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A longa batalha dos médicos para separar irmãs siamesas ligadas pela cabeça

As irmãs paquistanesas Safa e Marwa nasceram unidas pelo topo de suas cabeças - BBC
As irmãs paquistanesas Safa e Marwa nasceram unidas pelo topo de suas cabeças Imagem: BBC

Rachael Buchanan e Fergus Walsh

Da BBC News

17/07/2019 09h04

Safa e Marwa vieram do Paquistão a Londres, onde foram submetidas e três longas e complicadas cirurgias em um dos principais hospitais infantis do mundo; BBC acompanhou o processo, concluído com sucesso.

Há uma multidão na sala de cirurgia . Mas a equipe de quase 20 pessoas trabalha como se fosse uma só. Movem-se tranquilamente. Cada gesto é calculado. Não há sinais de estresse ou tensão, apenas mãos executando tarefas metodicamente.

Esta não é uma operação de rotina. As duas meninas encobertas por panos sobre a mesa de cirurgia são Safa e Marwa, irmãs siamesas unidas pela cabeça. Seus cérebros estão expostos enquanto os cirurgiões tentam separar um emaranhado de vasos sanguíneos compartilhados.

Mas então a calma na sala desaparece quando os anestesistas dão o alerta. O sangue do cérebro de Safa não está sendo drenado corretamente e está sendo enviado para o corpo de sua irmã, o que coloca pressão no coração de Marwa e a deixa perigosamente instável.

Os anestesistas dão comandos, informam os sinais vitais e tentam estabilizar as meninas. "Acho que precisamos desfibrilar", diz um deles.

Eletrodos são colocados no peito de Marwa em preparação. O cirurgião principal levanta ambas as mãos para que elas possam ser vistas claramente e recua. Então todo mundo espera. Se eles perderem Marwa, também podem perder Safa.

O nascimento

Zainab Bibi já havia dado à luz sete filhos - todos em casa, em Charsadda, no Paquistão. Quando engravidou das gêmeas, o plano era fazer a mesma coisa. Mas, depois que um exame de ultrassonografia detectou uma complicação, ela foi aconselhada a parir no hospital.

Foi um momento difícil para a família. Dois meses antes do nascimento das meninas, o marido de Zainab havia morrido de ataque cardíaco.

Ela também foi informada pela equipe da maternidade que os corpos das gêmeas poderiam estar unidos. Mas não houve menção de onde a junção poderia estar. Ninguém, ao que parece, percebeu a extensão das complicações que estavam por vir.

No dia 7 de janeiro de 2017, as gêmeas nasceram por cesariana no hospital Hayatabad, em Peshawar, a 50 km de sua casa no norte do Paquistão. A família foi informada de que as meninas eram saudáveis.

Mas Zainab não foi ao encontro das recém-nascidas imediatamente, porque precisava se recuperar da cirurgia. Foi o avô das gêmeas, Mohammad Sadat Hussain, quem descobriu tudo primeiro. As meninas eram gêmeas craniópagas, o que significa que elas estavam unidas na cabeça. É a forma mais rara de uma condição que já é rara.

O avô chegou à maternidade carregando os tradicionais doces dados de presente para as enfermeiras. Ainda em luto pela perda de seu filho, conhecer suas netas foi um momento agridoce. "Fiquei feliz em vê-las, mas fiquei pensando o que vou fazer com elas por terem suas cabeças unidas?"

Foram necessários cinco dias para que Zainab estivesse bem o suficiente para ser apresentada às filhas. Ela recebeu uma foto das gêmeas para prepará-la.

Zanaib diz que se apaixonou por elas instantaneamente. "Eles eram muito bonitas. Tinham cabelos bonitos e pele branca. Eu nem sequer pensei no fato de que elas estavam unidas. Elas foram um presente de Deus."

As meninas foram chamadas de Safa e Marwa, os nomes das colinas gêmeas em Meca, na Arábia Saudita, que desempenham um papel central na peregrinação anual islâmica do Hajj.

