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Blog do Dan Josua

É difícil permanecer satisfeito: o princípio da adaptação e a Mega-Sena

Dan Josua

04/01/2018 04h00

crédito: iStock

A Mega da Virada prometeu entregar mais de R$ 300 milhões ao vencedor. Dinheiro bem além do suficiente para mudar a vida de qualquer um. Você, como tantos, talvez tenha se flagrado planejando o que fazer com o dinheiro –casa nova, carrão, doação para familiares… Todos os problemas desaparecendo por encanto. Alegria perpétua em seis números mágicos.

Imagine a sensação de ver as dezenas sorteadas correspondendo a cada uma das que anotou em seu bilhete. Em poucos segundos, sua vida completamente transformada. O abraço das pessoas em volta e todas as promessas de felicidade e luxo. O êxtase de ver a sua vida completamente transformada em um instante. Deve ser intoxicante.

Agora, imagine acordar no dia seguinte e descobrir que teria de dividir o prêmio com outros 17 ganhadores. Que a sua fortuna foi de R$ 300 milhões para menos de R$ 20 milhões. Fácil como veio, o dinheiro foi embora. Como se sentiria?

Em uma situação dessas, a pessoa pensa: "Que azar, ganhei 'apenas' 18 milhões". Talvez ela até perceba o ridículo que é reclamar da sorte de ter se tornado milionária. Mas um mal-estar persiste na barriga. Isso porque, quando nos acostumamos com a ideia de receber uma quantia astronômica, outra quantia menor –mas ainda assim enorme– deixa de ser tão fantástica. É o que alguns psicólogos apelidaram de "princípio da adaptação".

Nossa tendência é dar valor aos acontecimentos, dependendo do contexto imediatamente anterior. Ou seja, R$ 18 milhões é muito, mas muito dinheiro para nossa vida cotidiana. Só que pode parecer pouco quando, no dia anterior, achamos que tínhamos R$ 300 milhões nas mãos.

Algumas pesquisas com ganhadores de loterias e vítimas de acidentes mostram bem isso. Apesar de ganhar na loteria ser infinitamente melhor do que sofrer um acidente debilitante, após um tempo, tanto os ganhadores quanto os acidentados tendem a retornar aos seus níveis iniciais de felicidade.

O ganhador da loteria é, primeiro, tomado pelo êxtase e se sente maravilhosamente bem ao comprar uma casa e um carro novo. Com o tempo, porém, ele se acostuma a essa riqueza. Daí, a mansão que comprou ao enriquecer se torna apenas a sua casa de todo dia. E, aos poucos, ele passa a se sentir como sempre.

O mesmo acontece com o acidentado. Primeiro, ele imagina que nunca irá se adaptar com a sua nova condição, mas acaba encontrando satisfação nas pequenas vitórias do seu dia a dia. Um movimento a mais no braço, que antes do acidente era algo trivial, vira uma grande conquista, comemorada e sentida como tal.

Em ambos os casos, gradualmente, as pessoas se adaptam à nova realidade. Elas comparam o momento atual com o que sentiam no dia anterior e não com seu passado distante. Assim, se eu acordei rico ontem, acordar com grana hoje já não é tão entusiasmante assim.

É possível retirar uma lição importante disso: somos muito ruins em avaliar os efeitos emocionais a longo prazo de acontecimentos marcantes. Imaginamos que a loteria é capaz de nos deixar felizes para sempre e um acidente grave, infelizes. Mas tanto ganhar na loteria quanto sofrer um acidente, frequentemente, só nos muda por alguns meses.

Se, por acaso, nos encontramos infelizes (e queremos mudar) e se já temos dinheiro suficiente para suprir nossas necessidades básicas –moradia, acesso à saúde, alimentação e educação (lembrando que quitar dívidas tem um efeito poderoso sobre o nosso humor)–, resultado nenhum da Mega-Sena pode nos salvar.

A tendência é voltarmos a nos sentir como sempre. Isso porque nos adaptamos rapidamente as coisas boas. Precisamos sempre de um pouco mais do que temos para nos sentir bem. A cada degrau que subimos, precisamos subir mais um pouco, em um ciclo que parece não ter fim.

Não é à toa que tantos filósofos, dos estoicos aos budistas, insistiram que a felicidade só é possível quando saímos dessa roda infinita de conquistas materiais.

FONTES:

[1] Brickman, P., Coates, D., & Janoff-Bulman, R. (1978). Lottery winners and accident victims: Is happiness relative?. Journal of personality and social psychology, 36(8), 917.

E Schulz, R., & Decker, S. (1985). Long-term adjustment to physical disability: the role of social support, perceived control, and self-blame. Journal of personality and social psychology, 48(5), 1162.

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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