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Cientistas descobrem novo fator de risco para problemas no coração e AVC

Brian Gear tem o C.H.I.P., o que aumenta consideravelmente suas chances de ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral - Kayana Szymczak/The New York Times
Brian Gear tem o C.H.I.P., o que aumenta consideravelmente suas chances de ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral Imagem: Kayana Szymczak/The New York Times

Gina Kolata

The New York Times

06/02/2018 19h20

Essa tem sido uma das perguntas vexatórias da medicina: por que a maioria das pessoas que sofre um ataque cardíaco ou um acidente vascular cerebral tem poucos fatores de risco convencionais (ou nenhum)?

São pacientes com níveis normais de colesterol e pressão arterial, sem histórico de tabagismo ou diabetes e sem histórico familiar de doença cardiovascular. Por que não são poupados?

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Para alguns pesquisadores, esse risco oculto é a matéria negra da cardiologia: uma força invisível, mas onipresente, que leva dezenas de milhares de pacientes ao hospital a cada ano. Mas parece que agora os cientistas encontraram parte do problema.

Pesquisadores descobriram que um estranho acúmulo de células-tronco que sofreram mutação na medula óssea aumenta o risco de uma pessoa morrer em uma década em 40 ou 50 por cento, geralmente de um ataque cardíaco ou AVC. Eles denominaram a condição com um jargão médico: potencial hematopoiese clonal indeterminado (CHIP, na sigla em inglês).

O CHIP aparece como um fator de risco de ataque cardíaco e acidente vascular cerebral tão poderoso quanto altas taxas de LDL (lipoproteína de baixa densidade, o chamado colesterol ruim) ou pressão alta, mas age de forma independente delas. E o CHIP não é incomum.

A condição torna-se mais provável com a idade: aparece em até 20 por cento das pessoas com 60 anos e talvez 50 por cento dos que tem 80 anos.

"Está começando a parecer que existem apenas dois tipos de pessoas no mundo: aquelas que apresentam hematopoiese clonal e aquelas que vão desenvolver hematopoiese clonal", disse Kenneth Walsh, diretor do Centro de Biologia Hematovascular da Escola de Medicina da Universidade da Virgínia.

A crescente evidência surpreendeu os pesquisadores do coração. O doutor Peter Libby, cardiologista do Brigham and Women's Hospital e professor da Escola de Medicina de Harvard, diz que o CHIP é a descoberta mais importante na cardiologia desde as estatinas.

"Estou transformando parte do meu laboratório para trabalhar nisso em tempo integral. É realmente emocionante", disse Libby.

As mutações são adquiridas, não herdadas - provavelmente por má sorte ou exposição a toxinas como fumaça de cigarro. Mas há pouco que os pacientes possam fazer.

Brian Gear, gerente de projetos de uma empresa de Boston que analisa dados de saúde, foi submetido a exames genéticos no Instituto do Câncer Dana-Farber porque sua mãe tinha um câncer hematológico que pode ser hereditário.

O diagnóstico era CHIP, algo que ele nunca tinha ouvido falar. E, por aumentar drasticamente o risco de doença cardíaca, Gear mudou sua vida.

"É quase como ser um especialista em abdicar do controle. Por mais que você queira ter um plano e um destino, também tem essa coisa. É assustador", disse ele, que tinha 30 e poucos anos quando recebeu o diagnóstico.

"Não quero usar a palavra bomba-relógio, mas é isso que parece", acrescentou.

O CHIP foi descoberto de forma independente por vários grupos de pesquisadores que nem sequer investigavam doenças cardíacas. A maioria estava examinando genes de pacientes que poderiam desenvolver leucemia ou, em um dos projetos de pesquisa, esquizofrenia.

Os cientistas pesquisaram bases de dados de estudos genéticos envolvendo dezenas de milhares de pessoas cujo DNA tinha sido obtido a partir de seus glóbulos brancos.

Para sua surpresa, as equipes convergiram para o mesmo fenômeno. Inesperadamente, um grande número de participantes do estudo tinha células sanguíneas com mutações ligadas à leucemia - mas não tinha câncer. Em vez disso, tinham apenas um ou dois dos grupos de mutações.

"Isso claramente não estava acontecendo por acaso. Sabíamos que tínhamos encontrado algo, mas o quê?", disse Steven McCarroll, geneticista do Instituto Broad e da Escola de Medicina de Harvard.

Os pesquisadores rapidamente adivinharam os contornos gerais.

Os glóbulos brancos, os soldados do sistema imunológico, surgem de células-tronco na medula óssea. Todos os dias, algumas centenas dessas células-tronco liberam células sanguíneas que começam a se dividir rapidamente até os 10 bilhões necessários para substituir aquelas que morreram.

