É preciso quebrar o tabu

Falar sobre suicídio é a melhor forma de prevenção: veja como ajudar quem pensa em cometê-lo

Raquel Drehmer Colaboração para o UOL VivaBem

Precisamos falar sobre... suicídio

A cada 40 segundos, uma pessoa comete suicídio no mundo; no Brasil, 30 pessoas tiram a própria vida por dia.

Os números da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Ministério da Saúde mostram que é importante falar sobre o suicídio abertamente, com sensibilidade e acolhimento. Só assim a pessoa que está em uma situação limite saberá que não está sozinha, que pode contar com familiares, amigos ou com a ajuda de pessoas especializadas para atendê-la.

O tabu deve ser quebrado também para ampliar as possibilidades de prevenção. Suicídio é, hoje, uma questão de saúde pública e evitá-lo como assunto é impedir que tenhamos políticas públicas para sua prevenção.

Para os psiquiatras, iniciativas como o Setembro Amarelo --mês de conscientização sobre a importância da prevenção do suicídio -- e a gratuidade das ligações de todo o Brasil para o telefone do CVV (Centro de Valorização da Vida), o 188, são essenciais para que o país consiga cumprir a meta da OMS de redução de 10% das mortes por suicídio até 2020.

Sentimentos por trás do suicídio

O impulso de tirar a própria vida nunca é desprovido de um embate entre razão e emoção. Para chegar à tentativa e/ou ao suicídio de fato, a pessoa é motivada por sentimentos algumas vezes expostos, em outras ocasiões um pouco mais camuflados. Confira os aspectos centrais:

  • Desesperança

    Incapacidade de enxergar boas perspectivas, tendência a só ver os piores aspectos para o futuro. É um sentimento comum em épocas de crises financeiras e sociais

  • Angústia fora de controle

    Depois de avaliar o que considera ser todo seu leque de alternativas, a pessoa acredita não ter outra forma de lidar com determinada situação a não ser "desaparecendo"

  • Hostilidade

    Há quem tire a própria vida para agredir outra pessoa, gerar nela um sentimento de culpa. Nestes casos, raiva e agressividade direcionadas estão presentes de forma latente no comportamento de quem pensa em cometer suicídio

  • Desprezo social

    O isolamento, a falta de vontade de sociabilizar, de estar com a família e com os amigos ou, pelo caminho contrário, a crença em que ninguém mais se interessa pela sua existência podem estar por trás do suicídio. São sentimentos que atingem principalmente as pessoas idosas, mas também acometem quem é mais jovem

A depressão é, sem dúvida, o principal transtorno mental ligado ao suicídio, mas ela nunca age sozinha; há gatilhos envolvidos no ato de tirar a própria vida. Perda financeira, rompimento de relacionamento, desemprego, luto, crise

Rodrigo Leite, coordenador dos Ambulatórios do IPq

Depressão e suicídio

Todos os sentimentos explicados anteriormente --desesperança, hostilidade, angústia e desprezo social -- podem ser ligados ao desenvolvimento de transtornos mentais que levem ao suicídio, como a depressão e a dependência química.

Segundo uma revisão de suicídios conduzida pela OMS, pouco mais de 90% dos casos tinham relação com saúde mental: 35,8% das vítimas sofriam de transtorno de humor, como a depressão e o transtorno bipolar; 22,4% eram dependentes químicos, 10,6% eram diagnosticados com esquizofrenia, 11,6% tinham transtorno de personalidade (borderline e psicopatia, por exemplo), 6,1% apresentavam transtorno de ansiedade e 3,6% estavam com transtorno de ajustamento (depressão ou ansiedade causadas por traumas ou mudanças na vida).

A depressão é, sem dúvida, o principal transtorno mental ligado ao suicídio, mas ela nunca age sozinha; há gatilhos envolvidos no ato de tirar a própria vida. Perda financeira, rompimento de relacionamento, desemprego, luto, crises vitais e mudanças sociais são alguns deles.

