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Blog do Luiz Sperry

Tempo a gente nunca recupera, então preencha o seu com coisas prazerosas

Luiz Sperry

25/12/2017 04h05

Crédito: iStock

Provavelmente, você ouviu hoje alguém dizer que está sem tempo. Ontem também. Provavelmente, todos os dias você escuta isso. E é bem provável que fale isso também, se queixando da infindável correria do dia a dia. Ouço isso todos os dias. O que é justo, pois é parte do meu trabalho é ouvir as pessoas me contarem seus problemas. Mas quando um assunto se repete demais é bom a gente prestar atenção.

Evidentemente que no final de ano as coisas tendem a se acumular. Eu, por exemplo, que não me antecipo a quase nada, me pego tendo que comprar diversos presentes, preparar viagem, acertar agenda e receitas. Além de ter que escrever esses posts, é claro.

Se analisarmos a experiência do tempo para cada um, temos algumas coisas importantes a salientar. Analisando o tempo de forma objetiva, temos pela frente os segundos, minutos, horas, dias e assim por diante. Se você está sem tempo é porque marcou coisas demais nesse espaço determinado, e fim da questão.

Mas o tempo não é um problema objetivo. Ele é uma experiência subjetiva, sentido por cada um de acordo com as suas possibilidades. É facil de entender. Nada melhor para explicar o tempo que a experiência de uma fila de banco. Os 17 minutos que demoramos para pagar um boleto na boca do caixa podem ser sentidos como uma eternidade.

Olhamos a senha, 153. Chamaram a 150, não vai demorar. Aí para, passa um preferencial, outro. Mais 7 minutos e não chama ninguém mais. Agora ainda que os bancos colocaram aquele biombo na frente dos caixas e não se consegue ver quantos atendentes têm trabalhando de fato. Parece que já foi uma hora, a gente pensa em desistir.

Enquanto isso, ao nosso lado, pode haver um senhor aposentado conversando com uma conhecida. São capazes de conversar horas a fio, sem sofrimento. Inclusive, se divertindo.

Tem um amigo meu, confeiteiro, que pediu demissão de um grande restaurante. Perguntei como ele ia fazer e recebi a seguinte resposta: "Dinheiro, a gente se vira. Tempo, a gente não recupera jamais!". E assim cheguei de fato, a uma certa conclusão, poética, que o tempo é como se fosse uma forma, de um certo tamanho, e a gente vai colocando coisas nela.

Na minha metáfora, as coisas são os nossos desejos. Se colocarmos coisas demais num determinado tempo, vai transbordar para fora e estragar. Esse desejo que não cabe no tempo a gente chama de frustração. Por outro lado, se não houver desejo para preencher o tempo, vai sobrar tempo vazio. Esse vazio conhecemos pelo nome de tédio.

Tédio e frustração são sintomas relacionados à depressão. Não por acaso, Maria Rita Kehl escreveu um livro sobre o assunto que se chama "O Tempo e o Cão". A depressão, entre outras coisas, é uma doença do lidar com o tempo. Quem já esteve deprimido sabe como é a terrível sensação de que o tempo congelou e o sofrimento não vai passar. A ansiedade, que ficou em parte descrita aqui em cima, na questão da fila do banco, também é uma dificuldade de lidar com o tempo.

Creio que em tempo de Natal, a sugestão seja preencher seu tempo com coisas gostosas. Em vez de choramingar pela presença ou ausência de uvas passas no teu prato, sugiro enchê-lo com o que mais te apeteça. Assim como sua vida. Evite o trânsito, evite as filas de banco. Evite os compromissos desnecessários. Tempo a gente nunca recupera. O resto a gente dá um jeito.

Feliz Natal a todos!

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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