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Por que somente um homem se curou do HIV até hoje?

Um transplante de medula óssea livrou Timothy Ray Brown do vírus da Aids Imagem: AFP/Brendan Smialowski

Marcelle Souza

Colaboração para o VivaBem

01/05/2018 04h00

Já se passaram cerca de dez anos desde que o americano Timothy Ray Brown foi curado do HIV. Apelidado de "o paciente de Berlim", ele é considerado por cientistas como o único homem a ter se livrado da Aids até hoje --ou seja, o vírus foi completamente erradicado do seu corpo e ele não precisa mais tomar medicamentos para controlá-lo. O sucesso do tratamento realizado nesse caso, porém, é uma exceção e médicos de todo o mundo ainda buscam uma resposta para a erradicação do vírus que surgiu nos anos 1980.

“Se soubéssemos exatamente o que fez com que esse paciente se curasse, talvez tivéssemos a chave para a erradicação ou cura do HIV. Há várias suspeitas, mas tudo indica para um somatório de coisas, pois tentativas que usaram métodos semelhantes deram errado”, diz o infectologista Esper Kallas, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

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Um paciente especial

O primeiro ponto é que Timothy não era um paciente comum. Ele foi diagnosticado com HIV em 1995, quando morava em Berlim, na Alemanha. Em 2006, descobriu que tinha leucemia --não relacionada com a Aids. O americano foi submetido à quimioterapia imediatamente, mas o tratamento teve que ser suspenso porque o homem apresentou complicações que poderiam levá-lo à morte.

No ano seguinte, Timothy fez novas sessões de quimioterapia, mas a única saída parecia ser um transplante de medula óssea. O vírus HIV ataca as células do sistema imunológico, responsáveis pela defesa do organismo, tornando o corpo do paciente mais suscetível a infecções chamadas de oportunistas. No transplante de medula óssea, as células do sistema imunológico do paciente são destruídas para, em seguida, o corpo receber as saudáveis de um doador.

Nessa época, os cientistas já sabiam que uma mutação genética fazia com que cerca de 1% da população da Europa fosse naturalmente imune ao vírus que causa a Aids. Nesses casos, o HIV não consegue se ligar às células do sistema imunológico e os cientistas ainda não descobriram por qual motivo isso acontece. “Há suspeitas de que se trate de uma mutação do corpo para resistir à peste negra”, afirma Kallas. 

Pesquisas já tentam imitar a mutação genética que torna alguns indivíduos resistentes ao vírus da Aids Imagem: iStock
Sabendo disso, o médico Gero Hütter, que tratou Timothy, teve uma ideia: procurar um doador de medula que apresentasse essa mutação para o HIV.

A pessoa foi encontrada e, três meses após o transplante, o "paciente de Berlim" já não apresentava sinais do vírus da Aids. A leucemia, porém, voltou em 2008 e um novo transplante foi realizado.

Thimoty já possuía uma alteração genética parcial e recebeu uma doação de alguém que tinha uma mutação completa, o que acabou transferindo para ele uma proteção ainda maior. Além disso, é importante destacar que ele foi submetido a dois transplantes de medula. Tudo isso deve ter contribuído”, diz o infectologista da USP. 

Pacientes de Boston

Depois do sucesso do “paciente de Berlim”, o procedimento foi reproduzido em duas pessoas que haviam sido diagnosticadas com HIV e linfoma, em 2008 e 2010, nos Estados Unidos. Nessas duas novas experiências, porém, as células do transplante não eram de doadores resistentes ao vírus.

Os dois pacientes continuaram tomando antirretrovirais nos primeiros meses após os procedimentos. Em seguida, os médicos submeteram ambos a exames que não detectaram sinais de HIV no sangue. Com os resultados animadores, ambos decidiram parar de tomar medicamentos. Mas, no fim de 2013, os médicos declaram que a Aids havia se manifestado novamente.

Parte dos cientistas encarou esses resultados como decepcionantes, mas outros viram ali uma chance para aprofundar os estudos. “Por meio dessa pesquisa, descobrimos que nossos padrões atuais de sondagem para o HIV podem não ser suficientes para nos informar se a remissão do HIV em longo prazo é possível”, disse na época Timothy Henrich, um dos médicos que acompanhou o caso, à Nature News.

Vale ressaltar que, mesmo se desse certo, esse tipo de experiência seria caro e delicado para ser realizado em larga escala. Principalmente porque encontrar um doador de medula óssea compatível não é fácil. 

Estamos longe da cura?

No mundo todo há mais de 36 milhões de pessoas infectadas com o HIV Imagem: Getty Images
Estima-se que 827 mil pessoas vivam atualmente com o vírus HIV no Brasil. Parte delas, 112 mil, nem sabe que está infectada. No mundo, são 36,7 milhões de pessoas com a doença. Um dos primeiros obstáculos para avanços científicos na área, no entanto, é que o vírus não se comporta do mesmo modo em todos os lugares do planeta.

“As pesquisas nessa área precisam obrigatoriamente respeitar a diversidade. É necessário olhar as diferenças entre pacientes que vivem nos Estados Unidos e no Brasil, por exemplo. Aqui há uma série de outros agentes que podem influenciar na infecção, e é preciso levar em conta aspectos como habitação, higiene etc. Por isso, a resposta de defesa do corpo e o modo com que o vírus se comporta são diferentes aqui e lá”, diz o infectologista da USP.

Levando em conta essas diferenças, cientistas de todo mundo tentam encontrar respostas para a cura do HIV, e as principais iniciativas atuam em quatro frentes de pesquisa:

  1. Tentar ‘imitar’ a mutação genética que torna alguns indivíduos resistentes ao vírus e reproduzi-la em outras pessoas; 
  2. Investir em tratamentos com medicamentos mais fortes e eficientes;
  3. Tentar tirar o vírus de algumas células que têm o agente latente (que está ‘dormindo’), para que ele seja eliminado do corpo; 
  4. Reforçar as defesas do organismo, a partir de vacinas e terapia celular.

Parte das pesquisas nesse campo são financiadas pela amfAR – Fundação para a Pesquisa da Aids, uma organização sem fins lucrativos. Mas por qual razão investir nisso se hoje a medicina permite que pacientes com a doença que são medicados corretamente tenham quantidade indetectável do vírus? 

Precisamos encontrar a cura para o HIV por vários motivos, entre eles por causa dos custos dos medicamentos disponíveis, das dificuldades e da desigualdade de acesso ao tratamento em várias partes do mundo e dos efeitos das terapias”, diz Rowena Johnson, vice-presidente e diretora de pesquisa da amfAR. Hoje, quem toma o remédio tem boa qualidade de vida, mas não é considerado curado já que ao parar o medicamento o vírus volta a se alastrar.

A organização investe em estudos em vários países do mundo e tem a meta de encontrar a cura para o HIV até 2020. Será que isso é mesmo possível em tão curto prazo?

“Acredito que podemos entender o que precisamos para encontrar a cura. Esse é o nosso objetivo. Não acho que teremos um produto pronto para entregar às pessoas nesse prazo, mas podemos construir o conhecimento científico que precisamos para colocar as peças juntas e começar a testar o que sabemos que está relacionado à cura do HIV”, afirma Johnson.

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