Ou seja: o fato de ser diagnosticado com depressão ou qualquer dos transtornos relacionados acima, isoladamente, não tem relação direta com o suicídio. São transtornos mentais tratáveis e que também precisam ser desestigmatizados, para que os pacientes procurem ajuda médica sem sentirem vergonha por isso.

Como reconhecer um pedido de ajuda?

Antes de tentar cometer suicídio, as pessoas dão sinais de que algo não vai bem. De acordo com os especialistas, os principais pedidos de ajuda --muitos deles silenciosos -- são:

  • Grande mudança de comportamento

    Normalmente causada por perda de emprego, rompimento amoroso ou luto

  • Ideia fixa sobre o sentido da vida e da morte

    Acompanhada de frases como "Nada tem sentido", "O que faço é inútil no mundo", "Como vocês ficariam se eu não estivesse mais aqui?"

  • Posts sobre desesperança e sobre como gostaria de ser lembrado

    A carta de suicídio, atualmente, se estende às redes sociais

  • Consumo repentino de álcool e/ou drogas ilícitas

    Pode ser uma tentativa de abafar os sentimentos que levam ao suicídio ou de tomar coragem para cometer o ato

  • Isolamento social profundo

    A pessoa não atende telefone, não responde mensagens de Whatsapp, não sai para sociabilizar, falta ao trabalho sem explicação

  • Automutilação

    Cortes e queimaduras nos braços e nas pernas são formas de mudar o foco da dor (de uma dor da alma para uma dor física)

  • Piora no desempenho escolar ou profissional

    As notas baixam repentinamente, a pessoa deixa de cumprir suas tarefas no trabalho

  • Mudança na aparência

    Um desleixo notável no jeito de se vestir e de se cuidar, tanto na aparência quanto na higiene

Como posso ajudar?

Ao notar um ou alguns dos sinais de pedido de ajuda, quem é da família ou do círculo social pode estender a mão e mostrar para a pessoa que ela tem com quem contar. Fazer isso é uma tarefa delicada, então veja dicas para facilitar:

  • Dê a entender que percebeu uma mudança no comportamento ou na aparência e que anda pensando em o que a teria motivado, se está tudo bem;
  • Inicie a conversa quando tiver tempo para levá-la adiante, para não correr o risco de precisar interrompê-la abruptamente, o que pode afetar o emocional já abalado da pessoa;
  • Não menospreze a dor alheia, não minimize o que pode parecer um problema pequeno para você, mas um motivo para tirar a vida para a outra pessoa;
  • Não transforme o desabafo em uma "competição", o assunto desta conversa são as dores da outra pessoa; não compare com os seus problemas, com situações de um filme ou com quem tem "problemas maiores" no mundo ou em seu círculo social;
  • Não tente mudar o foco nem acelerar a conversa. Pode ser que algo levantado pela pessoa seja desconfortável, mas lembre-se que você está ali justamente para ajudá-la, deixe que a pessoa conduza o assunto e acompanhe o ritmo dela;
  • Não trate o desabafo como uma chantagem emocional: mesmo que seja, não é função do familiar ou do amigo definir isso; quem deve avaliar as motivações da pessoa é um profissional;
  • Incentive a cuidar da saúde mental: a decisão por procurar tratamento psicológico e/ou psiquiátrico também é um tabu em nossa sociedade --não é raro encontrar quem considere que isso seja "coisa de gente louca"; trate essa possibilidade com naturalidade, se ofereça para encontrar indicações de bons profissionais e para acompanhar nas primeiras consultas

Onde buscar ajuda

CVV - Centro de Valorização da Vida (Em todo o Brasil)

Telefone: 188

Atendimento por chat ou email: www.cvv.org.br

CAPS - Centro de Atenção Psicossocial

Em todo o Brasil

A Secretaria Municipal de Saúde local fornece informações sobre a unidade mais próxima.

