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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Uso contínuo de antidepressivos causa dependência

Robin Hempel, que começou a tomar antidepressivos por indicação de seu ginecologista Imagem: Cheryl Senter/The New York Times

Benedict Carey

Do New York Times

25/04/2018 04h00

Em um artigo sobre a abstinência de antidepressivos publicado no início de abril, os leitores do New York Times foram convidados a descrever suas experiências ao parar com o uso dos medicamentos. Mais de 8,8 mil pessoas comentaram --adolescentes, estudantes universitários, jovens mães, pais que os filhos já deixaram o lar, aposentados.

Os leitores descreveram como foi parar de tomar os antidepressivos, pessoas que queriam descontinuar o uso e falharam ou triunfaram. Dezenas de pessoas escreveram dizendo que a droga era uma tábua de salvação. "Você não reconhece que os transtornos do humor podem existir sempre, que são doenças debilitantes que exigem tratamento médico durante toda a vida", escreveu Rachel S., de Nova York.

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O volume e a diversidade das respostas dadas dá um panorama de como os antidepressivos modernos, começando com o Prozac, percorreram nossa cultura e moldaram a compreensão pública da saúde mental. Estas histórias exibem fortes diferenças demográficas: leitores de diferentes gerações tomaram antidepressivos e tentaram parar por diferentes razões.

Leitores do meu grupo de idade e mais velhos (tenho 58 anos) são de uma época na qual muitas vezes a depressão era considerada uma falha no caráter. Esses leitores relatam ter iniciado com o Prozac ou um de seus primeiros concorrentes, como Paxil ou Zoloft, muitas vezes depois de um grande revés na vida, como um divórcio ou a perda de um emprego, ou de um cônjuge ou filho.

"Meu médico me receitou Zoloft há 28 anos para lidar com o diagnóstico de câncer do meu marido", escreveu Carole Wilson, de 74 anos, de Alburnett, Iowa. Seu marido já faleceu. "Cortei a dose de 200 miligramas para 100, mas quando diminuo tenho efeitos colaterais horríveis, como náuseas, nervosismo, muito choro, coisa que nunca tenho. Estou com quase 75 anos. Nessa altura da vida, vou continuar o tratamento, porque não conseguiria enfrentar a abstinência".

James Midkiff, 75 anos, de Vienna, Virgínia Ocidental, nos EUA, escreveu: "Eu era o único cuidador da minha esposa que estava morrendo e ainda era policial, sempre com uma grande carga de estresse", disse Midkiff, que foi gradualmente deixando o Lexapro há cerca de um mês.

Tenho sintomas de abstinência como agitação, ataques de pânico, sensação de gripe, náusea, fadiga, suores noturnos, formigamento e dormência nos braços e pernas.

James Midkiff, 75

Centenas de outras pessoas na casa dos 60 e 70 contaram histórias semelhantes ao New York Times sobre começar o tratamento medicamentoso após alguma perda dura. Várias delas afirmaram que as drogas ajudaram inicialmente a aliviar a agitação emocional.

Efeitos colaterais vão de náuseas a ataques de pânico Imagem: iStock

A era da prescrição indefinida

A razão da vontade de parar de tomá-los está em parte na compreensão de que os antidepressivos são feitos como uma solução de curto prazo, para enfrentar um momento turbulento. Mas, por volta de meados da década de 1990, as empresas farmacêuticas tinham convencido os reguladores do governo que, quando usado em longo prazo, os medicamentos reduziam drasticamente o risco de uma recaída em pessoas com depressão crônica.

Assim começou a era da prescrição indefinida ou em aberto e não apenas para os casos mais graves de depressão. A mudança dessa prática coincidiu aproximadamente com a promoção da teoria do "desequilíbrio químico" da depressão: os comerciantes e alguns pesquisadores deixaram implícito que os antidepressivos corrigiam déficits dos níveis cerebrais do neurotransmissor serotonina.

Na verdade, a teoria tem uma base frágil. Não se sabe a biologia por trás da depressão ou de qualquer outro transtorno de humor. Mas essa mudança --junto com uma alteração no estatuto federal, em 1997, que permitiu que as empresas farmacêuticas fizessem propaganda diretamente aos consumidores-- ajudou a minar o estigma associado à depressão e aos transtornos de humor em geral.

Depressão, ansiedade e transtorno bipolar saíram do armário e a geração que atingiu a maioridade nessa época --as pessoas que agora estão na casa dos 40, mais ou menos-- esteve imersa em uma cultura que já não associava a depressão a uma falha de caráter.

