Como um documento pode melhorar a qualidade de vida de quem tem demência
Eu tinha esperanças de que agora quase todos os adultos dos Estados Unidos já tivessem preenchido um documento com instruções sobre tratamento médico e indicado alguém em quem confiassem para representar seus desejos se e quando não pudessem mais falar por si mesmos. Infelizmente, na última contagem, pouco mais de um terço havia feito isso, enquanto o resto dos americanos deixam nas mãos da profissão médica e de parentes despreparados a decisão de quando e como oferecer tratamentos para prolongamento da vida.
Porém, mesmo os muitos que, a exemplo de mim, cumpriram com sua obrigação --preenchendo os formulários adequados, selecionando um agente de saúde e expressando seus desejos a quem for tomar as decisões médicas por eles-- podem não perceber que os documentos geralmente não cobrem uma situação provável para uma das principais causas de morte neste país, a demência. Por exemplo, o documento padrão não traz instruções específicas sobre fornecer comida e bebida com a mão e não por sonda.
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A demência avançada, incluindo o mal de Alzheimer, é a sexta principal causa de morte, no total, nos Estados Unidos. É a quinta principal causa para quem passou dos 65 anos, e a terceira para aqueles com mais de 85 anos. Contudo, quando a doença se aproxima dos estágios terminais, os pacientes são incapazes de expressar seus desejos contra ou a favor das terapias para prolongamento da vida.
A organização End of Life Choices (escolhas do final da vida, em tradução livre) está tentando modificar isso e criou uma diretriz avançada na esperança de que ela se torne um protótipo para a nação; o estado de Washington já criou a sua, embora o documento seja um pouco diferente.
Judith Schwarz, diretora clínica da organização de Nova York, diz que os nova-iorquinos que procuravam orientação foram a origem do novo documento. "Eles falavam coisas como: 'Ah, meu Deus, o que posso fazer? Acabaram de falar que tenho mal de Alzheimer. Vi meu avô morrer disso e não quero morrer do mesmo jeito", diz ela.
"As pessoas deveriam pelo menos compreender qual é o processo normal da demência avançada. Sondas de alimentação não são o problema --não são empregadas quando a demência é terminal. Pelo contrário, um cuidador ficará pacientemente ao lado da cama e colocará comida na sua boca desde que você a abra. Abrir a boca quando uma colher se aproxima é um reflexo primitivo que continua muito tempo depois de se perder a capacidade de engolir e saber o que fazer com o que é colocado na sua boca", disse Schwarz.
Embora tentar oferecer alimentação a um doente terminal à beira da morte costume ser feito em nome do conforto e do cuidado, se a pessoa não pode se beneficiar da comida e da bebida, o resultado pode ser o oposto. Quando os pacientes não conseguem mais engolir, podem sufocar e aspirar a comida ou bebida para os pulmões, resultando em pneumonia, o que só aumenta seu sofrimento e apressa sua morte.
O conselho de Schwarz: preencha o documento de sua organização sobre o recebimento de fluidos e alimentos via oral no caso de demência.
"Enquanto conseguir tomar decisões, você tem todo o direito de decidir se quer interromper todas as medidas para o prolongamento da vida, incluindo alimentação e fluidos, quando estes não são mais desejados e não podem ajudar", explica ela.
Ao contrário das pessoas com câncer terminal ou esclerose lateral amiotrófica, doenças em que a função cognitiva costuma permanecer intacta, pessoas em estágios avançados de demência são incapazes de determinar e expressar suas preferências de tratamento. Segundo Schwarz, tais escolhas devem ser feitas com bastante antecedência, principalmente se elas preferem evitar uma agonia prolongada para si mesmos e seus entes queridos.
Anne Kenny, geriatra e especialista em cuidados paliativos da LiveWell Alliance de Plantsville, Connecticut, fez a seguinte declaração: "Com a demência, quando chega a hora de decidir o que se deseja, você em geral já perdeu essa capacidade. Muitas pessoas não percebem que decidir antecipadamente não significa perder a esperança. Isso cria mais esperança, porque os pacientes sabem que seus desejos serão ouvidos e respeitados em vez de substituídos pela posição padrão do sistema médico, que é a longevidade a qualquer custo."
Ainda segundo ela, entrevistas com as famílias demonstraram que 90 % querem qualidade no fim da vida. Somente 10 % preferem a longevidade.
Kenny explica que três características definem os estágios avançados de demência, indicando que o paciente está perto do fim da vida: perda da capacidade de usar o banheiro, caminhar e engolir de forma independente.
"Em geral, as mortes por demência são tranquilas, até mesmo bonitas. As pessoas vão se fechando lentamente. As famílias ficam aliviadas porque a demência é muito difícil no final. O segundo melhor presente que se pode dar à família é lhes mostrar o caminho que deseja trilhar, para eles não terem que decidir por você."
A nova diretriz não apenas pede que se registre os desejos no formulário sobre hidratação e alimentação oral perto do fim da vida como também sugere que se crie um vídeo – talvez no celular – mostrando aos cuidadores e outras pessoas que a escolha é o que você queria, sendo coerente com seus valores.
Ao preencher o documento, que deve ter testemunhas e ser registrado em cartório, e escolher um agente de saúde, o paciente deve demonstrar claramente sua capacidade cognitiva.
O documento e outras informações podem ser encontradas on-line em End of Life Choices New York; procure a seção "featured documents". Ela tem duas opções para pacientes que não são mais capazes de se alimentar sozinhos ou tomar decisões equilibradas sobre seu tratamento.
A Opção A pede que todos os medicamentos e tratamentos para prolongar a vida sejam interrompidos ou cancelados e que o paciente não deve ser alimentado "mesmo que eu pareça cooperar na alimentação ao abrir a boca". A Opção B pede que a alimentação oral assistida somente seja feita quando o paciente parecer receptivo e cooperar, demonstrando sinais de desfrutar o alimento e a bebida. Somente alimentos apreciados devem ser dados em qualquer quantidade desejada, e o paciente não deve "ser coagido, adulado ou forçado a comer ou a beber".
Timothy E. Quill, professor de Medicina da Divisão de Tratamento Paliativo da Faculdade de Medicina da Universidade de Rochester, afirma que "se a diretriz levar as famílias e cuidadores para o lado do conforto e da dignidade do paciente, ela é um verdadeiro passo à frente. Isso os estimula a seguir a orientação do eu de 'agora' do paciente e não do eu antigo". Fornecer alimentação no estágio final da demência "deveria ser apenas pelo prazer de comer, não algo forçado". Ainda de acordo com ele, "se o paciente mostrar um forte interesse em comer e beber, o desejo deve ser atendido".
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