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Estudo com ratos diz que Parkinson começa no intestino; em humanos também?

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Gabriela Ingrid

Do UOL VivaBem, em São Paulo

27/06/2019 17h48

Uma nova pesquisa realizada em ratos descobriu que o Parkinson se origina nas células do intestino e viaja até o cérebro, causando os sintomas comuns à doença. Os cientistas da Universidade Johns Hopkins, responsáveis pelo estudo, publicado na quarta-feira (26) no periódico Neuron, afirmam que essa é a primeira evidência experimental da origem do problema. Mas será que o mesmo vale para humanos? Se sim, isso é um passo importante para a cura da doença?

André Felício, neurologista da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, pede cautela com estudos em camundongos. "Nem sempre os estudos em modelos animais, principalmente roedores, podem ser transportados para seres humanos", diz ele. Em animais primatas (como macacos), a comparação é mais fácil, devido à semelhança biológica.

Mas isso não descarta a importância do estudo em questão. "A ciência está repleta de teorias e drogas que funcionaram em roedores, mas nunca funcionaram em humanos. Quanto a este estudo, entretanto, eu sou mais otimista, acho que o roedor neste caso reflete o que sabemos que ocorre no paciente com Parkinson", afirma o médico.

Fábio Porto, neurologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, conclui que, óbvio, o corpo humano é diferente do de ratos, mas que a pesquisa com animais é essencial para chegar a evidências importantes sem ser antiético. "Não podemos injetar a proteína que tem alguma relação com o Parkinson em uma pessoa, por isso usamos camundongos. Não é uma evidência definitiva, mas a ciência é feita assim. Pequenas evidências que juntas constroem um quebra-cabeça", explica.

Segundo Porto, as descobertas nos ratos alimentam uma hipótese antiga de que a doença realmente tem algo a ver com o intestino: "Já é sabido que os primeiros sintomas do Parkinson, antes do tremor, da rigidez e do movimento lento, são a perda do olfato e a constipação intestinal. Talvez a nova pesquisa ajude a explicar, no futuro, este último sinal".

Desde 2003, quando saiu o primeiro estudo citando essa relação, os cientistas tentam achar alguma evidência para essa relação entre o intestino e a doença. De acordo com Ted Dawson, professor de neurologia da faculdade de medicina de Johns Hopkins e coautor da pesquisa, a atual pesquisa realmente fornece a primeira evidência experimental de que o Parkinson pode começar no intestino e subir até o cérebro.

Tomar probióticos quando a saúde do intestino está fragilizada pode não ser uma boa ideia  - Getty Images - Getty Images
Desde 2003, estudos levantam a hipótese de que o Parkinson tem alguma relação com o intestino
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Segundo ele, o uso de ratos se justifica por esse animal ser um modelo realmente preciso e que pode ser usado para elaborar mecanismos e testar terapias. "Estas descobertas fornecem mais uma prova do papel do intestino na doença de Parkinson, e nos dão um modelo para estudar a progressão da doença desde o início".

Perto da cura?

Realmente, saber onde se originam as proteínas causadoras da doença facilita na busca por terapias eficazes, mas ainda falta muito para chegarmos a esse ponto.

No experimento, por exemplo, o sistema olfatório dos animais não foi afetado, mesmo vários meses após a injeção da alfa-sinucleína malformada em seu intestino. Além disso, só ter aglomerados da proteína no cérebro não significa que a pessoa terá sintomas do Parkinson.

"Por essas características que ainda faltam ser explicadas, não posso dizer que a descoberta é uma certeza de cura. Mas ela é, sim, relevante para entender em partes a fisiopatologia do problema. O primeiro passo é entender qual o alvo da terapia, e por isso o estudo pode fortalecer a ideia de que uma das vias inicias do Parkinson fica no intestino. A cura só vem com a certeza", diz Porto.

Simulação em ratos

Nos testes, os cientistas injetaram 25 microgramas de alfa-sinucleína sintética nas entranhas de dezenas de camundongos saudáveis. É justamente o acúmulo dessa proteína que caracteriza o Parkinson. À medida que elas começam a se aglomerar, os tecidos nervosos morrem, prejudicando a capacidade de uma pessoa se mover e pensar.

Os pesquisadores coletaram e analisaram o tecido cerebral dos camundongos após um, três, sete e 10 meses da injeção. Ao longo do experimento, eles viram evidências de que a alfa-sinucleína começou a se aglomerar onde o nervo vago --um feixe de fibras que começa no cérebro e transporta sinais para muitos dos órgãos do corpo--.se conectava ao intestino e continuava a se espalhar por todas as partes do cérebro.

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Geralmente, os sintomas do Parkinson incluem tremores involuntários, movimento lento, rigidez e perda de equilíbrio
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Após essa descoberta, os cientistas realizaram um novo experimento, mas dessa vez cortaram cirurgicamente o nervo vago de um grupo de animais e injetaram no intestino dos bichos a alfa-sinucleína. Sete meses depois, eles perceberam que os ratos com nervo vago decepado não mostraram nenhum sinal de morte celular. "O nervo cortado pareceu interromper os avanços da proteína", diz Dawson.

Por fim, ao analisarem o comportamento de todos os grupos de animais, os pesquisadores notaram que os bichos que receberam a proteína e tinham o nervo intacto, não conseguiam ter habilidade motora como antes. Já os com o nervo cortado tiveram habilidades semelhantes às do grupo controle.

No geral, os resultados mostram que a alfa-sinucleína pode ser transmitida do intestino para o cérebro em camundongos ao longo do nervo vago, e bloquear a rota de transmissão pode ser a chave para prevenir as manifestações físicas e cognitivas do Parkinson. "Esta é uma descoberta emocionante para o campo", diz Dawson.

Felício afirma que a teoria intestino-cérebro já é bem conhecida, mas conseguir provar que ela de fato ocorre, por exemplo, em modelos animais, abre a possibilidade para novos tratamentos que impeçam a propagação da alfa-sinueína do intestino (via nervo vago) para o cérebro e abre a possibilidade de um melhor entendimento da fisiopatologia da doença.

Agora, os pesquisadores planejam explorar quais partes do nervo vago permitem que a proteína suba até o cérebro e investigar possíveis mecanismos para impedi-la.

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