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Blog do Henrique Szklo

Ódio é uma das principais ferramentas de criação

Henrique Szklo

12/12/2017 04h15

Crédito: iStock

Engana-se quem pensa que a criatividade é uma competência sustentada apenas no bom-senso e em sentimentos elevados. Em geral, são os instintos mais baixos que nos inspiram e motivam. O vilão é sempre mais interessante que o mocinho. O ódio, por exemplo, é historicamente uma das principais ferramentas utilizadas no convívio social. Esse mesmo ódio quando transportado para um ambiente de anonimato, transforma-se em uma religião com milhares, milhões de seguidores fundamentalistas. Um sacerdócio levado com muita fé e seriedade.

Aliás, não precisa nem ser um anonimato absoluto. Basta sentarmos ao volante de um automóvel para que o monstro que nos habita tome o controle de nossas almas e saia por aí de cenho franzido, vociferando nomes feios e mostrando os mais variados dedos a quem tenha a petulância de cruzar nosso caminho. O ser humano é um rancoroso congênito. Não por acaso, a criatividade se alimenta deste nobre sentimento com apetite e desassombro.

O anonimato também nos aproxima do mindset ideal para o exercício da criatividade: nos liberta das convenções sociais, do medo de sermos julgados e nos permite pensar livremente, expressar nosso verdadeiro eu para quem quiser ouvir, mas, principalmente para quem não quiser. E você sabe que, às vezes, nosso verdadeiro eu é o capeta encarnado, portanto é importante aprendermos a conviver com nosso lado escuro e até tirar proveito dele. Saiba que as ideias baseadas na nossa verdade em geral são muito mais eficientes e poderosas.

Mas nem tudo é festa na casa do Bolinha. Para a alegria dos carrascos anônimos, a internet potencializou a disseminação da cólera de forma exponencial. Foi a chave que destrancou a porta do zoológico. Às vezes, acho que estamos vivendo numa epidemia zumbi. Milhões de mortos-vivos sem consciência e apenas uma malévola força em busca de sangue fresco, arrastando seus pés virtuais, produzindo sons apavorantes, cliques insuportáveis, buscando se alimentar de tudo o que seja vivo e que, de alguma forma, pense. Walking Dead virou reality show.

Como diz Mano Brown: frustração, máquina de fazer vilão

Todos sabemos que o ser humano adora o gostinho acre do sangue, com inconfundíveis notas de ferro. O sangue dos outros, que fique bem claro. Antigamente, esta sede era saciada em execuções públicas, nos linchamentos e na barbárie das arenas romanas. Há décadas apartados desses eventos esportivos, as pessoas de bem viviam em uma prolongada síndrome de abstinência. A tecnologia, portanto, amenizou a longa carência de sangue derramado como mitigador da frustração generalizada. Graças à internet, hoje é possível odiar sem precisar se locomover, no conforto de seu lar. No desktop, tablet ou smartphone. É a Hemoflix.

Esse líquido biliar esparramado pelas redes tem como alvos primários celebridades e seus derivados. Afinal, para que servem telhados de vidro senão para serem atingidos por pedras? Um fenômeno muito parecido com a comichão irresistível que sentimos ao segurar um plástico-bolha. Este cenário tão sedutor se converteu em um terreno fértil para o florescimento de uma horda de bárbaros conhecida como os haters. Violentas torcidas organizadas que encontraram outros estádios para frequentar e depredar.

