital Infantil de Boston, onde decidiram por um procedimento que nunca havia sido testado em um ser humano após um ataque cardíaco.

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Eles coletariam um bilhão de mitocôndrias --as fábricas de energia encontradas em cada célula do corpo-- a partir de um pequeno pedaço do músculo abdominal saudável da menina e o injetariam no músculo ferido do coração.

As mitocôndrias são minúsculas organelas que abastecem o funcionamento da célula, e são umas das primeiras partes da célula a morrer quando privadas de sangue rico em oxigênio. Uma vez perdida, a célula morre.

Mas uma série de experimentos descobriu que mitocôndrias saudáveis podem reviver células enfraquecidas, permitindo que se recuperem rapidamente.

Em estudos com animais no Hospital Infantil de Boston e em outros lugares, transplantes mitocondriais reavivaram o músculo cardíaco danificado por um ataque cardíaco, mas ainda vivo, além de pulmões e rins.

Infusões de mitocôndrias também prolongaram o tempo de vida que os órgãos poderiam permanecer armazenados antes de serem usados para transplantes. Até mesmo danos cerebrais ocorridos após um derrame puderam ser atenuados.

Nos únicos testes em humanos, os transplantes mitocondriais parecem reavivar e restaurar o músculo cardíaco em lactentes que são submetidos a operações para reparar problemas cardíacos congênitos.

Para Georgia, no entanto, o transplante foi uma tentativa com poucas chances de ser bem-sucedida --um ataque cardíaco é diferente de uma perda temporária de sangue durante uma operação e o prognóstico é alarmante. Há um curto período de tempo entre o início de um ataque cardíaco e o desenvolvimento do tecido cicatricial, onde células musculares vivas existiam.

O problema era que ninguém sabia quando o bebê tivera o ataque cardíaco. Ainda assim, segundo Sitaram Emani, cirurgião cardíaco pediátrico responsável pelo transplante, houve pouco risco para o bebê e uma chance, embora pequena, de que algumas células afetadas pelo ataque cardíaco ainda pudessem ser salvas. "Eles deram a ela uma chance de lutar", disse a mãe da bebê, Kate Bowen, 36 anos, de Duxbury, Massachusetts.

Jesse Esch  com Brian Quinn realizam o transplante de mitocôndrias - Katherine Taylor/The New York Times - Katherine Taylor/The New York Times
Jesse Esch, ao lado de com Brian Quinn, realiza o transplante de mitocôndrias
Imagem: Katherine Taylor/The New York Times

Ideia surgiu para consertar corações

A ideia de transplantes mitocondriais nasceu do acaso, do desespero e da sorte da reunião de dois pesquisadores em dois hospitais-escolas de Harvard --Emani, do Infantil de Boston, e James McCully, do Hospital New England Deaconess.

Emani é cirurgião pediátrico. McCully é cientista e estuda corações adultos. Ambos se debruçavam sobre o mesmo problema: como consertar corações que haviam sido privados de oxigênio durante uma cirurgia ou por conta de um ataque cardíaco.

"Se você cortar o oxigênio por um longo tempo, o coração mal bate", disse McCully. As células podem sobreviver, mas talvez nunca se recuperem completamente.

Enquanto se preparava para dar uma palestra aos cirurgiões, McCully criou micrográficos de elétrons de células danificadas. As imagens foram reveladoras: as mitocôndrias nas células danificadas do coração eram anormalmente pequenas e translúcidas, em vez de aparecerem em um tom escuro saudável.

As mitocôndrias estavam danificadas --e nada que McCully tentasse as reanimava. Um dia, ele decidiu simplesmente pegar algumas mitocôndrias de células saudáveis e injetá-las nas células feridas.

Trabalhando com porcos, pegou um pouco do músculo abdominal (uma porção do tamanho de uma borracha de lápis), triturou-o para quebrar as células, acrescentou algumas enzimas para dissolver as proteínas celulares e colocou a mistura em uma centrífuga para isolar as mitocôndrias.

Recuperou entre 10 e 30 bilhões de mitocôndrias e injetou 1 bilhão diretamente nas células danificadas do coração. Para sua surpresa, as organelas se moveram para os devidos lugares nas células, como ímãs, iniciando o fornecimento de energia. O coração do porco se recuperou.

Enquanto isso, Emani lutava com os mesmos danos cardíacos no seu trabalho com bebês.

Muitos de seus pacientes são recém-nascidos que precisam de cirurgia para corrigir defeitos congênitos que ameaçam o coração. Às vezes, durante ou após as operações, algum vaso sanguíneo minúsculo pode ser torcido ou obstruído.

O coração ainda funciona, mas as células que foram privadas de oxigênio batem devagar e debilmente.

Ele pode ligar o bebê a uma máquina como a que manteve Georgia Bowen viva, um oxigenador por membrana extracorpórea, ou ECMO. Mas isso é uma medida provisória que pode funcionar por até duas semanas. Metade dos bebês com problemas arteriais coronários que acabam numa máquina ECMO morrem, porque seus corações não conseguem se recuperar.

