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Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Como construir relacionamentos mais próximos? Especialistas dão dicas

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Imagem: iStock

Priscila Aiulo Haikal

Colaboração para o UOL VivaBem

20/06/2019 04h00

"Não temos wi-fi. Conversem entre si". O recado na parede de bares e restaurantes indica a preocupação recorrente de muitas pessoas em permanecerem online, mesmo quando acompanhadas. Já houve até campanhas de desconto em estabelecimentos para clientes que desligassem o celular. Afinal, não é raro ver situações onde a atenção dada ao dispositivo parece ser maior do que para quem está em volta.

Há quem diga que isso acontece pois estamos com dificuldade de nos relacionar além das mídias sociais. Outros consideram um traço natural ter mais interesse em si próprio e argumentam que as novas tecnologias só têm deixado esse aspecto mais evidente. Independente da forma ou do canal, o ser humano tem um desejo inerente em se comunicar e conectar socialmente. A vontade de estabelecer vínculos é biológica e está ligada com a noção de sobrevivência.

Mas em tempos de estímulos e respostas cada vez mais rápidas, como se dedicar para estabelecer uma relação efetivamente próxima? É preciso se desligar das conexões digitais para se conectar profundamente com o outro?

Fala que eu te escuto, e retribuo

Na opinião do psicólogo clínico especializado em relacionamentos Ailton Amelio da Silva, uma boa conversa pode ser a saída para conseguir ter laços mais íntimos.

"É aquela que corre fácil, os assuntos surgem naturalmente, a passagem de um tema para o outro acontece de uma forma imperceptível, perde-se a noção de tempo. Tudo isso faz com que seja entendida como prazerosa e envolvente, efeitos resumidos pela sensação de que há afinidade entre os envolvidos."

Para chegar nesse estágio, o escritor e professor aposentado do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) destaca que é importante começar pela alternância nos papéis de ouvinte e falante. É manter uma escuta atenta e interessada, e dar retorno sem interromper e nem se colocar superior ao outro. É dar validade por meio da aceitação, ao tentar não julgar e buscar entender o ponto de vista do outro. Compartilhar intimidades também ajuda nesse processo que serve para despertar confiança.

Eu estou aqui, o que é que há

Um bom diálogo é essencial para ter uma relação saudável. Mas mesmo seguindo as orientações já citadas, há quem não consiga transpor a verborragia online (mesmo que seja em troca de memes e figurinhas) para as conversas presenciais. Isso acontece pois estamos nos desacostumando a ter contato com o outro, de acordo com Joana de Vilhena Novaes, psicanalista e professora do programa de pós-graduação em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Uva (Universidade Veiga de Almeida).

"Ao estabelecer relações por meio da tecnologia, posso escolher o quanto eu quero conviver com o outro. Além de poder deletar e romper a conexão a qualquer momento, sem dar satisfação. É uma troca com pouco vínculo e quase nenhum compromisso. Diferente de quando estamos cara a cara com a pessoa, pois a exposição é muito maior e há exigência de uma resposta constante."

A presença demanda que haja diferentes tipos de interações, aumentando a chance de intimidade. Estar presente é um exercício de se abrir e se colocar disponível para o outro. Por mais arriscado que pareça, faz parte da prática para conseguir uma aproximação efetiva.

Visão além do alcance

A psicanalista destaca também que as conexões emocionais vêm ficando cada vez mais desgastadas por causa da nossa falta de capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, o que reverbera em como interpretamos e devolvemos (ou não) o que nos é dado.

Estamos inseridos em um contexto de superficialidade, reforçado pelas redes sociais, onde a imagem do sujeito é o centro das atenções e a aproximação acontece por interesses em comum (mais do que por valores). "O narcisismo em excesso embaça a visão e percepção do outro", afirma.

Isso resulta em menos tolerância com a diferença e menor capacidade para lidar com frustrações. Quando me deparo com algo que não gosto ou concordo, eu anulo ou descarto o outro. Para evitar essa rigidez no trato, é necessário ter um olhar mais bondoso, compreensivo e generoso.

A dica é dar menos enfoque nas autorreferências e buscar entender o estado emocional da pessoa. Imaginar e reconhecer a complexidade dela, que é resultado de uma somatória de experiências diferentes das nossas.

Bom pra mim, bom pra você

Aprender a conviver com esses aspectos não é fácil e faz parte de um processo de autoaceitação e autoconhecimento. Só é possível compreender as emoções e sentimentos do outro ao entender as nossas próprias reações. Esse exercício costuma ser feito em análises e tratamentos psicológicos, que vão ajudar o paciente a identificar comportamentos e traços da personalidade, para ter maior consciência sobre os próprios valores.

"Dificilmente vamos ter um olhar generoso se não nos tornarmos mais flexíveis. É buscar uma postura mais tênue, ao humanizar o outro e evitar classificações como certo ou errado. Ou seja, é sair do julgamento para entrar numa dimensão da compreensão", destaca Maria Luisa Valente, professora aposentada pelo departamento de psicologia da UNESP.

A imperfeição pode ser interessante em algumas situações. Ao ampliar o nosso entendimento e sermos menos críticos com os outros, deixamos de cultivar sentimentos que nos afastam e limitam, como ciúme, tristeza e angústia, para dar espaço à ternura, carinho, tranquilidade e disponibilidade, que mostram abertura e interesse em se dedicar ao outro.

Manter a chama da tecnologia acesa

Para o psiquiatra e psicoterapeuta Alfredo Simonetti, também é possível demonstrar e praticar esses sentimentos todos por meio das interações digitais. O especialista lembra que os níveis de envolvimento variam conforme os tipos de pessoa e que é uma questão de tempo até aprendermos a usar a tecnologia de modo a estabelecer relações mais íntimas.

"Costumo fazer a comparação com o início do uso do fogo, descrito em um romance inglês da década de 1960. No começo também houve resistência, achavam que seria um perigo para a espécie pela chance de poder incendiar as peles usadas como cobertas dentro da caverna. Dominamos o recurso de tal maneira que hoje reduzimos ele a um palito de fósforo. Acredito que o fenômeno da adaptação deve se repetir com os recursos tecnológicos."

O especialista defende que estamos passando por uma modificação no laço social que ainda será melhor compreendida e desfrutada, e a define como mobilidade afetiva. Para ele, relações mais profundas dependem de sorte e de casualidade, já que conseguimos controlar o nosso comportamento, mas não o sentimento dos outros. "O importante é mostrar-se disponível", sintetiza.

Coragem para o primeiro passo

Menos confiante na força do destino, o psicólogo clínico Ailton Amelio da Silva acredita que o maior segredo é buscar aproximação sem amarras, aberto para o que pode acontecer. Muitas vezes não tomamos nenhuma atitude por ter a "certeza" do que iremos encontrar.

"É preciso lançar mão dos chavões: sei muito bem do que ele gosta, não adianta contrariar, não vou me arriscar. Isso tudo pode ser visto como medo de se expressar e acaba tornando as relações chatas."

Crenças enraizadas fazem com que não nos comuniquemos de verdade, o que tira a espontaneidade e a vivacidade dos relacionamentos. Permita-se e junte-se ao outro!

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