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Blog da Lúcia Helena

Quem tem medo da lactose? Abandonar o leite é uma roubada que engorda

Lúcia Helena

05/12/2017 04h15

Crédito: iStock

Não existe discurso mais sem pé nem cabeça do que aquele de que somos os únicos animais que "mamam" depois de adultos. Quer falar contra o leite e outros produtos lácteos, por favor, use um argumento diferente. E daí, provavelmente, terá uma pontinha de razão — afinal, com o tempo muita gente se torna intolerante à lactose mesmo. Mas, na maioria das vezes, nem essa dificuldade para lidar com o açúcar natural do alimento seria motivo para tirá-lo da mesa.  E, cá entre nós, essa história de nos comparar a bois crescidos que se comportam como bezerros bebês não vale.

Ora, também somos os únicos animais que assam a carne antes de rasgá-la com os dentes. E nunca ouvi falar de bicho herbívoro que joga azeite na grama como a gente faz com a salada. Então vamos aproveitar as delícias da condição humana.

O pânico todo começa com a lactose. Ela que leva muita gente a se autoproclamar intolerante — o que é uma barbaridade, se a pessoa não fez exames específicos para comprovar a suspeita, nem foi diagnosticada por um profissional de saúde. Esse açúcar,  grandalhão, precisa ser quebrado em duas moléculas menores por uma enzima produzida pelo nosso corpo, a lactase. Ou fica empacado no aparelho digestivo provocando desarranjos.

Acontece que nem sempre a gente tem lactase suficiente. A produção varia de pessoa para pessoa e, sim, diminui com a idade, fazer o quê!

Nascemos com uma enorme quantidade da tal lactase porque o bebê vive de leite. A partir daí, a quantidade cai de modo mais ou menos acelerado conforme vários fatores. Chamo a sua atenção para um deles: quem deixa de consumir lácteos à toa, só na base da cisma de que não digere bem esses alimentos, dá chance para o azar e pode virar intolerante de verdade.

O organismo nunca é tolo.  Perde tempo e energia apenas com o que faz sentido. Se você não está consumindo nada com leite, pra que ele ficar fabricando lactase, não é mesmo? Logo desacelera essa linha de produção. Daí, se um dia arriscar jantar uma massa com molho branco, tomar um sorvete cremoso ou beber o velho leite até ficar com bigodinho só para matar a saudade, você se sentirá empanturrado. Ou terá uma bela dor de barriga.

A catástrofe para a saúde é que a ingestão de cálcio no Brasil anda baixíssima. Isso é bem preocupante com a expectativa de vida crescendo a galope — que bom, só que estaremos vivos e com ossos em frangalhos. Não me parece a melhor visão do futuro…

O consumo de leite por aqui — coincidência ou não — diminuiu  quando subiu o de bebidas adoçadas. Atualmente, trabalhos como o apresentado pelo nutrólogo Mauro Fisberg, professor da Universidade Federal de São Paulo, durante o congresso da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, apontam que a ingestão do cálcio só vai bem, obrigada, até cerca dos 4 anos de idade.

Adolescentes que tomam leite ou consomem algum de seus derivados no máximo uma vez por dia ficam com 40% do aporte recomendado desse mineral. Entre adultos, sinto informar, apenas dois em cada dez indivíduos ingerem o nutriente como manda o figurino. Não, não adianta encher o prato de vegetais porque, em matéria de cálcio, você nunca chegará lá sem um ou outro laticínio na dieta.

O cálcio não faz bem só ao esqueleto. Ele  é importante até para o coração, participando do  controle da pressão arterial. Comprovadamente afasta o diabetes tipo 2.  E faz uma falta danada quando você sobe na balança.  Ah, faz…

Os cientistas já sabiam que, sem ele,  fica difícil quebrar a gordura acumulada no corpo. Pois agora existe a certeza de que há um paralelo: quanto menor a ingestão de cálcio diariamente, maior tende a ser o índice de massa corporal. Ou seja, cortar laticínios, sua principal fonte, é favorecer a obesidade. Leite não dá barriga, é o contrário.

Um último golinho de informação: a intolerância que surge com o passar da idade vai sempre depender do volume de leite que você bebe. Sempre. Talvez você consiga tomar um copo cheio de 240 mililitros e tudo bem. No dia seguinte, porém, resolve beber 300 mililitros e se sente mal, porque seu corpo não produz  estoques da enzima lactase para ínfimos 50 militros a mais, o volume de uma pequenina xícara de café. Cada um precisa sentir o próprio limite, observando suas reações no dia a dia.

Estudos apontam que a maioria dos intolerantes se dá bem ingerindo até 12 gramas de lactose por dia. Isso equivale a um copo de leite ou a 2 potes e meio de iogurte — que, aliás, só virou iogurte porque quebrou boa parte da lactose presente na matéria-prima fornecida pelas vacas e, portanto, se torna excelente alternativa. Há ainda, no mercado, opções de laticínios que já vêm sem lactose. E que continuam esbanjando o cálcio.

Saiba que são raros os casos de gente que não tolera engolir nem sequer uma gota de produtos lácteos. Raríssimos.  Mas intolerância não é alergia, portanto nunca trate as duas coisas como sinônimo. Alergia é  uma reação imunológica grave  à proteína do alimento, passando longe de todo o tititi em torno da bendita lactose.

Bem, se você não é alérgico, até para ficar em forma, eu trocaria o refri e o suco, especialmente aquele que não é de fruta espremida na hora, já sabe pelo quê.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.