Depois de um mês, as gêmeas receberam alta e a família concordou que, se fosse possível separá-las, isso deveria ser feito. Um hospital militar se ofereceu para realizar a cirurgia, mas alertou que uma das gêmeas provavelmente morreria. É um risco que sua mãe não estava disposta a aceitar.

Outras opções foram exploradas, e, quando as gêmeas tinham três meses de idade, a família foi colocada em contato com Owase Jeelani, neurocirurgião pediátrico de um dos principais hospitais infantis do mundo, o Great Ormond Street Hospital, em Londres, no Reino Unido. Por coincidência, ele nasceu na região da Caxemira, ao norte do Paquistão e da Índia, e imediatamente criou uma conexão com a família.

Depois de ver exames das meninas, o cirurgião ficou convencido de que elas podiam ser separadas com segurança, mas queria fazer isso antes de elas completarem um ano de vida, para obter o melhor resultado possível. O tempo estava correndo contra Marwa e Safa.

Em agosto de 2018, os vistos para o Reino Unido já haviam chegado, mas o financiamento para a cirurgia não. O procedimento não seria financiado pelo sistema de saúde pública do Reino Unido, e o neurocirurgião havia levantado apenas uma pequena parte do dinheiro necessário para pagar pelos cuidados hospitalares.

As meninas estavam com 19 meses, muito além da idade desejada pela equipe do hospital. Qualquer atraso adicional poderia significar que a separação se tornaria mais perigosa e a recuperação, comprometida.

Jeelani pediu à família para que viesse imediatamente à Inglaterra. Ele se lembra do momento em que chegaram: "As crianças estavam aqui, mas só tínhamos uma pequena quantia do que precisávamos. Eu estava muito estressado. Naquele momento, me sentia como se a responsabilidade toda fosse minha."

O tio das gêmeas, Mohammad Idrees, e o avô ficaram em um apartamento perto do hospital. Mas Zainab não quis se separar das filhas e preferiu dormir no quarto delas no hospital.

Apesar de unidas, as gêmeas têm personalidades distintas, segundo sua mãe. Safa, é "inteligente, feliz e fala muito". Marwa, por outro lado, é tímida. "Ela às vezes falava consigo mesma, mas quando falávamos com ela, nem sempre respondia", diz Zainab.

Logo após a chegada da família ao Reino Unido, houve um momento de grande importância nos rumos dos acontecimentos: em um almoço, Jeelani contou a história das gêmeas para uma amiga advogada, que pegou seu celular e fez uma ligação.

Ela pediu ao cirurgião para contar à pessoa na linha sobre as meninas. Era um rico empresário paquistanês, Murtaza Lakhani. Dentro de alguns minutos, ele disse que cobriria os custos do tratamento. "Os gêmeos são do Paquistão, que é de onde eu sou originalmente", disse Lakhani.

"No entanto, a verdadeira razão para eu ajudá-las foi porque era uma operação que salvaria a vida das duas. Para mim, foi uma decisão fácil, é como você constrói o futuro."

Unidas pela cabeça

Gêmeos siameses desenvolvem-se a partir de um único óvulo fertilizado e, portanto, são sempre idênticos e, mais frequentemente, conectados pelo peito, abdômen ou pelve.

Existem duas teorias sobre por que são unidos. Ou a divisão em dois embriões acontece mais tarde do que o habitual, e os gêmeos se dividem apenas parcialmente ou, após a separação, partes dos embriões permanecem em contato e essas partes do corpo se fundem à medida que crescem.

A fisiologia específica de Safa e Marwa apresenta um conjunto único de desafios para a equipe médica. As meninas são unidas pelo topo de suas cabeças, voltadas para direções opostas. Eles nunca viram os rostos uma do outra.

Seu crânio é como um tubo longo e reto. As varreduras mostram que as meninas têm dois cérebros distintos, mas deformados. O hemisfério direito de cada um eleva-se em 90 graus, projetando-se na cavidade cerebral da outra gêmea. Isso teria de ser corrigido para que suas cabeças tivessem uma forma próxima da normal.

