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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


"Recebi o coração de um campeão olímpico morto durante os jogos do Rio"

Ivonette Balthazar comemora após completar corrida no Rio de Janeiro Imagem: Mauro Pimental/AFP

Vivian Ortiz

Do UOL, em São Paulo

09/11/2017 04h15

O coração do ex-técnico da equipe alemã de canoagem slalom Stefan Henze, que morreu após sofrer um acidente de carro durante a Olimpíada do Rio de Janeiro em 2016, agora bate no peito da carioca Ivonette Balthazar, 67, que recebeu o órgão do medalhista de prata dos Jogos de 2004 após passar um ano e oito meses na fila de transplantes.

Pouco mais de um ano após o transplante, ela entrou em processo de reabilitação e participou pela primeira vez de um evento esportivo --uma caminhada de 3km na praia de Copacabana, ao lado do neto de sete anos. Neste depoimento ao UOL, ela conta como foi sua trajetória até este novo coração. Confira!

"O ano de 2012 foi bastante estressante na minha vida, especialmente por alguns problemas que tive com o meu trabalho na área de recursos humanos. Entrei naquele esquema do 'amanhã eu faço' --seja uma dieta ou exercícios físicos.

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O cigarro era a única coisa que me aliviava a tensão, como se fosse uma fuga mesmo. Mas nem me preocupava tanto, pois meus exames periódicos estavam ok.

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Ivonete antes do infarto, quando ainda tinha cabelo comprido Imagem: Arquivo pessoal

No dia do infarto, uma terça-feira, havia sido uma semana particularmente aborrecida. Cheguei em casa me sentindo mal e os familiares sugeriram que saíssemos para relaxar. Tomei um banho e logo comecei a me sentir muito enjoada, achei até que fosse alguma indisposição alimentar. Só quando meu filho chegou do trabalho, foi que me deu um clique: será que não é um infarto?

Estranhei por não estar sentindo os sintomas clássicos, com aquela dor que todo mundo fala, mas corremos para o hospital mais próximo, onde fiz um eletrocardiograma e apaguei após a medicação. Acordei no Instituto do Coração e lembro vagamente de escutar o médico dizer que eu passaria por um cateterismo. Após dias internada, saí com prescrição de alguns medicamentos e comecei a fazer mais exames.

Coração necrosado

O problema foi que, enquanto isso, meu lado físico declinava, pois meu coração necrosou e perdeu 60% da capacidade após o infarto. Precisei parar de trabalhar, pois não tinha condições de viver normalmente apenas com os 30%. Tanto que, quando fui passar o Ano-Novo com a minha filha, decidi cortar o cabelo bem curto, pois chegou um momento em que não conseguia mais penteá-lo sozinha. Estava perdendo minha independência.

Cerca de um ano após o infarto, recebi a notícia de que precisaria passar por um transplante. Comecei a chorar na hora, e fiquei até um pouco assustada, mas não tinha mais condições de continuar daquele jeito. Deixei de viver a minha vida, e estava apenas sobrevivendo. Após ser aprovada, fiquei um ano e oito meses na fila, recebendo inclusive apoio psicológico, pois passaria por um procedimento muito sério.

Jogos do Rio

Confesso que fui contra a realização das Olimpíadas na cidade, por acreditar que existem outras demandas para investirem esse dinheiro. Lembro de ter acompanhado a abertura e, em 15 de agosto, recebi uma ligação do hospital. Me disseram: 'Vem para cá que tem um coração para a senhora'. Foi aquela emoção, todo mundo chorando. Tive sorte, pois acredito que se passasse duas semanas sem um novo órgão, não aguentaria mais.

Levei um tempo para dar conta de que estava ali com um novo coração batendo. Quando fiz o primeiro ecocardiograma, por exemplo, foi emocionante ver o coração batendo. Digo que foi a mesma emoção de ver meus filhos nascerem. Existem dificuldades de adaptação, mas hoje consigo andar sozinha e até fiz a caminhada de 3km acompanhada do meu neto (foto de abertura da matéria). Ele me estimulou o tempo inteiro. Foi a primeira vez que fui tão longe sem estar monitorada.

Transplante de órgãos

Ivonette (de verde) agora luta pela causa da doação de órgãos. Imagem: Arquivo pessoal

No Brasil é proibido obter informações de seu doador de órgãos, mas naquele momento do acidente com o atleta, a imprensa acabou associando o meu transplante ao coração dele. O hospital demorou para confirmar, só assumiu a informação quando não havia mais como falar não.

Sou muito agradecida a esses pais, que perderam um filho e tiveram essa atitude tão nobre de vir até o Brasil e doar os órgãos (Stefan era alemão). Muitas vezes a família acaba se apegando ao corpo, dizendo que enquanto existe vida, existe esperança. Mas já há a morte cerebral. Como passei pela situação, e conheci muitas pessoas que morreram na fila por falta de órgãos, passei a militar pela causa.

Quero viver e ter novas metas, como voltar a dirigir, a viajar e a viver uma vida melhor. Parei de fumar, com a ajuda de um psicólogo, e estou mais saudável. Continuo a tomar alguns medicamentos, para evitar rejeição, e pretendo voltar a trabalhar. Não me sinto uma pessoa de 67 anos. E, com esse novo coração, estou com todo o gás para voltar a produzir."

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