Os haters também amam

As lideranças que surgem em momentos sombrios são entusiasmados patrocinadores e alimentadores dessa raiva visceral. Uma estratégia bem primária, diga-se, baseada principalmente na catarse e na energia emocional que ela libera. Por isso se tornam os malvados favoritos de uma imensa e torturada parcela da sociedade. O coração machucado dos haters enxerga nestes ídolos hepáticos o aconchego e a sensação de terem suas vozes finalmente audíveis. E para manter o rebanho de ovelhas hidrófobas com o diabo no corpo é preciso criatividade. E criatividade é o que não falta a estes anticoagulantes sociais. A cada vez que lemos ou ouvimos alguma de suas pérolas nos sobressaltamos e nos espantamos. Atordoados, nos perguntamos como é que um ser humano é capaz de pensar com tamanha criatividade. De onde ele tira tanta inspiração? Não há como negar. Auxiliados ou não por alguma droga recreativa, os ídolos do movimento hater são donos de uma invejável criatividade.

Os melhores criadores de conteúdo

Os haters também são muito criativos. Tanto que se transformaram na melhor opção de entretenimento atual. Mais do que as notícias e os posts, em portais, blogs ou redes sociais, o melhor conteúdo da internet está nos comentários. São subversivos e brutalmente irresistíveis. Mexem com nosso emocional e nos fazem refletir sobre a natureza humana, ou seja, diversão da melhor qualidade.

Haters são criativos porque têm a mente aberta e não são preconceituosos como se alardeia. Ao contrário. Não fazem distinção de raça, cor, religião, orientação sexual. Democraticamente, tratam da mesma forma um político corrupto, um jogador de futebol que até ontem merecia estar na seleção e um morador de rua com uma filha deficiente. Todos queimam na fogueira virtual.

O fim do desejo de ser famoso

Não sejamos maniqueístas. Os haters têm um papel muito importante na sociedade contemporânea: sem querer querendo, criaram um jeito de acabar com as sub, pseudo e proto-celebridades. Eles são responsáveis pela bola de neve que em breve tomará proporções tão gigantescas que acabará por transformar o mundo. Graças aos haters e seu ódio infinito, as pessoas, num futuro próximo, evitarão ser famosas, por medo das redes sociais. Pavor pelos haters. Vão evitar as festas, aparecer na TV, serem amigos do David Brazil, postar qualquer coisa na internet. Jornalistas serão ameaçados de morte por paniquetes se insistirem em postar fotos de suas bundas. O Castelo de Caras irá ruir e o Amauri Júnior se tornará um pária, condenado a uma vida de solidão e miséria.

Precisamos dos haters como um alcoólatra precisa de pinga

Estes relevantes serviços prestados à sociedade precisam de retribuição. Sim, eles são insuportáveis. Sim, eles são cruéis. Sim, são todos filhos de uma ronca-e-fuça. Mas, entenda: eles não são assim porque querem. O mundo os fez desgraçados. São frustrados. Vermes condenados a uma existência miserável. Parasitas que só sobrevivem se conectados a um hospedeiro e por isso vivem uma contradição atroz: querem destruir aqueles que os alimenta.

Ainda bem que o ser humano é uma espécie empática. Nos colocamos no lugar dos outros e nos solidarizamos com o sofrimento alheio. Sem ninguém para blasfemar os haters perecerão. Não, não podemos permitir isso. Precisamos mantê-los vivos e saudáveis. Vamos construir mais telhados de vidro. Vamos pintar alvos em nossas costas. Se não estiverem olhando para nós, façamos barulho até que atirem suas flechas envenenadas em nossa direção. Temos o dever de protegê-los dos politicamente corretos, aqueles chatos. Vamos, então, estender a mão a essas pobres criaturas. A mão levará uma mordida, claro, mas, mesmo assim, devemos resistir. Bravamente. Não é por eles. É por nós. É para nos sentirmos superiores, mas principalmente pela criatividade e energia que eles nos oferecem.

Se você acha que esse problema não é seu, não se engane: somos todos haters. Quem nunca cometeu um pecado que atire o primeiro comentário. Eu mesmo levianamente escamoteei meu ódio e repulsa por eles utilizando o humor como distração. Por isso, se você quiser saber mais sobre o talento criativo dos haters, leia os comentários abaixo.

Sobre o autor

Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.

Sobre o blog

Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!

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