A maior preocupação da equipe cirúrgica era como separar a complexa rede compartilhada de veias e artérias. Cada gêmea fornece sangue para a outra. Cortar essas conexões implicava no risco de privar o cérebro de nutrientes e causar um derrame.

Não há números oficiais para a prevalência de gêmeos craniópagos, mas uma estimativa diz que são um em cada 2,5 milhões de nascimentos. A maioria não sobrevive além das primeiras 24 horas.

Cada caso é único, e separações de gêmeos craniópagos foram relatadas apenas 60 vezes desde a primeira tentativa, em 1952. Jeelani estima que possam haver até seis pares de gêmeos craniópagos nascidos no mundo a cada ano que poderiam ser separados com sucesso.

O hospital Great Ormond Street é uma referência global neste tipo de cirurgia. Safa e Marwa seriam o terceiro par de gêmeos craniópagos a passar pelo hospital. A equipe sabia, por experiência, que os melhores resultados ocorrem quando a separação é realizada em várias operações, para permitir a recuperação entre elas.

Além de cirurgiões e enfermeiras, a equipe de cem pessoas do hospital, envolvida no cuidado e separação das gêmeas, inclui bioengenheiros, modeladores 3D e um designer de realidade virtual.

Jeelani lideraria a separação dos cérebros e vasos sanguíneos, mas a reconstrução das cabeças ficaria a cargo do cirurgião plástico David Dunaway.

A primeira operação

São 8h de 15 de outubro de 2018, e a lenta jornada das gêmeas rumo à separação está prestes a começar. Uma equipe de quase 20 pessoas está reunida na sala cirúrgica 10 do Great Ormond Street. Cada membro da equipe se identifica e diz qual será seu papel. "Temos um único caso hoje. Safa e Marwa. Duas crianças, um caso", diz Jeelani.

O objetivo desta cirurgia - a primeira das três principais - é separar as artérias compartilhadas das gêmeas. Jeelani repassa seu plano pela última vez, mas todos sabem o que precisam fazer. A equipe se prepara para este dia há meses. "Nós já vimos tudo em detalhes, ensaiamos repetidamente. Esta é a hora da verdade, e tudo tem que ser perfeito", diz Dunaway.

Enquanto isso, as gêmeas estão sendo preparadas para a cirurgia. Com trajes idênticos, Safa e Marwa choram e se contorcem inquietamente.

A separação de gêmeos siameses acarreta enormes riscos. Um ou ambos podem morrer durante a operação ou ficar com danos cerebrais. A família entende os perigos e tem total confiança na equipe. "É claramente muito difícil viver assim, então, é um forte argumento a favor de se tentar a separação, e a família é muito clara sobre isso", diz Jeelani.

Dunaway diz que a equipe avaliou cuidadosamente as questões éticas. "Claramente, viver separado é melhor do que estar unido. Se sentíssemos que não havia uma chance grande de fazê-lo com segurança, pensaríamos seriamente se deveríamos. Mas toda a equipe avalia que há uma excelente probabilidade de a separação ser bem-sucedida."

Quando as gêmeas chegam às portas da sala de cirurgia, Zainab as beija. Ela sabe que os próximos meses serão difíceis para elas, e a emoção da separação é esmagadora. Em lágrimas, ela é confortada por uma das muitas enfermeiras que ela passou a considerar como parte de sua família.

"Estou esperançosa de que tudo vai ficar bem e eu tenho total confiança nos médicos. Eu sempre recorro a Deus, ele vai fazer tudo pelo melhor", diz ela.

Na sala de cirurgia, a primeira tarefa é remover três grandes segmentos do crânio. Jeelani está usando óculos com lentes de aumento. Ele segue as marcas que traçou na cabeça compartilhada das meninas, agora raspadas, e corta a pele e os ossos. Uma vez que o cérebro está exposto, ele troca os óculos por um equipamento muito mais poderoso.

