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Blog do Henrique Szklo

Falta de criatividade também pode provocar estresse

Henrique Szklo

30/01/2018 04h00

Crédito: iStock

Em nosso passado longínquo, quando vivíamos em cavernas ou sobre as árvores, precisávamos de vários mecanismos fisiológicos em nosso organismo que nos auxiliassem na luta diária pela sobrevivência. Um deles, que compartilhávamos com outros animais, chama-se "medo". Basicamente, o medo nos mantinha alertas e aptos a tomar decisões rápidas em razão de alguma pretensa ameaça. Lutar ou correr, lembra?

O tempo passou, a vida mudou, mas o mecanismo continua ativo em nosso dia a dia. As ameaças de então tomaram outra forma e proporção: realizar um trabalho, pagar contas, tirar boas notas, não atrasar nos compromissos, administrar relações conflituosas, etc. A maioria, convenhamos, bem mais suportáveis do que a sensação do bafo de um tigre-de-dentes-de-sabre em nosso cangote peludo e cheio de carrapatos.

O tigre dentuço era uma ameaça daquelas dramáticas, mas de rápida resolução. Ou você escapa ou não. E vida que segue (ou não). Os problemas contemporâneos têm a peculiaridade de serem constantes e persistentes. Pequenos medos que se recusam a nos abandonar. Em outras palavras: o estresse. O estresse é apenas uma gradação mirim do medo associada a uma perturbadora persistência. Adrenalina em gotas.

E o que isso tem a ver com criatividade?

Curiosamente, o mecanismo "medo" é um parente muito próximo do que hoje chamamos de criatividade, outra de nossas poderosas ferramentas de sobrevivência. Voltemos ao tigre-de-dentes-de-sabre. A maioria dos animais, diante de uma ameaça com caninos tão grandes, buscará em seu repertório mental a solução para este problema. Sua vida pode depender da escolha que fizer. Se for uma situação inédita, ou seja, que não esteja em sua biblioteca mental, o animal acionará o sinal de alerta e tomará uma decisão igualmente inédita. Em resumo, irá improvisar. Tudo em questão de segundos. Mesmo em animais da mesma espécie e grupo, as decisões podem ser completamente diferentes. É comum indivíduos terem personalidade e temperamento diversos.

Nós, animais em geral, possuímos esta capacidade para que possamos nos adaptar às novas situações que se apresentem em nossas vidas. Se não fôssemos capazes de improvisar diante de ameaças, nossa existência seria brevíssima.

A evolução da capacidade de improvisar

Ao longo dos séculos, o cérebro humano evoluiu de forma tão extraordinária que acabou por nos afastar daquele mundinho primitivo de onde viemos. Os animais irracionais só improvisam diante de ameaças. Nós improvisamos porque queremos, porque alguém nos paga para improvisar. Improvisamos no banheiro e caminhando no parque. A criatividade nada mais é do que a evolução da capacidade de improvisar. A ferramenta é absolutamente a mesma. Só que uma é feita com pedra lascada e a outra funciona com Bluetooth.

O medo, portanto, é uma espécie de gatilho da criatividade. A essência do impulso criativo é a necessidade de se resolver problemas relevantes. A criatividade, a propósito, só existe se estiver a serviço da solução de um problema. Do contrário, não pode ser considerada como tal.

Muitos especialistas concordam que um pouco de estresse não só é um benefício, como é imprescindível. Na medida certa, claro. Você sabe: a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. O estresse excessivo faz mal à saúde e à alma. Provoca doenças e nos tira a tranquilidade para tomarmos decisões mais equilibradas, mais serenas. Passamos a funcionar no modo irracional, exatamente como os animais dos quais nos distanciamos intelectualmente. Algumas pessoas não se distanciaram tanto, mas isso não vem ao caso agora. O fato é que a possibilidade de fazermos alguma merda cresce numa proporção assustadora. Ou seja: o estresse, que é fundamental para nossa sobrevivência, quando em doses inadequadas, passa a ser nosso inimigo mortal, literalmente.

Um problema de labirintite

O estresse é a manifestação de impotência de nosso cérebro em encontrar uma solução conveniente para nossos problemas. É a sensação de que não há como sair de uma arapuca. Uma ansiedade provocada pelo medo de estarmos presos em um labirinto à espera de um destino inexorável: o encontro com uma fera que irá nos devorar. Substituição no time de ameaças: sai tigre-de-dentes-de-sabre, entra Minotauro.

Quando você tem a capacidade criativa mais desenvolvida, seja intuitivamente seja por treinamento, você se torna capaz de buscar alternativas com mais despojamento, menos autocrítica e em muito maior quantidade. Reúne condições de enfrentar o labirinto de forma diferente, não apenas seguindo seus caminhos pré-definidos e intrincados. O indivíduo que usa a criatividade é capaz, por exemplo, de escalar as paredes e olhar o labirinto por cima e caminhar sobre elas. Pode tentar demolir as tais paredes, buscando um caminho rumo à liberdade. Ou até mesmo fazer um cálculo qualquer que o leve à saída. Não importa. Já àquele que não lança mão de todo o seu potencial criativo, sequer lhe ocorre a possibilidade de ideias subversivas. Não há dilema. E sem dilema, não há criatividade. O segredo é saber que, se o propósito é escapar, não pode haver limitações.

O indivíduo criativo é, antes de tudo, um inconformado

Quem faz a opção por uma vida de perfil criativo precisa, necessariamente, acreditar que encontrará a solução. Mesmo que ela nunca chegue. É a Utopia Criativa, que nos faz caminhar ininterruptamente em sua direção, mantendo nosso sonho sempre vivo. A simples sensação de que talvez encontremos a solução de nossos problemas tem como uma de suas consequências a diminuição do estresse.

Ao contrário, pessoas consideradas menos criativas são aquelas que desistem antes. Largam os braços e se entregam ao homem de chifres (sem ofensas). Não se desafiam até seus limites. Não se sentem capazes de irem mais longe. Esta falta de expectativas positivas vai provocando mais e mais estresse.

No processo criativo não há garantias. Só esperança

As alternativas criativas garantem a escapada do labirinto sem injúrias? Não. Na verdade não garantem sequer a saída do labirinto ou a prevenção de um encontro sangrento com o Minotauro faminto. A única garantia é de que você terá uma vantagem estatística. Apenas isso. Mais opções, mais alternativas, mais chances de sobreviver. Na pior das hipóteses, você será lembrado como a pessoa mais criativa a servir de alimento para um Minotauro.

Ah, já ia me esquecendo: existe uma boa carga de estresse também no processo criativo. A decisão, no final das contas, é que tipo de estresse você escolhe enfrentar na sua vida. Todos nós dormimos. A pergunta é se você prefere o sonho ou o pesadelo. É o bom e velho livre-arbítrio.

Sobre o autor

Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.

Sobre o blog

Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!

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