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Os controvertidos testes com vírus letais realizados nos EUA

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Imagem: Getty Images

Carlos Serrano

25/03/2019 15h36

São estudos laboratoriais em que são manipuladas cepas do vírus mortífero da gripe aviária.

Se algo der errado, o resultado pode ser catastrófico.

Um grupo de cientistas americanos adverte que o governo dos EUA está financiando com dinheiro público "experimentos perigosos" que poderiam gerar uma pandemia.

São estudos laboratoriais controversos em que são manipuladas cepas do vírus mortal da gripe aviária.

O risco associado a essas pesquisas levou à suspensão das mesmas há quatro anos, mas agora as autoridades de saúde americanas voltaram a dar sinal verde para que sejam realizadas.

O perigo, de acordo com este grupo de cientistas, é que os experimentos abram a porta para que este vírus altamente contagioso - que ainda não foi transmitido entre seres humanos - infecte milhares de pessoas.

"De fato, o motivo desses experimentos é tornar o vírus contagioso para os humanos", diz à BBC Mundo Marc Lipsitch, professor de epidemiologia na Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, nos EUA, um dos críticos deste tipo de pesquisa.

"Elas têm pouco valor científico, mas um risco excepcionalmente alto", acrescenta.

"Eu realmente não sei por que eles estão fazendo isso."

Mas, afinal, que pesquisas são essas e por que são tão controversas?

Saber mais sobre o vírus

Um dos projetos de pesquisa está sendo desenvolvido pela Universidade de Wisconsin, com financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH, na sigla em inglês).

Os experimentos incluem, por exemplo, infectar furões com o H5N1, vírus causador da gripe aviária, e verificar se o mesmo é transmitido de um animal para outro.

Este vírus é altamente mortífero para os seres humanos, mas até hoje não foi reportado nenhum caso em que tenha sido transmitido diretamente de uma pessoa para outra - o que poderia provocar uma pandemia.

Em geral, os pacientes que contraíram o vírus estiveram em contato com aves doentes.

O objetivo, segundo os pesquisadores, é aprender mais sobre como o vírus se propaga e, assim, prever maneiras de impedir sua disseminação entre mamíferos.

A ideia é preparar os seres humanos para esse tipo de infecção.

"A única maneira de impedir uma pandemia é ter um conhecimento científico maior de como esses vírus são transmitidos", diz à BBC Mundo Rebecca Moritz, especialista em biossegurança que supervisiona o experimento na Universidade de Wisconsin.

"O objetivo não é criar intencionalmente um vírus capaz de ser transmitido", esclarece.

Mas esse não é o maior medo de Lipsitch.

Segundo ele, é pouco provável que alguém queira usar o vírus como arma biológica, tampouco que ocorra uma explosão no laboratório ou uma falha no sistema de ventilação que faça com que o vírus seja liberado.

"O que é mais provável", diz ele, "é que alguém cometa um erro e seja exposto ao vírus, transmita para outra pessoa e dê início a um surto."

"Na maioria dos casos em que alguém foi exposto a patógenos perigosos, foi porque pensou que estava trabalhando com material seguro", alerta.

Lipsitch reconhece que o risco de o experimento desencadear acidentalmente uma pandemia é baixo.

"Mas isso não significa que seja seguro realizá-lo", completa.

Moritz argumenta, por sua vez, que o projeto é seguro e representa um risco "incrivelmente baixo" - justamente por isso teria recebido financiamento do NIH.

Por que fazer desta maneira?

Há muitas maneiras de conduzir experimentos com vírus, mas, de acordo com Lipsitch, neste caso foi escolhida a menos conveniente.

"Se você quer se preparar para uma pandemia, há muitas coisas que você pode fazer, todas seguras, exceto esse tipo de trabalho", diz ele.

Segundo ele, embora as pesquisas com vírus venham sempre acompanhadas de algum risco, há outros métodos que fariam mais sentido.

Uma opção, por exemplo, seria pegar uma cepa de gripe humana e promover alterações para torná-la mais parecida com a gripe aviária e, na sequência, tentar corrigir essas mutações.

Esse método é caro e complicado, então, de acordo com Lipsitch, seria melhor comparar as cepas do vírus Influenza da gripe aviária e da gripe humana, analisar suas propriedades e estudar suas diferenças.

"Isso daria pistas sobre o que faz com que os humanos se adaptem."

Moritz, mais uma vez, não concorda.

"Essas metodologias não são capazes de nos levar muito longe", diz.

"Os vírus Influenza são incrivelmente diversos, por isso não é necessariamente possível substituir um vírus Influenza por outro vírus Influenza".

Transparência

Quem se opõe a essas pesquisas também critica a falta de clareza no processo de liberação das mesmas.

O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA (HHS, na sigla em inglês) solicitou uma revisão a um grupo de especialistas, que concluiu que era seguro liberar os projetos de pesquisa.

Um porta-voz do HHS, citado pela revista científica Science, afirma, no entanto, que as conclusões do painel não podem ser publicadas, uma vez que contêm informações confidenciais do laboratório que vai desenvolver os experimentos, o que poderia beneficiar seus concorrentes.

Para Lipsitch, essa decisão privilegia os sigilos comerciais de alguns poucos cientistas, em detrimento do direito dos cidadãos de conhecer iniciativas que poderiam afetá-los.

A BBC News Mundo entrou em contato com o NIH para saber mais sobre os experimentos e o processo de aprovação, mas não obteve resposta.

Richard Ebrigh, especialista em microbiologia da Universidade Rutgers, nos EUA, citado pela Science, diz que essa falta de clareza é "perturbadora e indefensável".

Já Moritz, que defende o projeto, afirma que o processo de revisão foi transparente e incluiu o parecer de especialistas internacionais e audiências públicas.

Vale a pena o risco?

Segundo a Science, quem participa deste tipo de experimento deve cumprir certas normas que incluem: notificar imediatamente as autoridades ao identificar uma cepa de H5N1 altamente perigosa e que possa ser transmitida diretamente entre os furões pelo ar; ou se desenvolver um agente de contaminação que seja resistente a drogas antivirais.

"Acho que alguém está exagerando o valor [científico] deste experimento ou simplesmente decidiram realizá-lo independentemente dos riscos", diz Lipsitch.

O projeto, por sua vez, segue avançando - embora, segundo Moritz, ainda não haja previsão de uma data específica para apresentação dos primeiros resultados.

Enquanto isso, Lipsitch insiste que é um risco que não vale a pena correr.

"Qualquer experimento que ponha em risco a vida de um ser humano deve ser um dos experimentos mais importantes do século, deve ser algo muito especial."

"E ninguém explicou o que há de especial nessa experiência", completa.

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