Com pouco mais de 2 m de altura, o microscópio cirúrgico domina a sala. Ele permite que o neurocirurgião examine a microestrutura dos vasos sanguíneos das gêmeas. Já são 14h30 quando Jeelani anuncia: "A artéria de Safa que irriga o cérebro de Marwa foi pinçada. Agora, é esperar."

É um momento perigoso. Toda vez que uma conexão é cortada, há um risco de dano cerebral. Após cinco minutos, o cirurgião diz que o cérebro "não parece ter sido muito afetado", e continua.

Esse meticuloso procedimento continua por várias horas, enquanto as artérias compartilhadas, transportando sangue oxigenado de uma gêmea para outra, são pinçadas e fechadas. Enquanto isso, um segundo time, liderado por Dunaway, monta uma estação de trabalho a poucos metros da mesa principal.

Os pedaços de osso curvos são mantidos juntos por uma rede de malha de metal e parafusos. Dunaway diz que isto é um desafio, dada a idade das gêmeas: "Por serem mais velhas, elas são bem ativas e, portanto, o que quer que façamos tem de ser resistente o suficiente para não ceder com a força e pressão dos movimentos que elas estarão aplicando sobre suas cabeças".

Enquanto a equipe pacientemente separa os cérebros de Safa e Marwa, uma folha de plástico médico é colocada para impedir que eles reconectem entre as operações. Um sistema de polias foi preso ao plástico para proteger os cérebros quando pressionarem no sentido do crânio do outro gêmeo.

Uma vez que as artérias compartilhadas são separadas, as partes do crânio são reconectadas. Após 15 horas, a operação chega ao fim. As meninas são levadas para a ala de cuidados intensivos. Em mais dois dias, são mandadas de volta para sua ala habitual - as coisas parecem ir bem.

Tecnologia de ponta

Jeelani e Dunaway estiveram ambos envolvidos na separação de gêmeos craniópagos no Great Ormond Street em 2006 e 2011 - neste último, Rital e Ritaj Gaboura, gêmeas do Sudão, tinham 11 meses de idade.

Dunaway diz que a separação de Safa e Marwa é de longe a mais difícil, não apenas por sua forma cerebral distorcida. "Os dois primeiros casos foram muito mais simples e tivemos sorte. Mas, neste caso, subestimamos a complexidade da união cerebral oblíqua. Além disso, elas são mais velhas, e isso é sempre algo ruim."

Os cirurgiões acreditam que o momento ideal para separar gêmeos craniópagos é quando eles têm entre 6 meses e 1 ano de idade. "Nós submetemos esses gêmeos a muita coisa. Cérebros e sistemas circulatórios mais jovens têm melhor potencial de regeneração." Dunaway diz que assim "tudo fica mais fácil". "A pele se estica mais e se regenera melhor, o osso se recupera melhor."

Safa e Marwa têm quase 2 anos, mas enquanto a idade é um fator contra, há alguns elementos a seu favor. A tecnologia de imagem e modelagem avançou significativamente nos últimos oito anos, o que ajuda a planejar a separação mais detalhadamente do que antes.

Em um escritório apertado dominado por uma enorme tela de computador curva, o cirurgião plástico craniofacial Juling Ong lidera a equipe de modelagem para a separação de Safa e Marwa e demonstra alguns das tecnologias de ponta que tem agora à disposição.

"Estes são casos realmente únicos e não é algo que nos é ensinado na escola de medicina. Com este software, podemos fazer um modelo realista de computador para observar a extraordinária anatomia dessas crianças e planejar nossas cirurgias de antemão."

Na tela, ele exibe alguns impressionantes modelos em 3D da pele, crânios e cérebros interligados das meninas que foram feitos a partir de digitalizações tradicionais. "Isso nos permite experimentar diferentes estratégias de operação e identificar as prováveis áreas de perigo, dadas as estruturas únicas das gêmeas."

Mas esses modelos de computador não ficam apenas em uma tela. Também podem assumir uma forma física graças a uma impressora 3D.

