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Ciúmes: de onde vêm e como podemos lidar com o sentimento

Dan Josua

07/12/2017 04h00

Crédito: iStock

É muito difícil para os seres humanos serem felizes. É da nossa natureza enquanto seres falantes.

Nossa linguagem faz com que seja difícil definir o belo sem dizer o que consideramos feio. O pequeno, sem definir o que é grande. Ou o dia, sem apelar para a noite.

Da mesma forma, a cada vez que nos apaixonamos, pressentimos, embutida no amor, a possibilidade de perder essa pessoa. Nossa linguagem faz com que cada exemplar venha com a chance de seu oposto. Para cada amor que ganhamos, o risco de uma perda do mesmo tamanho.

Nesse sentido, o ciúme talvez seja uma tentativa de nos livrar dessa duplicidade da paixão. Uma tentativa de negar a chance do fim. E de nos livrarmos da incerteza.

O ciumento é aquele que pede para checar o histórico no WhatsApp para se assegurar que não houve nenhuma mensagem de ex. Que pergunta, nervoso, quem era aquela pessoa na festa que foi cumprimentada com tanto carinho. Que exige mais e mais informações na esperança vã de que, em algum momento, sua incerteza vai acabar.

"Garanta: só eu que importo" ou "Preciso saber o que você pensa e sente". Essas são as raízes sustentando cada pedido do ciumento. E, assim, ele quer controlar o incontrolável. Exige garantias onde elas não podem existir.

Por isso é que a incerteza nunca vai embora: o pedido é impossível. E, no fundo, sabemos disso. Não dá para esquecer que, a qualquer momento, tudo pode acabar.

Mas a cada pedido cedido, sempre que recebemos a informação de que está tudo bem, sentimos o peito mais leve. Aquela dúvida desaparece e, por algum tempo, o amor parece reinar seguro. Infelizmente, a dúvida, como não poderia deixar de ser, retorna. Daí queremos um pouco mais de garantias. E cada vez mais.

No curto prazo, elas trazem um pouco de paz e proximidade. Mas, no longo, um cenário diferente vai se construindo. A pessoa do outro lado do nosso ciúme começa a ficar cansada. É exaustivo ser posto no lugar do réu que precisa se defender a todo momento.

A pergunta do ciumento, que no começo era respondida com leveza, se torna um fardo. As demandas por justificativa geram reações de impaciência e intolerância crescentes. O que deveria promover uma proximidade produz afastamento.

Finalmente, o ciúme, que nasceu da vontade de o amor durar, pode precipitar o seu fim.

A verdade é que não podemos controlar outra pessoa. Se ela quiser ir embora, ela irá. O paradoxo do controle é que, quanto mais tentamos encurtar as rédeas, mais o outro sente falta da sua liberdade. O ciúme, apesar de compreensível, é ineficaz a longo prazo –e, eventualmente, se torna o combustível para um relacionamento abusivo.

Não existe receita mágica para curar o ciúme, como não existe receita para um relacionamento perfeito. O ciúme, vale lembrar, é uma emoção que nos lembra de algumas verdades: relacionamentos acabam; pessoas traem e são traídas. O importante é tratar o ciúme como um sentimento e não como uma prova de que o outro me traiu. (se você tiver provas que alguém te traiu, e para você isso for inadmissível, pule fora).

Como qualquer sentimento, o ciúme começa a ver seu fim no momento em que caminhamos na contramão do que ele nos comanda a fazer. Enfrentar o ciúme é substituir as cobranças e brigas por demonstrações de afeto e compreensão.

O grande paradoxo é que, se queremos manter quem amamos por perto, é preciso deixá-lo (a) livre para ir embora. E, em seguida, fazer de tudo para que ele (a) queira ficar. O que sustenta uma relação são os momentos bons juntos. Não são as ameaças veladas, ou promessas concedidas sobre coerção – não é o "eu te amo" concedido depois de cobrado.

O que mantém um relacionamento saudável, o que faz com que o ciúme não tenha razão, são as risadas e os jantares a dois. As conversas perdidas na madrugada. Os corpos se encostando na cama.

O que mantém um relacionamento vivo é fazer, nas palavras do poeta, com que a pessoa seja uma prisioneira por vontade.

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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