A condição tinha bases biológicas e os antidepressivos se tornaram uma opção muito popular. Todos conheciam alguém que os tomava, as taxas de prescrições em longo prazo subiram.

Nas suas respostas, muitos leitores neste grupo de idade pareciam mais propensos a citar diagnósticos psiquiátricos específicos: ansiedade social, transtorno do pânico, estresse pós-traumático, bem como a depressão. E suas decisões de cortar os medicamentos não estavam tão atreladas à ideia de que a droga é uma ponte provisória; a maioria manifestou preocupação prática com os efeitos colaterais nefastos (disfunção sexual é uma comum, assim como o ganho de peso), com gravidez ou com a depressão pós-parto.

"Quando engravidei, decidi parar de tomar Effexor porque não estava confortável com seu nesse período", escreveu Katie Slattery, 39 anos, de Orlando, Flórida. "Quando larguei essa muleta, eu me senti extremamente mal e tive que voltar atrás e lentamente parar o tratamento. Eu abria as cápsulas do comprimido e reduzia minha dose a 1mg a cada dois dias. Foi um processo demorado, mas fez com que a tontura, a dor de cabeça e o cansaço que senti quando interrompi repentinamente o uso da medicação acabassem."

Amy Cannon, 42 anos, da Filadélfia, escreveu, "eu comecei a tomar Zoloft depois de passar por uma depressão pós-parto, e depois de quase um ano senti que meus sintomas não eram tão graves". Mas ela ouvia zumbidos --como sensações de choque-- e tinha alterações de humor assim que descontinuou o uso, então, decidiu voltar a usar o medicamento. "Acabei sendo capaz de largar o remédio lentamente, sem consequências graves, mas levou seis meses e era muito desagradável", disse ela.

a geração que atingiu a maioridade na década de 1990 esteve imersa em uma cultura que já não associava a depressão a uma falha de caráter Imagem: iStock

Riscos para as crianças e jovens

As mulheres que tomam antidepressivos e que engravidam, ou que estão planejando engravidar, muitas vezes preferem não expor o feto em desenvolvimento a qualquer medicamento. Não há grandes evidências que mostrem que a exposição à droga afete o desenvolvimento uterino da criança.

E a depressão não tratada apresenta riscos de fato, tanto antes do nascimento quanto depois, quando a criança necessita de alguém vigilante e com muita energia para seus cuidados.

Como o estigma associado aos transtornos do humor está desaparecendo, também estão desaparecendo as barreiras sociais que não enxergavam com bons olhos as prescrições medicamentosas diárias. Lá pelos anos 2000, quando os médicos começaram a prescrever antidepressivos para crianças, as visões predominantes sobre o tema eram muito diferentes daquelas da primeira geração Prozac.

Quase mil jovens em seus 20 anos ou menos responderam ao convite do Times. Eles eram muito pequenos quando o aumento do uso em longo prazo ocorreu --e muitas vezes eram seus próprios pais que diziam que os medicamentos poderiam ajudá-los.

Vários deles contaram ao Times que eram jovens demais na época para entender o que essas drogas faziam, e só souberam mais sobre ela quando ficaram mais velhos. Ao entrar no ensino médio e na faculdade, sua compreensão da cultura da prescrição é muito diferente da de gerações anteriores.

Por um lado, muitos de seus amigos tomam antidepressivos ou outros medicamentos psiquiátricos por longos períodos. "Moro em uma república da faculdade com mais seis garotas, duas delas tomam antidepressivo", escreveu Julian O., 21 anos, de Seattle.

Emma Dreyfus, 28 anos, de Boston, disse que "um erro que os pais dela cometeram" foi começar um tratamento contra a ansiedade a base de Paxil. Ela conseguiu parar lentamente de tomar o medicamento apenas aos 23 anos. "Não culpo meus pais. Mas queria que eles soubessem os efeitos disso em longo prazo."

Outros desse grupo mais jovem questionaram os efeitos dos antidepressivos no desenvolvimento do cérebro; as drogas causam adaptações biológicas no cérebro, mas os problemas de humor persistentes também causam isto.

Até agora, ninguém tem boas respostas para eles. As drogas são um desenvolvimento cultural relativamente novo, em termos históricos. Seus efeitos biológicos difusos são em grande parte desconhecidos.

Em qualquer idade, todos nós fazemos parte da geração dos remédios prescritos --uma experiência enorme e descontrolada com quase nenhum precedente e poucos aspectos servindo de guia.

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