Quarenta e oito horas depois, o técnico em 3D do hospital, Kok Yean Chooi, extrai um pedaço de plástico macio da máquina. Enquanto raspa e lava o excesso de material, surge uma forma semelhante à cavidade do crânio de uma das gêmeas. Esta réplica ajuda a planejar como a camada de pele entre o crânio compartilhado das meninas será dividida.

Muitos modelos 3D foram criados assim, para que os cirurgiões explorem a anatomia única dos gêmeos muito antes do bisturi tocar sua pele. "Ser capaz de visualizar e testar com esses modelos antes da cirurgia faz uma enorme diferença em como fazemos a operação. Precisamos achar uma forma de destorcer seus cérebros. E é muito difícil planejar isso apenas usando a nossa mente."

Dunaway concorda: "Nós passamos muito tempo apenas sentados olhando para esses modelos e repassando as possibilidades".

Mas a equipe foi além dos modelos físicos. Usando um óculos de realidade virtual e segurando um par de controles, Jeelani está sentado em frente a uma tela de computador, balançando de um lado para o outro. Ele repete a mesma palavra: "Incrível".

O cirurgião foi transportado para um mundo virtual que lhe permite explorar o sistema vascular entremeado das gêmeas. "Este é claramente o futuro. Somos abençoados aqui [no Great Ormond Street] em termos de engenheiros e especialistas em software - as habilidades com que eles contribuem são coisas que nós, como médicos, com nosso treinamento, não temos".

Uma decisão difícil

A segunda operação ocorre um mês após a primeira. Enquanto a primeira cirurgia selou as conexões arteriais das gêmeas, a tarefa agora é dividir as veias compartilhadas que drenam o sangue do cérebro das meninas. Cada conexão cortada gera o risco de causar um acidente vascular cerebral em uma das gêmeas. Mas, desta vez, as coisas não estão indo bem.

Assim que a estrutura do crânio é aberta, as meninas começam a sangrar. Desde a última operação, coágulos se formaram nas veias da nuca de Safa. Eles estão restringindo a drenagem de sangue de seu cérebro, então, ela está constantemente enviando sangue para Marwa. A pressão sanguínea de uma gêmea se eleva muito, enquanto a da outra despenca perigosamente.

Os anestesistas estão lutando para mantê-las estáveis. O ritmo cardíaco de Marwa cai e eles temem que ela morra na mesa de cirurgia. De repente, se faz um silêncio na sala, com todos os olhos voltados para as telas dos instrumentos. Os únicos sons são os bips acelerados dos monitores cardíacos.

A crise passa, mas não sem graves consequências. Está claro para a equipe cirúrgica que Marwa é a gêmea mais fraca. Então, eles decidem dar a ela uma veia-chave compartilhada. Isso aumentará suas chances de sobrevivência. É uma decisão extremamente difícil. Jeelani sabe que pode ter um impacto sério sobre Safa, até agora a gêmea mais forte. Mas a equipe concorda que é a coisa certa a fazer.

A operação dura mais de 20 horas. Jeelani está exausto e passa ao cirurgião plástico Juling Ong o encargo de encerrar os trabalhos. "Estou aliviado. Achamos que poderíamos perder Marwa. Mas, se eles acordarem, como esperamos, tudo vai ficar bem."

Os cirurgiões saem da sala às 6h30 da manhã seguinte. No final da tarde, Jeelani está em sua casa e telefona para o hospital para verificar o estado das meninas. Ele é informado que Safa está com problemas. A menina faz pouco esforço para respirar, e sua pele está manchada.

"Pensei: 'Safa está morta'", diz ele, que, emocionalmente exaurido e privado de sono, desabou no chão da cozinha e começou a chorar. "Minha esposa nunca tinha me visto daquele jeito antes. Ela me deu meu telefone e disse: 'Ligue para David'. Você se dedica tanto e está tão cansado a esta altura que fica muito mais difícil lidar com os altos e baixos emocionais e as complicações."

Ambos os cirurgiões retornam à ala de cuidados intensivos e examinam uma tomografia computadorizada do cérebro de Safa. O que eles temiam aconteceu. Ela teve um derrame na área do cérebro onde a veia-chave foi dada para Marwa.

