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Práticas e atitudes para uma vida longa e saudável


Tentativa de suicídio é menor entre idosos, mas eles usam meios mais letais

Mesmo depois que a demência se desenvolve, abandonar a arma pode parecer "quase como uma amputação" - David Plunkert/The New York Times
Mesmo depois que a demência se desenvolve, abandonar a arma pode parecer "quase como uma amputação" Imagem: David Plunkert/The New York Times

Paula Span

Do New York Times

05/06/2018 13h51

Barbara Herrington, gerente em uma clínica de cuidados geriátricos em Polk County, Flórida, foi falar uma mulher de 72 anos de idade com demência e uma longa história de alcoolismo.

Herrington sabia que sua cliente ficaria raivosa naquela manhã. Sua filha tinha levado seu carro embora no dia anterior, porque a mãe estava ignorando as instruções de um neurologista que aconselhou-a a parar de dirigir. Ela pegava o carro à noite para comprar bebida.

A porta da pequena casa da mulher estava aberta – ela normalmente deixa destrancada para que seus cuidadores possam entrar. Herrington então bateu e, em seguida, inclinou-se para dentro da casa, chamando a paciente pelo nome.

"Ela saiu do quarto segurando uma pistola com as duas mãos", recorda-se Herrington. A mulher mirou na visitante, anunciando que queria seu carro de volta.

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"Suas mãos estavam tremendo, tremendo demais", disse Herrington. "Eu não sabia se a arma estava carregada ou não e não me importei muito na hora". A cuidadora se afastou, chamou a filha da cliente e a polícia que, mais tarde naquele dia, removeu duas Berettas e uma espingarda de chumbinho da casa.

O apego às armas muitas vezes não é superado pelas pessoas mais velhas. Mesmo após o desenvolvimento de demência, renunciar a elas pode ser quase como uma amputação, disse o Dr. Michael Victoroff, especialista em Medicina de Família na Faculdade de Medicina da Universidade do Colorado (e também instrutor certificado de armas de fogo).

Um de seus pacientes, um policial aposentado, dormiu por muito tempo com o seu revólver ao seu lado. Mas quando se aproximava dos 80 anos, quando seu estado de demência começou a se aprofundar, "ele acordava durante a noite e não reconhecia sua esposa, enxergando-a como uma estranha em sua casa", disse Victoroff.

Quando soube que o homem havia apontado a 38 carregada para a esposa, percebeu que a situação era urgente. A equipe foi até o ex-parceiro de seus tempos na polícia, alguém confiável, a fim de persuadi-lo a abrir mão de sua arma.

Histórias assustadoras como estas --e aquelas onde esses idosos, particularmente homens brancos, cometem suicídio com suas armas-- podem se tornar mais comuns nos próximos anos. Cerca de um terço dos americanos com mais de 65 anos possui uma arma e mais 12% deles vivem com alguém que possui uma arma também, mostrou a pesquisa feita pelo Centro de Pesquisa Pew, no ano passado.

Embora a taxa de senilidade tenha diminuído nos Estados Unidos, o número crescente de americanos idosos significa que mais pessoas estarão propensas a desenvolver tal quadro clínico. Ao mesmo tempo, as vendas de armas subiram dramaticamente.

Talvez não coincidentemente as taxas de suicídio também aumentaram, com crescimento de mais de 28% entre 1999 e 2016. Mais de 8,2 mil adultos idosos cometeram suicídio em 2016, de acordo com o Centro de Prevenção e Controle de Doenças. Entre os homens, aqueles com mais de 65 são os que têm maior probabilidade de acabar com a própria vida. Três quartos deles usam alguma arma.

"O risco de suicídio é elevado em pessoas com demência, mas é um fator mais relevante logo no início da doença", disse Yeates, psiquiatra e diretor da Divisão de Envelhecimento da Escola de Medicina da Universidade de Rochester. À medida em que a doença avança, "as pessoas têm menor capacidade para planejar uma tentativa de suicídio e é provável que estejam sob observação".

O número de tentativas de suicídio é muito menor entre os idosos, em comparação com os mais jovens, mas eles morrem com maior frequência, em parte porque usam métodos mais letais, como a arma de fogo. Ainda assim, os provedores de cuidados de saúde que perguntam aos pacientes mais velhos sobre dirigir e andar sozinho por aí, podem não perguntar sobre a posse de armas.

"Planejamento de segurança para adultos com demência é algo sobre o qual todo clínico pensa, mas não acho que as armas de fogo estejam nesse radar de preocupações", disse o Dr. Donovan Mauste, psiquiatra da Escola de Medicina da Universidade de Michigan e coautor de um artigo recente sobre armas e demência no Annals of Internal Medicine.

