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Blog da Lúcia Helena

Se você leva uma vida saudável, evita que suas células virem zumbis

Lúcia Helena

20/02/2018 04h01

Crédito: iStock

Um jeito bem realista de encarar a passagem dos anos é o seguinte: envelhecer é acumular pelo corpo inteiro células que não se dividem mais como antes, mas que também se recusam a morrer. Ou seja, não se renovam, nem saem de cena. Ficam ali, assombrando o serviço dos órgãos.

Agem mesmo como se fossem umas mortas-vivas. Sim, elas são feito uns zumbis. Aliás, a comparação nem é minha — fique você sabendo, se a achou um tanto assustadora — , mas do biólogo molecular Valery Krizhavosky, do Instituto Weizmann, em Israel, que diz gostar de chamá-las assim para que as pessoas entendam a situação.

Neste início de fevereiro, o cientista, que há tempos vêm observando esses tipinhos em seu laboratório — tanto em ratos quanto em culturas de tecidos humanos —, anunciou ter encontrado uma pista, na intimidade dos genes, de como impedir que o passar dos anos seja sinônimo de amontoar essas células. Sim, porque alguma quantidade delas nós sempre tivemos e sempre teremos. Ainda bem.

Em qualquer idade, uma célula pode se fingir de morta,  conforme aprendi com Krizhavosky. Faz isso, por exemplo, só para evitar que um câncer cresça e apareça. Não à toa, as lesões pré-cancerosas são povoadas por células zumbis. É como se elas percebessem que têm um defeito que não pode ir adiante, por ameaçar o organismo inteiro.

Só que o certo — diriam as leis da biologia — seria que se explodissem. Isso mesmo.  O esperado seria um suicídio celular que os cientistas chamam de apoptose. Ok, as zumbis não acabam com a própria vida, mas também não seguem como se estivessem vivas pra valer. E tudo ótimo em uma situação dessas, quando até nos protegem ficando desse jeito, mal paradas.

O problema é o acúmulo ano após ano desse tipo de célula por todos os órgãos e sem que haja um motivo nobre, como frear a ameaça de um tumor. Os conglomerados de células zumbis estão por trás, entre outros males, da osteoartrite, da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e da aterosclerose, que provoca o endurecimento das paredes dos vasos sanguíneos — note, tudo isso está associado a um envelhecimento pouco saudável.

Desde sempre a humanidade busca a fonte da juventude e, para o cientista do instituto israelense, célebre por suas pesquisas de ponta no campo da biologia molecular, o mapa para encontrá-la leva a um gene chamado p21. Segundo ele, é o p21 que está por trás da multiplicação desenfreada das células zumbis com a idade.

A aposta de sua investigação é que, no futuro, terapias capazes de manipular esse gene consigam, até quem sabe, esticar a nossa permanência na Terra. Bem mais importante do que isso, penso eu, é que poderão evitar algumas mazelas que fazem muita gente temer a velhice.

Fique claro: ser velho é uma coisa e ser senil é outra. Ora, a proliferação das zumbis é típica de um sujeito entregue à senilidade, aquele que se torna caquético. É possível que alguns hábitos, digamos, menos saudáveis do seu passado tenham atiçado o p21 a ordenar o surgimento de mais e mais zumbis, aniversário após aniversário.

Para saber se essa hipótese faz sentido e também para, amanhã ou depois, poder conferir se determinada terapia genética em prol do envelhecimento saudável deu ou não deu muito certo, precisam existir parâmetros muito claros. Para isso, Krizhavosky e seu time começam agora uma nova etapa da pesquisa. Trata-se de uma espécie de censo de zumbis. Sim, os cientistas querem estimar a população dessas células em pessoas que envelheceram bem e que continuam ativas. Depois, irão compará-la com o número dessas unidades mortas-vivas em quem sofre de doenças limitantes, frequentes no processo de decadência física que é a senilidade.

Em ratinhos de 2 meses de idade, por exemplo, eles sabem que apenas 1% das células se comporta como zumbis. Quando os roedores completam 2 anos, porém, elas já representam 15% do seu corpo. É, não tem jeito… Sempre aumentam. Mas qual seria proporção em gente como a gente? Seria sempre a mesma, independentemente do modo como a vida foi levada? Dois moderníssimos exames de biologia molecular, um complementar ao outro, farão esse cálculo e darão a resposta.

Minha aposta é um tanto óbvia e os pesquisadores fecham comigo: essas células penadas devem predominar no organismo de quem sempre dormiu mal, comeu mal, mal se mexeu e, pior, mal se deu um tempo e mal conviveu com quem amou. O irônico é que estamos falando de alguém que está passando pela vida, de certa maneira, feito um zumbi. Lembrei da frase de um conhecido: a assombração sempre sabe pra quem aparece.

Melhor espantar esse fantasma. A receita da juventude pode ser simplesmente viver.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.