Nos próximos dois dias, Safa fica em estado crítico. Zainab, seu irmão e seu sogro rezam ao lado da cama das gêmeas. Em dado momento, Safa dá sinais de recuperação. Ambas as gêmeas passam a respirar sozinhas. Os cirurgiões começam a se tranquilizar.

No entanto, como resultado do derrame, Safa apresenta fraqueza no braço e na perna esquerdos. Isso pesa na consciência de Jeelani. "Para mim, o grande momento será quando ela andar e usar o braço esquerdo adequadamente, porque sei que lhe dei essa fraqueza e, para mim, é algo difícil."

Criando pele

A criação de duas cabeças redondas a partir da anatomia tubular compartilhada das meninas é um desafio. Não há área de superfície suficiente para cobrir o topo de duas cabeças após a separação.

É janeiro de 2019, e faltam apenas algumas semanas para a separação final. Os cirurgiões plásticos David Dunaway e Juling Ong estão ao lado da cama das gêmeas, tentando resolver uma parte do problema - a falta de pele para cobrir suas cabeças quando separadas.

Duas semanas antes, eles haviam inserido quatro pequenas bolsas de plástico sob suas testas e na parte de trás do crânio compartilhado, e essas áreas agora parecem estranhamente onduladas. As bolsas são expansores de tecido e têm o papel de estimular o crescimento da pele.

"Eles têm uma entrada minúscula através da qual podemos injetar solução salina. A ideia é fazer isso gradualmente até que os expansores de tecido se encham como um balão, e a pele por cima deles se estenda", diz Dunaway.

Eles esperam que seis semanas de expansão lhes proporcionem pele extra suficiente para cobrir os topos das cabeças das meninas.

Dunaway admite que os últimos meses não foram fáceis. "Tem sido um período atribulado para Safa e Marwa. Elas tiveram altos e baixos, com infecções e febres, e o coração de Marwa está trabalhado muito por ambas. Isso gera alguns desafios. Mas elas estão razoavelmente bem."

O próximo passo será a separação. Pela primeira vez em suas vidas, as meninas poderão ver uma à outra.

A separação

O dia da separação é antecipado em quatro semanas, porque o coração de Marwa está em dificuldade. É fevereiro de 2019 - quatro meses depois da primeira cirurgia. Essa seria a culminação de todos os meses de planejamento e preparação.

As gêmeas já passaram por 35 horas de cirurgia nas duas ocasiões anteriores. Nas próximas sete horas, as conexões remanescentes entre ossos, cérebro e tecidos são cortadas, até restar apenas um pedaço da membrana ao redor do cérebro ligando as irmãs.

Então, a conexão final é cortada. Vários membros da equipe cirúrgica intervêm para levantar gentilmente os dois corpos frágeis. Elas ainda são gêmeas, mas não mais siamesas. "Fantástico", diz Dunaway.

Pela primeira vez em dois anos, a sobrevivência de uma não depende da outra. Isso tornará mais fácil para as duas equipes de anestesia regular seus batimentos cardíacos, pressão arterial e outros sinais vitais.

Mas a separação é apenas o ato de abertura da cirurgia de hoje. A equipe agora tem que moldar uma cabeça arredondada para cada menina, a partir dos restos de seu crânio tubular compartilhado, e esperar que a pele extra que eles criaram as cubra.

Cada gêmea vai agora para uma sala de cirurgia própria. Metade da equipe cirúrgica ficará com Marwa, sob a orientação de Jeelani e Ong, enquanto Dunaway liderará uma segunda equipe na sala ao lado para reconstruir o crânio de Safa.

Plástico filme é usado para cobrir o topo exposto de sua cabeça, para que ela possa ser transferida com segurança.

À medida que as salas paralelas são preparadas para o estágio final, os dois cirurgiões-chefes sorriem e se cumprimentam com um aperto de mãos no corredor do lado de fora. "Foi um momento muito emotivo. Estamos trabalhando há muito tempo para chegar aqui - elas passaram por tantas operações, e deu tudo certo", diz Dunaway.

