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Manteiga pode voltar para mesa, mas não em quantidade exagerada

Não há motivo para cortar as gorduras saturadas, como a manteiga, no entanto, é preciso controlar a quantidade ingerida - Paul Rogers/The New York Times
Não há motivo para cortar as gorduras saturadas, como a manteiga, no entanto, é preciso controlar a quantidade ingerida Imagem: Paul Rogers/The New York Times

Jane E. Brody

Do The New York Times

08/11/2016 12h49

Será que a manteiga, assim como outras fontes de gorduras saturadas [tipo de gordura encontrada em carnes, manteiga e queijos, entre outros], deveria voltar para a mesa, como muitas pessoas afirmaram recentemente? Sim. Mas não nas quantidades que a indústria da carne e dos laticínios e os fast-food gostariam de ver as pessoas ingerindo.

A não ser que você tenha um problema médico, não há motivo para cortar qualquer coisa –nem manteiga, nem sorvete, nem um bife gordo– completamente de sua dieta, contanto que você coma, principalmente, vegetais --folhas, legumes, frutas e grãos integrais--, proteína animal magra e peixes e não exagere em alimentos ricos em gorduras saturadas, cujo excesso pode causar danos.

As intermináveis controvérsias sobre uma dieta saudável fornecem muita discussão. Um livro exaustivamente pesquisado pela escritora científica Nina Teicholz (“The Big Fat Surprise: Why Butter, Meat and Cheese Belong in a Healthy Diet” - A Grande Surpresa: por que a manteiga, a carne e o queijo fazem parte de uma alimentação saudável, em tradução livre para o português), publicado em 2014, levantou questões sérias sobre as evidências que, quase 40 anos atrás, fizeram com que o Comitê Seleto de Nutrição e Necessidades Humanas do Senado recomendasse que os americanos seguissem uma dieta com menos gorduras saturadas e colesterol para diminuir o que, na época, era uma epidemia galopante de doenças cardiovasculares.

Essas recomendações geraram uma grande difusão de alimentos processados com baixo teor ou sem gordura em que essas substâncias malignas foram substituídas por carboidratos, principalmente açúcares e amido refinado --que o corpo também trata como açúcar. Resultado: os ataques cardíacos e as mortes por doenças coronárias caíram muito (em grande parte graças ao declínio do hábito de fumar e do uso de medicamentos para diminuir o colesterol, além das mudanças alimentares), mas a obesidade e a diabetes tipo 2 dispararam.

Então, o que deveríamos fazer? Cortar os carboidratos e voltar a comer um monte de carnes e laticínios cheios de gordura? Não, se você dá importância para a sua saúde. A tarefa agora é avaliar os efeitos que os diferentes nutrientes têm sobre o corpo e adotar uma alimentação racional e agradável, que leve em conta tanto os benefícios para a saúde quanto os riscos.

Após examinar os relatórios mais recentes, o doutor Boris Hansel, endocrinologista e nutricionista francês especializado na gestão da obesidade, escreveu um comentário no site Medscape: “A manteiga é uma das comidas com mais gordura saturada e consumi-la regularmente aumenta os níveis de colesterol no sangue”. Mas, segundo ele: “Deveria ser considerada um alimento que dá prazer para aqueles que gostam dela, contanto que seja consumida em quantidades moderadas e não junto com outras comidas ricas em ácidos graxos saturados”.

Ao mesmo tempo, deveríamos dar muito mais atenção ao alto consumo de carboidratos simples e refinados --as bebidas adoçadas, sobremesas, doces e guloseimas, assim como pão e arroz brancos e batatas-- que causam obesidade e agora ameaçam reverter o declínio do número de doenças cardiovasculares que já dura décadas.

“Nem todas as gorduras e carboidratos são criados da mesma maneira. Os tipos de gorduras e de carboidratos são mais importantes do que a quantidade”, afirmou o doutor Frank Hu, principal autor de um relatório recente sobre gorduras saturadas. Hu é professor de Nutrição e Epidemiologia na Escola de Saúde Pública T.H. Chan de Harvard e membro do Comitê Consultivo de Orientações Alimentares que, no ano passado, recomendou uma dieta com uma quantidade menor de carnes vermelhas e processadas, que foram ligadas a doenças do coração e ao câncer.

