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Blog da Lúcia Helena

Infarto: melhor você levar um susto agora do que morrer de bobeira

Lúcia Helena

07/12/2017 04h10

Crédito: iStock

É sempre um dilema. Será que, se eu contar que determinado problema de saúde começa com uma coceira no dedo mindinho, estarei alimentando a imaginação dos hipocondríacos? E será que alguém, depois de ler o meu texto, correrá esbaforido até o médico ao menor sinal de um comichão bobo? Ou — que medo disso! — será que arriscará fazer o diagnóstico sozinho? Ainda bem, não conheço nenhuma moléstia que comece com uma coceira no dedo mindinho.

Agora imagine um aperto no peito, primo-irmão de um sentimento de angústia, se a angústia pudesse se traduzir em carne e osso. Um enjoo esquisito, feito um embrulho no estômago, daqueles que alguns — eu! — experimentam em uma estrada cheia de curvas. E uma dorzinha chata perto da coluna, como se os músculos entre as escápulas estivessem enroscados de tensão. Fim do meu dilema, ao menos por hoje: lamento pelo susto, eu preciso lhe avisar que isso pode ser um infarto.

Quem sabe assim você corra ao hospital se sentir ou vir alguém sentindo um mal-estar esdrúxulo. Sete em cada dez mulheres que infartam, por exemplo, não têm a clássica angina, a dor quente no peito. Nem ficam com o braço esquerdo formigando. A maioria sente a tal pressão no peito, o estômago virado, as costas doídas e, por isso, ignora o ataque iminente. Toma banho para relaxar os músculos, engole por conta própria remédio contra náusea e comete outros enganos potencialmente fatais.

Por isso, no encontro da American Heart Association, que aconteceu mês passado na Califórnia, Estados Unidos, deu no que falar o seguinte: no mundo inteiro, os ataques cardíacos ainda são ligeiramente mais comuns nos homens. Mas a mortalidade já é maior e não para de crescer no sexo feminino, que marca uma bobeira incrível até pedir ajuda, muitas vezes por não relacionar o incômodo estranho a qualquer perigo para o coração.

Embora em menor proporção, os homens também podem ser vítimas de infartos com dor atípica, como os médicos chamam esses quadros.

Na Universidade de Pernambuco, os cardiologistas compararam os pacientes: aqueles que não se queixavam dos sintomas tradicionais eram justamente os que apresentavam uma maior extensão da encrenca. Neles, o pedaço do músculo cardíaco que estava sem oxigenação era grande à beça.

Ora, um infarto é bem isso: uma coronária entupida que não deixa o sangue seguir adiante. Por ali, a circulação fica interrompida e a área do coração que seria abastecida por ela vai morrendo por falta de oxigênio. Se nada for feito, o pedaço asfixiado aumentará feito bola de neve. Eis a questão.

Segundo dados recentes do Colégio Brasileiro de Cirugiões (CBC), apenas 2 em cada 10 brasileiros em uma enrascada dessas dão entrada na sala de emergência em menos de duas horas, período ideal para o socorro ser muito bem sucedido.

Se a área de músculo sem irrigação aumenta demais,  o coração pode se ver com mais tecido morto do que vivo e, daí, não dá conta de continuar batendo. Extrapolando as duas horas de prazo para voar até um um pronto-socorro, quase todos perdem o momento ideal para serem atendidos, aquele em que as sequelas seriam mínimas ou inexistentes. Mas a situação piora.

No cenário dos sonhos, mal o paciente pisasse no hospital desconfiado do coração, os médicos não perderiam mais do que 10 minutos para afastar a suspeita de infarto. E outros 30 minutos para dar a medicação capaz de desobstruir a coronária problemática. Ágeis nesses primeiros instantes, eles então poderiam aguardar de uma a duas horas para realizar uma angioplastia. Conforme a situação, ganhariam  24 horas extras  para transferir o indivíduo para um centro especializado.

Estudos mostram que, quando um hospital se torna 10% mais rápido no atendimento, a mortalidade por infarto cai perto de 10% também. Daí essas metas de tempo. Não fui eu quem as inventou, elas são das diretrizes internacionais. No Chile, já viraram lei. Aqui…

Bem, aqui, além de muito serviço de emergência não ter um cardiologista na porta, quase 60% dos infartados vão para o hospital dirigindo o próprio carro, ainda de acordo com o CBC. Outros 10% enfrentam um ônibus —   haja coração para esperar no ponto e conseguir se sentar no nosso magnífico transporte coletivo. Existem uns 8% de heróis que, infartando, simplesmente caminham até o pronto-atendimento, não faço ideia como….Finalmente, 12% seguem para lá de ambulância.

Mas tem também o trânsito das nossas cidades, no qual nenhuma sirene consegue abrir caminho. Tudo isso faz com que, no Brasil, o intervalo médio entre o início de piripaque cardíaco e o atendimento médico seja de imperdoáveis 11 horas.

Se ao menos você ficar assustado com qualquer sintoma estranho (e até com os mais comuns), especialmente no caso das mulheres, esse tempo precioso poderá ser reduzido. Talvez aí, sem pestanejar, você corra a um centro médico e descubra que não tem nada de errado com o  seu coração.  Faço votos que seja assim. Prefiro que faça estardalhaço à toa, mas continue bem vivo.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.