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Blog do Luiz Sperry

Decisão do STF é um enorme avanço para a causa trans

Luiz Sperry

02/04/2018 11h14

Crédito: iStock

Nesse mês os olhos da nação estiveram voltados para o STF. Não quero falar aqui da questão da prisão ou não de Lula, a se decidir num futuro próximo, embora eu confesse que a psicose social que esse assunto desperta seja coisa das mais sérias. Queria atentar para outra decisão. O Supremo decidiu, por unanimidade, que os transexuais não precisam de cirurgia para conseguirem mudar o seu registro de gênero.

Pode parecer um detalhe, mas não é. A fila para a realização dessa cirurgia no SUS passa de 10 anos. Sem contar os outros anos de avaliações, terapias e pré-requisitos para conseguir entrar na fila. Parece uma eternidade. Apesar das fortes evidências dos benefícios da cirurgia de redesignação sexual na qualidade de vida dos envolvidos, não existiu um esforço dos órgãos competentes no sentido de ampliar essa oferta na última década. A decisão do STF acaba por amenizar a angústia das pessoas que vivem isso no dia a dia. Nomes são importantes. Documentos também.

Mas o mais interessante é que, talvez sem querer, o STF foi além. Desde os tempos mais primórdios, temos uma situação na qual genitalidade define sexualidade e isso define a posição das pessoas na sociedade. Trocando em miúdos: os seus genitais definem o seu gênero, sua orientação sexual (se você gosta de homem ou de mulher) e o jeito que as pessoas te tratam. Por exemplo, se você for homem, as pessoas terão uma série de expectativas de coisas que você pode ou não fazer, assim como se você for mulher terá uma série de outras expectativas (nesse caso, principalmente quanto a coisas que você não deve fazer). Claro que barreiras existem para ser quebradas, e parte dos obstáculos da sexualidade já estão esmorecendo. Mas a barreira da genitalidade ainda permanece intransponível.

Ou melhor, permanecia. Num momento em que as forças reacionárias tentam transformar o país numa espécie de "Arábia Saudita Cristã", os ministros saem com essa. Em meio à controvérsia gerada pela questão da jogadora transexual Tiffany Abreu, a própria controvérsia já ficou obsoleta. A próxima questão talvez seja a participação de jogadoras não operadas no esporte. O que em princípio não tem nenhuma importância, já que ninguém joga com o pênis.

Claro que haverá uma reação desesperada dos que desejam que as coisas nunca mudem. Mas os costumes mudaram e nada vai voltar a ser como era. Só nos resta seguir adiante. Com Supremo, com tudo.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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