Jeelani acrescenta: "Separamos as gêmeas, mas, agora, temos que reconstruir suas cabeças".

A separação não poderia ter ido adiante se os cérebros tivessem permanecido disformes. Ao aplicar uma leve pressão nos últimos quatro meses, os cirurgiões corrigiram essa distorção, embora a cabeça das meninas será para sempre um pouco mais alta na parte de trás. Tudo o que resta é empurrar os cérebros dois centímetros para dentro das cavidades dos seus crânios.

As equipes começam a reconstrução. "Um pedaço para mim, outro para você, um para mim, outro para você", diz Dunaway, que tem 23 anos de experiência em cirurgia plástica craniofacial, ao fazer duas pilhas de fragmentos de crânio.

Para ter ossos suficientes para cobrir ambas as cabeças, cada fragmento é dividido em dois. "O crânio tem três camadas: as camadas interna e externa são de ossos grossos e duros, mas, no meio, é como um favo de mel, e você pode dividi-lo. Terá metade da espessura normal, mas isso permitirá cobrir quase toda a cabeça com osso", diz Dunaway.

Os fragmentos de crânio são posicionados como um quebra-cabeça sobre o topo das cabeças agora esféricas. As partes são mantidas no lugar com uma malha de suturas, criando um arquipélago de fragmentos ósseos. Células ósseas são usadas para cobrir as lacunas, que, nos próximos meses, devem se fechar lentamente, deixando cada irmã com um crânio completo.

A tarefa final é esticar a pele sobre os crânios reconstruídos. Há apenas o suficiente para fazer a junção. Dunaway balança a cabeça maravilhado. "Um dia incrível, não?", diz ele.

Às 1h30, após 17 horas na sala de cirurgia, há um encontro emotivo entre os dois cirurgiões-chefes e a família das meninas, que estiveram esperando no hospital durante todo o dia por notícias.

Falando em urdu, o idioma do Paquistão, Jeelani diz a Zainab que suas filhas estão finalmente separadas. Emocionada, ela beija as mãos dele e de Dunaway.

Rital e Ritaj

Enquanto Safa e Marwa estão se recuperando lentamente no hospital em Londres, Jeelani e Dunaway fazem uma viagem à Cavan, na Irlanda, para visitar Ritali e Ritaj Gaboura, as gêmeas craniópagas separadas em 2011, aos 11 meses de idade.

Eles estão empolgados em ver as meninas, que farão 9 anos em setembro. Seu pai, Abdel-Majeed Gaboura, é obstetra em um hospital local. Sua esposa, Enas, formou-se psiquiatra no Sudão.

Uma ligeira assimetria na forma da cabeça é a única evidência de que seus crânios já foram unidos. As irmãs tiveram um dos resultados mais bem-sucedidos de quaisquer gêmeos craniópagos separados. Nascidas em 2010 no Sudão, as meninas dividiam um crânio, mas diferentemente de Safa e Marwa, seus cérebros não eram deformados.

Eles chegaram ao Great Ormond Street com 7 meses de idade em um estado muito ruim. O coração de Rital estava falhando, porque estava sendo sobrecarregado por fornecer sangue a grande parte do cérebro da irmã, assim como o dela. Ambas teriam morrido sem a cirurgia.

Sua separação em quatro estágios ocorreu durante três meses e, em poucas semanas, eles estavam se recuperando bem. Rital está no espectro autista e vai para uma escola especial, enquanto Ritaj tem um desenvolvimento típico para sua idade e está no ensino regular.

As gêmeas têm um relacionamento forte. Ritaj é "a chefe" de acordo com seus pais, que dizem que muitas vezes pedem ajuda a ela quando Rital não coopera.

Abdel-Majeed diz com orgulho: "Eu não consigo sequer expressar o que sinto por estarmos sentados aqui com duas gêmeas saudáveis, exatamente como eu esperava naquele momento".