GASS - Grupo de Apoio aos Sobreviventes do Suicídio

Em Pernambuco (duas unidades em Recife), Mato Grosso (Cuiabá), Distrito Federal (Brasília e Taguatinga), Rio de Janeiro (duas unidades na capital), São Paulo (Guarulhos, Sorocaba e três unidades na capital), Paraná (duas unidades em Curitiba), Santa Catarina (Florianópolis, Blumenau e Criciúma) e Rio Grande do Sul (Novo Hamburgo)

Encontros gratuitos para pessoas que tentaram suicídio, familiares e amigos. Datas e endereços dos próximos encontros podem ser consultados nos canais de atendimento do CVV.

API - Apoio a Perdas Irreparáveis

Em Minas Gerais (Belo Horizonte, Divinópolis, Montes Claros, Nova Lima, Ouro Preto e Sete Lagoas), no Espírito Santo (Vitória) e em Nova York (EUA).

Encontros gratuitos para pessoas em luto causado por suicídio. Datas e endereços dos próximos encontros podem ser consultados no site http://redeapi.org.br/

Quando o suicídio não é cometido

Os psiquiatras dividem os sobreviventes de tentativas de suicídio em dois grupos: os que se arrependem de terem procurado o ato e os que se arrependem de não terem conseguido concretizá-lo.

Quem tentou e se arrependeu são pessoas mais fáceis de ajudar, porque há ali uma predisposição a aceitar tratamento. Já quem está no segundo grupo não tende a apresentar uma abertura fácil ao socorro de quem estiver ao seu redor.

A tentativa que não deu certo é o maior fator de risco para que o suicídio seja cometido. Esta pessoa precisa receber atenção especial, para que não tente novamente, e ser encaminhada para tratamento e acompanhamento o mais rapidamente possível. Leite complementa que "a família e os amigos próximos também precisam de tratamento psicológico e orientação para cuidar desse indivíduo".

O melhor caminho para conseguir atendimento é pela rede pública. A família deve procurar a UBS [Unidade Básica de Saúde] mais próxima de sua residência e, se aquela não for a unidade de referência, que em geral tem profissionais de saúde mental, haverá o encaminhamento para o local ideal. Nessas unidades, ele conta, há núcleos de prevenção à violência --neste contexto, a tentativa de suicídio é uma autoviolência -- que oferecem auxílio tanto para o paciente quanto para seus familiares.

Suicídio na adolescência

Nos últimos quatro anos, as notificações de casos de suicídios de adolescentes no Brasil aumentaram em 12%. No resto do mundo, o problema também é crescente e já preocupa a ponto de ter se tornado o ponto principal de "13 Reasons Why" uma das séries mais populares da Netflix no último ano. Mas o que leva pessoas no desabrochar das oportunidades a desistirem da vida?

A sobrecarga da rotina, com muitas atividades de estudo ou profissionais, e o isolamento causado pela vida virtual como os fatores mais significativos atualmente. A sociedade é cada vez mais individualista e competitiva, os laços sociais e os contatos reais dos adolescentes diminuíram. Isso aumenta o risco de desenvolvimento de doenças mentais e de suicídio neste grupo.

Eles também destacam o aumento no consumo de álcool e de outras drogas ilícitas e a intolerância à frustração como um gatilho para o suicídio na adolescência. É uma geração com bastante dificuldade para lidar com o "não".

Os pais devem estar atentos tanto aos pedidos de ajuda explicados anteriormente quanto aos sinais de alerta típicos dos adolescentes. Além do desempenho escolar, é importante observar os sintomas de depressão desta faixa etária, que podem ser um pouco diferentes daqueles dos adultos. Adolescentes com depressão tendem a demonstrar muita irritabilidade e isolamento.

Ao notar algo nesse sentido, a recomendação dos especialistas é procurar abrir um canal de comunicação com os filhos, conversar e oferecer ajuda. Caso o adolescente mostre resistência, buscar auxílio profissional de psicólogos e psiquiatras é o próximo passo. O adolescente precisa sentir a segurança de que não está sozinho.

Fontes consultadas: Humberto Corrêa, psiquiatra e presidente da Associação Latinoamericana de Suicidologia e da Associação Brasileira para o Estudo e a Prevenção do Suicídio; e Rodrigo Leite, psiquiatra e coordenador dos Ambulatórios do IPq (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP).

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