“Gorduras saturadas ainda são ruins para o risco de doenças do coração”, disse Hu à Nutrition Action Healthletter, publicada pelo grupo de defesa Centro para a Ciência de Interesse Público. “Evidências de estudos em milhares de pessoas mostram que se você substitui gorduras saturadas por insaturadas, reduz seu risco de doenças do coração. Se substitui as gorduras saturadas por carboidratos refinados, não reduz o risco.”

Estudos que parecem exonerar as gorduras saturadas muitas vezes não conseguem comparar seus efeitos com os de nutrientes adequados, disse Hu em uma entrevista.

Além disso, deixando de lado o risco cardíaco, afirmações de que as dietas com níveis baixos de gorduras saturadas não previnem mortes prematuras agora estão sendo refutadas por um imenso estudo observacional publicado em julho pela “JAMA Internal Medicine”. Com o doutor Dong D. Wang, do departamento de Hu, como autor principal, essa pesquisa, com 83.349 enfermeiras acompanhadas por 32 anos e 42.884 profissionais de saúde do sexo masculino seguidos por 26 anos, revelou que tanto as taxas totais de morte quanto as mortes por doença específica, como cardíaca, respiratória, câncer e demência, foram reduzidas entre aqueles que consumiam menos gorduras saturadas e trans, substituindo-as por gorduras poliinsaturadas e monossaturadas.

Apenas com a substituição de 5% das calorias de gorduras saturadas com a quantidade equivalente de poliinsaturadas, o total de mortes diminuiu em 27%, e a troca por monossaturadas (alimentos como óleos de oliva e canola, nozes e abacate) reduziu as mortes em 13%. Os ácidos graxos ômega-3 dos peixes também reduziram “modestamente” o número total de mortes, segundo os pesquisadores.

No entanto, quando as gorduras saturadas foram consumidas no lugar dos carboidratos, não houve queda significativa em mortes por problemas cardiovasculares e ocorreu um pequeno aumento nas mortes por câncer.

Wang e seus colegas escreveram que suas descobertas não eram surpreendentes “porque as principais fontes de carboidratos em uma alimentação tipicamente ocidental são comidas muito processadas com grandes quantidades de amido refinado ou açúcar” que podem aumentar o risco de doenças cardiovasculares independentemente das gorduras saturadas.

Acredita-se que a inflamação crônica seja a principal causa subjacente das várias doenças com taxas de mortalidade ligadas à alimentação com excesso de gordura saturada. A inflamação crônica de baixo nível promove arteriosclerose, levando ao entupimento das artérias com colesterol e preparando o corpo para ataques cardíacos e derrames. O mesmo processo afeta artérias no cérebro e pode resultar em demência vascular, uma causa comum de perda de memória.

Por outro lado, uma alimentação ao estilo mediterrâneo, rica em óleo de oliva e castanhas, mas relativamente baixa em gorduras saturadas não apenas protege o coração, mas também tem causado melhoras nas funções cognitivas e pode reduzir o risco de doença de Alzheimer, segundo um relatório produzido em Barcelona no ano passado.

Dietas ricas em carne vermelha e processadas foram repetidamente ligadas a um aumento do risco de desenvolver câncer de cólon. E um estudo ainda em curso com jovens enfermeiros, patrocinado pela Escola de Saúde Pública de Harvard, está explorando evidências de que um consumo maior de gorduras saturadas (assim como uma grande quantidade de carboidratos simples) pode aumentar o risco de câncer de mama no período anterior à menopausa.

As gorduras saturadas não são iguais, o que é uma boa notícia para os amantes do chocolate. O ácido esteárico, a gordura saturada do chocolate escuro, não aumenta o colesterol prejudicial à saúde. E há espaço para uma indulgência ocasional –se você comer de maneira saudável na maior parte do tempo.