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Reconhecer emoção é 1º passo para "ver" o mundo como ele realmente é

Dan Josua

21/12/2017 04h00

crédito: iStock

Sabe aquele dia em que você tem um compromisso superimportante pela manhã? E, apesar de todo o cuidado, o despertador não toca. Sabe a sensação de acordar assustado(a) faltando vinte minutos para o horário da reunião? De fechar a porta de casa depois de ter se arrumado voando, seu peito gelado e a sua cabeça pintando cenários catastróficos?

Você já passou por isso?

Ótimo.

Quando você estava nessa situação, quantos semáforos vermelhos encontrou no seu caminho? Quantos motoristas mais lentos do que o comum? Ou quanto tempo a mais o ônibus demorou para passar?

Nessa situação, é muito difícil chacoalhar a certeza de que há uma conspiração no trânsito para chegarmos atrasados. De que somos os mais azarados do mundo.

Mas, dando um pequeno passo para trás, fica claro que pode não ser bem isso.

O semáforo vermelho demora o mesmo tempo que demora todos os dias —ele não varia de acordo com o nosso humor. O trânsito, idem, é o mesmo caos de sempre. O mundo não muda porque acordamos com o pé esquerdo.

O que acontece nessa situação é que estamos olhando para o mundo através de uma lente muito particular. Não o enxergamos como ele é, mas encontramos nele um reflexo do que acabou de nos acontecer e de como nos sentimos. Nesse dia azarado, sentimos medo das consequências do atraso e vemos esse medo em tudo.

Saber que o que enxergamos frequentemente não é o mundo em si, mas a realidade distorcida por uma emoção (e os eventos que a produziram), é uma importante ferramenta para nos auxiliar a regular nossas emoções. Especialmente se começarmos a entender quais são as maneiras típicas com que cada emoção mexe na nossa percepção do mundo.

O medo, por exemplo, nos "convida" a procurar o predador que vai nos matar —isto é, o pior cenário possível. Quando entramos com medo em um avião, por exemplo, cada pequeno ruído costuma ser interpretado como um sinal de que o motor está prestes a explodir. A expressão do comissário de bordo parece uma prova cabal de que alguma coisa muito errada está acontecendo. Quando o barulho passa e o avião não cai, procuramos um novo estampido —algum outro sinal sonoro de que, dessa vez, temos razão e o avião vai cair. E, apavorados, sempre encontramos um novo som suspeito. Para cada pequeno alívio, uma nova ideia catastrófica. O medo nos leva a pensamentos catastróficos.

Já a raiva, nos coloca prontos para o combate. Para quem tem apenas um martelo, tudo se parece com um prego —e  a raiva nos empurra a martelar com insistência. Quando estamos com essa emoção, enxergamos inimigos pela frente e nossos músculos se contraem para atacar. É o que acontece quando somos fechados no trânsito e, quase sem perceber, estamos dirigindo mais agressivamente do que o babaca que nos deixou irritados.

A vergonha, por outro lado, nos coloca olhando para baixo —certos de que somos o centro da atenção de todos (e que todos estão nos julgando). Ela nos leva para o canto da festa, onde ninguém vai nos prestar atenção. E não conseguimos parar de prestar atenção em nós mesmos —"será que alguém me viu tropeçando? Todos vão achar que eu sou uma piada".

Cada emoção traz consigo uma potência de ação. Algo que ficamos mais propensos a fazer. Assim, se queremos fugir dessas ações, frequentemente impulsivas, podemos olhar para o nosso próprio corpo e para os nossos pensamentos.

Meus punhos estão fechados e eu estou mordendo meus dentes com força, com vontade de agredir alguém? Estou com raiva, ora.

Ao perceber isso, posso me afastar de todos os pensamentos que vem na esteira desse sentimento. Eles não são reflexos precisos do mundo. São o eco da minha raiva voltando aos meus ouvidos. Eu não preciso me confundir com eles. Eles não vêm de mim, mas da situação e do sentimento provocado pela situação.

Em outras palavras, reconhecer os sentimentos no corpo e na mente são os primeiros passos para percebermos que o mundo não é como estamos vendo naquele exato segundo.

O trânsito não está pior, não há nenhuma grande conspiração contra mim… Simplesmente estou atrasado.

Esse barulho no avião deve ser apenas um barulho, não estamos caindo e essa simplesmente é a cara do comissário de bordo.

Eu não quero dirigir desse jeito e colocar as pessoas que estão no meu carro ou nos carros à minha volta em risco. Toda vez que ajo com raiva, me arrependo depois.

Eu não preciso olhar para baixo e me esconder na festa. Eu conheço essas pessoas e sei que, no fundo, está todo mundo procurando uma maneira de ser admirado. Eu sou apenas mais um nessa imensidão.

Reconhecer a minha emoção é me dar a chance de pausar. Respirar fundo. E voltar para o mundo com óculos melhores. 

 

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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