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Blog do Henrique Szklo

Sucesso de O Outro Lado do Paraíso reflete como crise prejudica a cultura

Henrique Szklo

26/12/2017 04h00

Clara (Bianca Bin) em cena da novela "O Outro Lado do Paraíso" Crédito: Reprodução/TV Globo

A novela "O Outro Lado do Paraíso" tem feito um sucesso que, para muitos, é surpreendente. É tão carregada de clichês que eles chegam a transbordar pela TV e se esparramar no chão da nossa sala. Sem contar que a realidade, a lógica e o bom senso são personagens que quase não aparecem na trama. Então, por que o sucesso?

Antes de falar das razões, fiquei com pena do escritor Alexandre Dumas que, se vivo estivesse, postaria em suas redes sociais a hashtag chatiado. A mudança de fase da novela foi hiperbolicamente baseada em seu Conde de Monte Cristo. #ClaraÉoEdmondDantèdeSaias

Acredito que a altíssima audiência da novela se dá porque o autor escolheu como par romântico a catarse e o maniqueísmo, os reais protagonistas da história. Estão dando ao público o que ele desesperadamente deseja consumir. Sem o benefício da dúvida. Em tempos turbulentos, um singelo final feliz já não é suficiente para acalmar as massas.

O maniqueísmo exacerbado sempre foi marca registrada das novelas mexicanas e seus Augustos Egídios e Robertas Jacintas, cujo ponto de partida é: o bom é muuuito bom e o mau extraordinariamente diabólico. Muito comum em histórias infantis em função da necessidade de se estabelecer conceitos com inequívoca clareza. Já para adultos…

Outro que tem usado este artifício maroto é o diretor de cinema Quentin Tarantino. Claro que seus filmes são criativos e originais, mas o uso escancarado da catarse e do maniqueísmo diminui o valor da história. Americanos judeus que se infiltram nas linhas inimigas com o único intuito de matar nazistas e no final assassinam Hitler ou um cowboy negro, inteligente e habilidoso, que vence heroicamente os brancos e até mesmo os negros vendidos, são temas de suas últimas obras. Divertidos sim, mas de uma falta absoluta de sutileza e uma visão meio infantilizada da vida. O autor se investe de Deus e nos enfia goela abaixo uma improvável e preguiçosa justiça divina.

É claro que a ficção não é a vida e sim a sua representação e que o maniqueísmo está presente na maioria das obras, mas alguma transcendência é sempre bem-vinda. Pra mim, boas histórias são aquelas que estimulam as pessoas e respeitam sua inteligência. Do contrário, é como falar palavrões ou frases de duplo sentido de conotação sexual em um show de stand up. Um truque fácil e dos mais sorrateiros. Não exige um mínimo de sagacidade da plateia e apenas funciona porque o palavrão e o sexo em público ainda são tabus. Ninguém ri porque é engraçado, mas por causa de um mecanismo psicológico que desperta nas pessoas emoções contidas, liberando alguns de seus bloqueios emocionais. Ou seja, catarse pra caralho.

Não é à toa que este tipo de narrativa floresce com mais desenvoltura em épocas de crise financeira. Pessoas em dificuldades não querem saber de histórias elevadas. De propostas de reflexão. Querem chegar em casa do trabalho que as castiga e ser recompensadas com exemplos claros da justiça que elas não encontram na vida real. Uma flagrante necessidade de recompensa emocional.

O bonzinho precisa ser premiado a qualquer custo e o mal não pode jamais escapar impune. A punição exemplar do malvado lava a nossa alma. E mata a criatividade a sangue frio. Nas vacas gordas, o estresse do público é menor e consequentemente a sua necessidade de compensação também diminui. Já em épocas de crise financeira, a cultura é uma das primeiras vítimas. Não por falta de investimento, porque isso até estimula a criatividade. É a falta mesmo de um público emocionalmente conectado.

Somos todos maniqueístas. Esse comportamento se explica ao observarmos que o nosso cérebro tem funcionamento binário. Uma coisa ou é boa ou é ruim. Ou é certa ou errada. Ou feia ou bonita. A capacidade de raciocínio é que faz com que consigamos passear pelos meios-termos. Os animais irracionais, como o nome já diz, apenas reagem emocionalmente, ou seja, binariamente.

Já o ser humano tem a prerrogativa de usar sua inteligência racional para avaliar os fenômenos que o cercam, mas quanto maior o estresse, maiores as chances de abdicar deste direito. Para o nosso inconsciente, a resposta emocional é sempre a mais incisiva em se tratando de nossa sobrevivência.

É batata: se deixarmos nosso emocional decidir nossas pendengas, escolheremos um lado e lutaremos até a morte por ele. Entraremos no modo animal e reagiremos a tudo sem nenhuma reflexão. Argumentos não serão suficientes para desempacar a mula que temos dentro de todos nós. Execraremos o lado oposto. Seremos nós contra eles. Odiaremos sua simples existência. Desejaremos sua extinção para o bem da nossa humanidade.

Em momentos críticos precisamos de provas claras de que estamos certos. De que pertencemos ao lado bom. Precisamos de histórias que nos mostrem e nos ensinem que é no outro lado no paraíso que mora o diabo. E assim nossa mente se acalma, nos regozijamos em estar do lado "certo" e o estresse é reduzido, pelo menos por alguns momentos.

Não tem jeito. Somos animais e, como tal, reagimos selvagemente quando nos sentimos ameaçados. E, nos dias de hoje, o dinheiro curto e a insegurança no trabalho são duas das ameaças mais perturbadoras. No meu caso particular, o que tem me perturbado de verdade é tentar adivinhar com quem a Clara vai ficar no final.

Sobre o autor

Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.

Sobre o blog

Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!

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