Enas está grávida de novo. "É apenas um, não são gêmeos", diz ela com um sorriso. "É muito diferente de quando eu estava grávida antes. Eu não sabia se elas nasceriam vivas ou mortas."

Para os dois cirurgiões, é um encontro que os deixa emotivos. "Visitar as meninas em sua própria casa, já estabelecidas daqui, indo à escola, e ver o prazer delas com vida e sua família - essa é uma recompensa muito especial. Isso nos diz algo sobre o valor dessa cirurgia muito rara", diz Dunaway.

Rital e Ritaj são evidências do que pode ser alcançado para gêmeos craniópagos, se a cirurgia for feita em uma idade jovem, quando os poderes regenerativos do corpo são mais fortes. Mas a cirurgia é extremamente cara, e isso muitas vezes significa um atraso na obtenção de financiamento, como aconteceu com Safa e Marwa.

Jeelani falou pela primeira vez com a família de Safa e Marwa quando as meninas tinham apenas 3 meses de idade, mas levou mais 16 meses para encontrar um financiador. Ele está convencido de que o atraso afetou o resultado. "Se tivéssemos conseguido fazer antes, os resultados teriam sido melhores", diz ele.

"Eles terão alguns deficits de longo prazo, imaginamos que terão problemas de movimento e desenvolvimento intelectual. Mas veja sua mãe. Ela está muito feliz por termos chegado aqui. Ela acredita que eles não estariam vivas se não tivéssemos lhes dado esta chance."

Ao realizar essas operações incomuns, os cirurgiões sempre se perguntam se fizeram a coisa certa. Mas Dunaway sabe que a vida teria sido árdua para as gêmeas se elas não tivessem sido separadas.

"É claro que elas enfrentarão alguns desafios, mas acho que, no geral, é um resultado positivo para elas. Elas têm uma chance de serem felizes agora."

Os dois cirurgiões criaram uma instituição de caridade chamada Gemini Untwined para reunir pesquisas e informações sobre gêmeos siameses e ajudar a arrecadar dinheiro para futuras operações.

"O que gostaríamos é não ter esse atraso potencialmente prejudicial no tratamento de crianças e um braço de pesquisa que nos forneça mais informações", diz Dunaway.

"Há tantas coisas que não sabemos sobre gêmeos siameses, achamos que estamos fazendo as coisas da forma certa, mas precisamos entender isso de uma maneira científica."

Recuperação

O dia da alta finalmente chegou para Safa e Marwa. Já se passaram quase cinco meses desde que foram separadas, e tem sido uma recuperação longa e lenta para as meninas. Ambas precisaram de enxertos de pele na parte de trás de suas cabeças. E elas têm feito fisioterapia diariamente para ajudá-las a alcançar alguns marcos fundamentais - aprender a rolar, a sentar e a manter a cabeça erguida.

Sua mãe as veste em trajes vermelhos e dourados para celebrar a ocasião. Marwa ri e se contorce na cama enquanto seu avô faz cócegas nela.

Safa se reveza entre imitar seu tio e bater em um tambor. Ainda há um longo caminho a percorrer, mas elas estão progredindo e começando a recuperar sua capacidade de brincar.

Quando chega a hora de deixar o hospital, a mãe chora enquanto abraça as enfermeiras e médicos que cuidaram de suas filhas. Dunaway aparece para dizer adeus, e Jeelani vem direto da sala de cirurgia, bem a tempo de sair do hospital com todos. Seu vínculo com a família é evidente, e o orgulho que sente ao ver as meninas recuperadas está estampado em seu rosto.

Safa, Marwa e sua família ficarão em Londres por pelo menos mais seis meses, enquanto as meninas fazem mais fisioterapia e exames, mas o plano é voltar para o Paquistão no início de 2020.

Quando deixam o hospital que tem sido seu lar nos últimos 11 meses, Zainab está segura de que separar as meninas era o correto a fazer. "Estou muito feliz. Com a graça de Deus, posso segurar uma por uma hora e, depois, a outra. Deus respondeu às nossas orações."