E deveriam estar. Em estágios avançados da demência as pessoas podem não distinguir entes queridos de intrusos. Sua capacidade de tomada de decisão se deteriora, e podem se tornar paranoicos, deprimidos, impulsivos, agitados ou agressivos.

Justamente quando precisam de ajuda, as agências de atendimento domiciliar e outros serviços podem se recusar a enviar funcionários onde existam armas e falta de segurança.

Como colocou Victoroff, a questão é: "Quais estratégias práticas você pode usar para retirar uma arma das mãos de alguém que não está mais segura com ela?"

No mínimo, os proprietários deveriam trancar suas armas de fogo em cofres para garantir a segurança. Aqueles que insistem em manter acessíveis suas armas carregadas poderiam usar um cofre de acesso rápido por meio de senha. "Você pode ter acesso à arma em dois ou três segundos, mas seu neto não", disse Victoroff.

Porém, isso não vai resolver o problema do julgamento prejudicado pela doença (e nem remover o gatilho ou esconder a munição, uma vez que os outros, incluindo a polícia, não saberão se a arma está pronta para ser usada ou não).

Assim, a Dra. Marian Betz, principal autora do artigo que saiu no Annals e médica de emergência da Faculdade de Medicina da Universidade do Colorado, propôs um acordo de armas de fogo na família, uma espécie de diretiva antecipada para armas.

O artigo contém um modelo simples de quatro parágrafos em que o signatário reconhece que, apesar de querer ter o controle sobre suas armas, "pode chegar o momento no qual não consiga mais decidir quais as melhores atitudes para a minha segurança e a dos outros".

O documento nomeia um indivíduo que dirá quando o momento chegou.

"Não é juridicamente vinculativo", reconheceu Betz. Além disso, amigos e familiares podem ter dificuldade em determinar quando uma pessoa com demência, que pode piorar sutilmente ou variar o estado dia a dia, atinge o ponto em que deve entregar suas armas.

Ainda assim, Betz vê o documento como uma forma de começar uma conversa difícil, "idealmente em um momento em que o idoso pudesse ainda estar envolvido na decisão".

Como alternativa, os proprietários de armas podem realizar uma "custódia de arma de fogo", que é juridicamente vinculativo. Um participante desta modalidade pode usar uma arma até que alguma deficiência, incluindo demência, ou a morte desencadeie a transferência de posse para outros.

Em alguns estados nos EUA, as famílias podem também recorrer a medidas involuntárias, como ordens de proteção de risco extremo e pelas "leis dos indícios". Com tais medidas, membros da família ou agentes da lei têm permissão para buscar uma ordem judicial que exija a entrega das armas de pessoas que foram consideradas perigosas.

A maioria dos americanos que não possui nem convive com armas pode achar esses dilemas intrigantes. Renunciar às armas em idades avançadas, muitas vezes é comparado ao ato de abrir mão da direção, mas essa analogia tem limitações.

Em muitas comunidades rurais e suburbanas, onde a presença do poder público é insuficiente, pessoas idosas que não dirigem, podem enfrentar uma vida genuinamente restrita. As armas, por outro lado, não parecem essenciais para a preservação da qualidade de vida. Dado que acidentes terríveis acontecem e que milhares de pessoas idosas se matam com elas anualmente, por que existe todo esse conflito em torno de abdicar do uso de armas de fogo?

Muitos entusiastas das armas argumentam que, enquanto dirigir é um privilégio, a Constituição protege a manutenção e o porte de armas. E eles as enxergam como uma parte crucial de sua identidade e do seu senso de segurança.

Substituir esses instintos quando necessário requer planejamento e tato.

Herrington e um colega estavam em frente à casa de um cliente certa manhã deste mês, esperando na porta com a filha do paciente, um chaveiro e os xerifes do município, enquanto o homem, de 79 anos, saiu para tomar seu café da manhã. A demência havia se intensificado e ele tomou decisões financeiras alarmantes; assim, um tribunal deu à sua filha tutela temporária.

Em sua ausência, a equipe entrou em sua casa e removeu a pistola carregada que ficava sob seu travesseiro e cerca de outras vinte armas. Quando o homem retornou, eles explicaram o que tinham feito e porquê.

"Ele afirmou que se sentiria nu sem sua arma. O policial assegurou que ele poderia ligar para o 911 a qualquer momento e eles o atenderiam imediatamente", disse Herrington por e-mail.

A negociação e as promessas continuaram por horas. Agora, disse Herrington, eles estão aguardando para ver como as coisas vão ficar.

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