Mas um dia contaram a Emani sobre o trabalho de McCully e os dois cirurgiões se encontraram. "Foi quase um momento eureca”, disse Emani.

McCully foi para o Hospital Infantil de Boston e, junto com Emani, preparou-se para testar se a nova técnica poderia ajudar bebês minúsculos, que eram os mais doentes dentre os doentes: aqueles que estavam sobrevivendo via ECMO.

Não demorou muito para que tivessem seu primeiro paciente.

Kate Bowen com sua bebê, Georgia, na UTI  - Katherine Taylor/The New York Times - Katherine Taylor/The New York Times
Kate Bowen com sua bebê, Georgia, na UTI
Imagem: Katherine Taylor/The New York Times

O primeiro paciente

No início de uma manhã de sábado, em março de 2015, o hospital recebeu uma ligação de um hospital no Maine. Médicos de lá queriam transferir um recém-nascido, cujo coração tinha sido privado de oxigênio durante uma cirurgia para corrigir um problema congênito.

O bebê estava no ECMO, mas seu coração não se recuperara.

"Nós transformamos a UTI em uma sala de operação", disse Emani.

Ele cortou um pequeno pedaço do músculo abdominal do bebê. McCully pegou-o e correu pelo corredor.

Vinte minutos depois, estava de volta com um tubo de ensaio cheio de preciosas mitocôndrias. Emani usou um ecocardiograma para determinar onde seriam injetadas.

"O ponto que é mais fraco, é onde queremos colocar. É importante dar o máximo impulso possível", ele disse.

Ele injetou um bilhão de mitocôndrias em cerca de um quarto de uma colher de chá de fluido.

Em dois dias, o bebê estava com o coração normal --forte e batendo rapidamente. "Foi incrível", contou Emani.

Os cientistas já trataram 11 bebês a partir da injeção de mitocôndrias e todos, exceto um, conseguiram deixar o ECMO, disse Emani. Ainda assim, três deles não sobreviveram, o que ele atribuiu ao atraso no tratamento, além de outras causas.

Dois morreram porque seus corações ainda estavam muito danificados e outro morreu devido a uma infecção. Todos os outros pacientes sobreviveram e estão indo bem.

Em comparação, a taxa de mortalidade entre um grupo similar de bebês que não conseguiu transplantes mitocondriais foi de 65%. E nenhum dos bebês não tratados teve a recuperação das funções cardíacas --mais de um terço dos sobreviventes acabaram em listas de transplante de coração.

Mais recentemente, Emani e seus colegas descobriram que podem colocar mitocôndrias em um vaso sanguíneo que alimenta o coração, em vez de aplicar diretamente no músculo danificado. De alguma forma as organelas irão quase que magicamente gravitando para as células feridas.

Ele e seus colegas estão convencidos de que esses transplantes funcionam, mas reconhecem que seria preciso mais testes para prová-lo.

O principal problema é a escassez de pacientes. Mesmo que todo centro pediátrico dos Estados Unidos participasse, com todos os pacientes apresentando problemas no músculo cardíaco, ainda assim seria difícil ter o número suficiente de pacientes para se certificar.

James McCully prepara para injetar as mitocôndrias em Georgia Bowen - Katherine Taylor/The New York Times - Katherine Taylor/The New York Times
James McCully se prepara para injetar as mitocôndrias em Georgia Bowen
Imagem: Katherine Taylor/The New York Times

Adultos são os próximos

Mas e os pacientes adultos? Os pesquisadores esperam que transplantes mitocondriais também possam reparar músculos cardíacos danificados durante ataques cardíacos em adultos. E encontrar o número suficiente desses pacientes não será um problema, disse o Dr. Peter Smith, chefe de cirurgia cardíaca na Universidade Duke.

Pesquisadores já planejam os testes. O plano é infundir mitocôndrias ou uma solução placebo nas artérias coronárias de pessoas que passaram por cirurgias de ponte de safena ou que apresentem um quadro mais grave.

Os pacientes seriam aqueles cujos corações estão tão danificados que seria difícil retirá-los das máquinas após a cirurgia. Para essas situações críticas, os transplantes mitocondriais "são uma opção realmente interessante", disse Smith.

A probabilidade que o estudo comece no próximo ano é muito alta, disse Annetine Gelijns, bioestatística do Centro Médico Monte Sinai, em Nova York.

Para Georgia Bowen, o procedimento veio tarde demais: a parte do seu músculo cardíaco afetado pelo ataque de coração já tinha morrido. Seus médicos implantaram um dispositivo que toma conta do bombeando do coração e esperam que o órgão tenha uma recuperação suficiente para que possam remover o dispositivo.

Ela foi posta em uma lista de espera para um transplante. Georgia parece melhorar – ela já respira por conta própria e consegue beber leite materno através de um tubo. Seu coração está mostrando sinais de cura.

"Georgia é um milagre e continua a lutar diariamente, enfrentando todos os obstáculos", disse Bowen.

"Sabemos que vai superar isso e ir para casa".

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