Às vezes, por acaso, uma dessas células-tronco da medula sofre uma mutação, e os glóbulos brancos que ela produz carregam a mesma mutação.

"Algumas mutações são apenas marcadores de eventos passados sem qualquer consequência duradoura", disse o doutor David Steensma, especialista em câncer de sangue da Escola de Medicina de Harvard e do Instituto do Câncer Dana-Farber.

Mas outras mutações, especialmente as ligadas à leucemia, parecem dar às células-tronco uma nova habilidade para se acumular na medula. O resultado é a sobrevivência das células-tronco mais aptas ou de crescimento mais rápido na medula.

"Algumas mutações podem alterar as propriedades de crescimento da célula-tronco. Elas podem só tornar algumas células-tronco melhores para sobreviver em partes menos hospitaleiras da medula óssea, onde outras não conseguem prosperar", disse Steensma.

As células-tronco que sofreram mutação ultrapassam células-tronco normais na medula, e sua progênie - suas descendentes, uma porcentagem crescente de glóbulos brancos - aparece no sangue com mutações.

Talvez o exemplo mais extremo de como isso pode se dar foi relatado em 2014, quando os pesquisadores descreveram uma mulher de 115 anos. Quase todo o seu fornecimento de glóbulos brancos foi gerado por células-tronco que sofreram mutação em sua medula óssea.

No começo, ela desenvolveu apenas duas células-tronco que sofreram mutação. Mas ao longo do tempo, sua progênie passou a dominar sua medula óssea. Apesar disso, ela viveu tanto quanto uma pessoa pode viver e morreu por causa de um tumor.

Mas a grande surpresa veio quando os pesquisadores analisaram os prontuários de pessoas com essas mutações de glóbulos brancos. Eles tiveram um aumento de 54 por cento nas chances de morrer na próxima década, em comparação com pessoas sem CHIP. E a causa: ataques cardíacos e AVCs.

O doutor Benjamin Ebert, presidente da oncologia médica do Instituto do Câncer Dana-Farber, foi o primeiro a perceber a ligação. Ele buscou a ajuda do doutor Sekar Kathiresan, cardiologista e pesquisador de genética no Hospital Geral de Massachusetts e no Instituto Broad, que tinha dados genéticos de quatro estudos maiores.

Eles confirmaram que o CHIP dobrou o risco de um ataque cardíaco em pacientes comuns - e aumentou quatro vezes o risco naqueles que sofreram ataques cardíacos mais jovens.

Mas como os glóbulos brancos que sofreram mutação podem causar doenças cardíacas? Uma pista intrigou os cientistas.

A placa obstrutiva da artéria é preenchida com glóbulos brancos, latejando com uma inflamação e sujeita a ruptura. Talvez as células brancas mutantes causem aterosclerose ou acelerem seu desenvolvimento.

Em estudos separados, Ebert e Walsh fizeram um transplante de medula óssea em camundongos contendo células-tronco com a mutação CHIP, juntamente com células-tronco normais. As células sanguíneas que sofreram mutação começaram a proliferar nos camundongos, e eles desenvolveram placas crescentes tomadas por uma inflamação.

"Durante décadas, as pessoas trabalhavam com a inflamação como se fosse a causa da aterosclerose. Mas não era claro o que iniciava essa inflamação", disse Ebert.

Agora, há uma possível explicação e ela levanta a possibilidade de que o CHIP possa estar envolvido em outras doenças inflamatórias, como a artrite, disse Ebert.

Por enquanto, os médicos não aconselham a fazer o exame para detectar o CHIP, uma vez que não há um tratamento específico a ser feito para reduzir o aumento do risco de câncer ou doença cardíaca que produz.

Mas se as pessoas realmente quiserem saber se têm CHIP, podem fazer um exame de sangue que custa alguns milhares de dólares, disse ele. (Se não houver motivo específico para o teste, o plano de saúde pode não pagar.)

Steensma contou que se tivesse CHIP, se certificaria de fazer o possível para controlar todos os riscos de doenças cardíacas, como colesterol e pressão sanguínea, e que teria uma dieta saudável e faria exercícios. E podem aparecer medicamentos para ajudar a deter a inflamação nas artérias, acrescentou ele.

Em relação ao risco de câncer, o doutor Ross Levine acabou de abrir uma clínica especializada em CHIP no Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em parte para descobrir se alguns pacientes têm maior risco de desenvolver câncer de sangue e, em caso afirmativo, o que fazer sobre isso.

No momento, o CHIP geralmente é encontrado acidentalmente em pacientes que fazem exames genéticos por outros motivos - como Brian Gear. O diagnóstico o atordoou, mas também trouxe ressaltou as coisas importantes em sua vida.

"Há coisas e pessoas na vida que eu amo, e tento viver essa vida", disse ele.

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