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Blog do Luiz Sperry

Sede por ler e compartilhar fake news envolve traços psicológicos da pessoa

Luiz Sperry

09/04/2018 04h15

Crédito: iStock

Até pouco tempo atrás, a notícia tinha um lugar definido. Ou a gente comprava um jornal ou assistia, na TV aberta, as notícias do dia. Em geral, tomávamos como verdade ou, eventualmente mentira, e seguíamos em frente. Claro que a notícia é sempre uma versão da verdade e a mídia sempre tomou e continuará tomando posição frente aos conflitos de cada época. Mas se você reparar bem, a notícia não está mais onde ela costumava estar. Ela está em todos os lugares e o que a gente lê não é necessariamente verdade.

Antes, para publicar uma notícia, as pessoas precisavam ter um jornal ou ainda uma concessão de rádio ou TV. Nada mais improvável. Mas uma mudança, tecnológica, permitiu que praticamente qualquer pessoa possa produzir conteúdo de notícia, a partir de um ponto de internet. Por um lado, isso democratizou a produção de notícia. Por outro, proliferou-se o fenômeno das fake news (notícias falsas).

E o que eu pergunto aqui é: o que leva as pessoas a produzirem e compartilharem notícias obviamente falsas?

A primeira questão é justamente a mais óbvia. As fake news funcionam. É impressionante o número de pessoas que acreditam nos boatos mais estapafúrdios e bizarros. Talvez justamente por isso a fúria de compartilhar essas notícias. No mundo massificado da internet vale de tudo para aparecer.

Outra questão importante é a relativa impunidade com que é tratado o assunto. Tomemos o exemplo do Presidente Trump, que cria e dissemina boatos com uma naturalidade fora do comum. Simplesmente não aconteceu nada com ele. Aliás, aconteceu: ele foi eleito presidente dos Estados Unidos. E mais, mesmo como presidente, continuou inventando notícias para difamar seus opositores e a imprensa. Não aconteceu nada com ele.

Mas existe algo a respeito disso que fala sobre como as pessoas são, ou melhor, o que as pessoas se tornaram nos últimos anos. Se há uma coisa que se pode dizer das pessoas hoje em dia é que elas estão extremamente individualistas. Minha imagem, meus direitos, minha raça, minhas armas, meu dinheiro. As fake news seguem em parte esse princípio. São sempre um argumento para provar para o outro que seu conceito de mundo é o certo e o do outro não vale nada. No fundo o que os disseminadores fake querem é provar que eles têm razão.

Porque a gente tem uma quantidade finita de energia emocional. Se a gente canaliza isso tudo para nós mesmos, não sobra nada para o mundo. Canalizando para o mundo, não sobra nada para nós. A postura do homem contemporâneo é exatamente o caso de só se preocupar consigo mesmo, o que podemos chamar de posição narcisista. Um dos problemas disso é que o mundo fica chato, desinteressante e hostil. Já repararam na quantidade de gente reparando que "o munda tá muito chato?". Pois é, as pessoas não estão nem aí para o mundo. Não estão nem aí para a verdade. Pois bem, isso tem um preço.

O preço que se paga por isso é que se não olharmos para fora não aprendemos nada. Pensando bem, o preço é justamente a burrice.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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