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Blog do Dan Josua

Maconha e saúde mental: o que essa relação tem a ver com a legalização

Dan Josua

18/01/2018 14h31

crédito: iStock

É triste dar essa notícia a quem defende com unhas e dentes a legalização da maconha: ela não é absolutamente inofensiva. Mas é bom esclarecer também quem é totalmente contra: a maconha tampouco é demoníaca assim. O uso diário pode fazer mal e está associado a sofrimento psicológico –às vezes, até mesmo a transtornos graves. Contudo, para a população em grande escala, o uso recreativo e ocasional parece ser razoavelmente seguro. Quase tão seguro quanto o do álcool, que também é potencialmente perigoso.

O dado mais assustador relaciona o uso frequente de maconha na adolescência ao desenvolvimento da esquizofrenia e de outras psicoses na vida adulta. Isso foi apontado por diversos estudos na última década. Entretanto, é provável que a Cannabis sativa, nome científico da erva, seja apenas um dos fatores por trás do aparecimento dessas doenças.

Outras pesquisas, realizadas em animais –como uma feita em 2013 por pesquisadores da Universidade de Tel Aviv, em Israel–, sugerem que apenas pessoas com determinados genes corram um maior risco de desenvolver sintomas psicóticos depois de usar maconha. De qualquer maneira, mesmo assumindo que exista um modelo de causa e efeito, algumas revisões apontam que a droga só pode ser responsabilizada por cerca de 8% dos casos de esquizofrenia.

Pelo sim, pelo não, se você é adolescente, tome cuidado. Se você tem algum familiar que desenvolveu algum transtorno psicótico como esquizofrenia, tome mais cuidado ainda.

Já a relação entre o uso de maconha e ansiedade ou depressão é bem menos clara. Uma pesquisa chegou à conclusão de que haveria um elo com estados depressivos, mas não se sabe ao certo se é o aumento do consumo da droga que elevaria o risco da doença ou se tanto a depressão quanto o uso de maconha têm por trás os mesmos fatores de risco. Por exemplo, uma situação familiar complicada poderia levar o jovem a ficar deprimido e, ao mesmo tempo, favorecer o uso abusivo da substância. Para esses autores, ainda não dá para saber se a maconha é o ovo ou a galinha.

Um outro trabalho, porém, assinado por psiquiatras australianos concluiu o seguinte: é provável que a maconha contribua para o desenvolvimento da ansiedade e da depressão em mulheres jovens, especialmente se consumida todo dia e em quantidades mais altas. O uso frequente aumentou em cinco vezes a incidência desses transtornos. Detalhe: as mulheres que já eram ansiosas e deprimidas não consumiam mais maconha do que as demais. Isso significa, cruzando os dois dados, que a maconha de fato poderia disparar os distúrbios.

Mas nada é tão simples. Há também alguma evidência de que um derivado da maconha chamado canabidiol, ao contrário, diminuiria a ansiedade para falar em público. Sem contar os diversos efeitos do uso medicinal da erva.

Ao olhar para tudo o que já foi publicado, em resumo, dá para se notar que a maconha é segura para a maior parte da população, se usada de vez em quando e em doses baixas. E pouco segura se usada em grandes quantidades ou por determinados grupos de risco, como jovens com parentes que desenvolveram esquizofrenia.

A situação, como mencionei, é muito parecida com a do álcool ou até mesmo com a do cigarro. Só que não consideramos essas drogas perigosas, mesmo sabendo dos diversos efeitos negativos de seu consumo excessivo. Pense em como é difícil encontrar algum grupo militando pela proibição da venda de cigarro porque ele causa câncer no pulmão. Ou alguém defendendo que as mortes causadas por motoristas bêbados deveriam levar à proibição da venda de álcool.

Os efeitos de qualquer droga, em uma sociedade complexa como a nossa, são potencialmente nocivos. Não sei dizer se o problema é a nossa cultura –impregnada de abusos– ou essas substâncias em si. Tendo a acreditar que o aspecto mais relevante é o lugar que as drogas frequentemente ocupam em nossas vidas nessa cultura em que vivemos. Seja como for, quanto mais estudo os efeitos psicológicos do uso da maconha, mais seguro fico de que não é para a saúde mental que deveríamos olhar antes de decidirmos se a legalização da substância é uma boa ideia.

Deveríamos orientar toda a discussão para os aspectos sociais e econômicos e nos fazer perguntas como:

  • A legalização aumenta o consumo, e, especialmente, o uso abusivo?
  • O dinheiro retirado dos impostos tributando a venda da droga é suficiente para cobrir os possíveis custos em saúde do uso da substância em maior escala?
  • Esses impostos poderiam ser revertidos em benefícios para a população como um todo?
  • A violência urbana diminuiria com a liberação da maconha e o consequente enfraquecimento do narcotráfico no país?
  • A legalização da venda, com fiscalização, afastaria os grupos de risco, especialmente jovens, do consumo da droga?

Mais do que qualquer outra coisa, me parece fundamental responder essas questões. E, mesmo não sendo especialista nas áreas às quais poderiam ser endereçadas, arrisco dizer que, se respondermos sem moralismo nem hipocrisia, ainda encontraremos baseado da fabricante Souza Cruz sendo vendido na avenida Paulista.

Mas eu recomendaria a qualquer um e duas vezes mais aos adolescentes: não use maconha, não beba em excesso e não fume cigarros. Tudo isso pode lhe fazer muito mal.

Para saber mais:

[1]http://www.bmj.com/content/325/7374/1195.1?variant=full-text&rss=1&ssource=mfr

[2] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17662880

[3] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19748375

[?]http://www.biblioteca.cij.gob.mx/articulos/PsicosisYOtrosTrastornosMentales/Cannabis-Depression.pdf

[4]https://www.researchgate.net/profile/Ran_Barzilay/publication/258501175_Dominant_negative_DISC1_mutant_mice_display_specific_social_behaviour_deficits_and_aberration_in_B'NF_and_cannabinoid_receptor_expression/links/566924c208ae8d6928fbd03c.pdf

[5] http://bdpi.usp.br/item/002861099

[6] http://n.neurology.org/content/82/17/1556.short

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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