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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Youtubers têm dificuldade em lidar com alcance; como fica a saúde mental?

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Imagem: iStock

Rodrigo Lara*

Colaboração para o UOL VivaBem

29/03/2019 04h00

Resumo da notícia

  • A fama repentina que alguns youtubers alcançam pode ter repercussões na sua saúde mental
  • Mistura da vida real com a virtual e os haters são alguns dos impactos negativos da fama virtual
  • Educação sobre a internet é fundamental para evitar problemas como esse

"A carga psicológica que tantos seguidores causam é grande". É assim que a youtuber Luiza Junqueira, responsável pelo canal Tá Querida responde a questão sobre como a responsabilidade de ter mais de meio milhão de pessoas inscritas no seu canal acaba afetando a sua vida. No mês de fevereiro, ela e youtuber Jout Jout (que tem mais de 2 milhões de inscritos) gravaram um vídeo falando um pouco sobre os impactos dessa exposição e afirmando que "os youtubers estão [todos] enlouquecidos".

Por um momento isso pode parecer estranho, afinal quem não gostaria de ser famoso? "Todos nós queremos de alguma forma ter o reconhecimento dos nossos pares. Um estudo de 2013 mostrou que quanto maior a necessidade de pertencer ao grupo social, maior a associação e frequência da pessoa fantasiar se tornar famoso", explica a psicóloga Graça Maria Oliveira, supervisora do Serviço de Psicologia e Neuropsicologia do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

No entanto, tornar-se conhecido repentinamente, principalmente por não haver uma preparação para essa fama, pode trazer problemas quando a pessoa tenta se ajustar à nova realidade. "Isso pode causar um transtorno adaptativo, em que você não consegue lidar com a situação em que você se encontra", considera a psicóloga Cristina Borsari, da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo. Ela explica que os sintomas são bem semelhantes à ansiedade e depressão, envolvendo falta de apetite, desmotivação e afetando sua sociabilização e comportamento. E isso é pior se a pessoa não está fortalecida e não sabe lidar com as suas frustrações.

Claro, não podemos afirmar que todos os youtubers estão passando necessariamente por isso. Mas as questões que envolvem o que falam sobre você na internet são bastante delicadas. O psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Núcleo de Terapias Virtuais (SP) e do Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo e blogueiro do UOL VivaBem, ressalta como o cérebro humano é muito sensível às situações que envolvem avaliação pessoal. "Por isso mexe tanto com a gente a perspectiva de uma validação dos outros em grande escala", considera.

Dando a cara à tapa

Nilce Moretto e Leon Oliveira, do canal Coisas de Nerd - Pedro Amora - Pedro Amora
Nilce Moretto e Leon Oliveira, do canal Coisas de Nerd
Imagem: Pedro Amora
E falando em avaliação, na internet é muito comum que o anonimato permita que as pessoas falem o que elas não diriam normalmente e com isso os julgamentos e críticas se tornam cada vez mais ácidos. Por isso, pessoas que se tornam públicas nesse espaço sofrem com os comentários de quem continua desconhecido, afinal elas estão lá no vídeo, dando a cara à tapa.

Quem frequentemente encara o desafio citado acima é o casal Nilce Moretto e Leon Oliveira. Responsáveis pela produtora Coisa de Nerd --que tem um canal homônimo e também o vlog Cadê a Chave? -- eles acumulam mais de 12 milhões de seguidores em suas plataformas.

Para Leon, o segredo é saber em quais feedbacks focar, e as métricas que o YouTube dá sobre os vídeos ajuda bastante nesse sentido. "As vaias e os aplausos virão, com certeza. Mas o ideal é não depender deles, nem pra continuar trabalhando, nem pra se autoavaliar e fazer as mudanças que sempre são necessárias".

Há, claro, momentos nos quais o conceito de "crítica" é levado ao extremo e, muitas vezes, extrapolado. A internet é pródiga em propagação de ódio e quem sentiu isso na pele foi Luiza.

Eu já passei por ataque de 'haters'. Já tive vídeo meu sobre depilação indo parar em comunidades antifeministas, tendo quase 5 milhões de visualizações só nesse grupo e 20 mil comentários me xingando muito. Fiquei supermal por isso, a gente acaba absorvendo essas coisas e machuca ler muito ódio direcionado a vocêLuiza Junqueira

Hoje, Luiza aprendeu a ignorar essas situações, mas nem sempre isso é simples.

De acordo com Oliveira, uma boa forma de se manter imune a esse lado ruim da fama é participar de atividades que ajudem a relaxar e tirar o foco do lado profissional. "Investir no equilíbrio emocional é fundamental. Isso pode ser feito por meio de processo terapêutico, por 'válvulas de escape', como exercícios e meditação ou garantir que uma parte da vida fique fora do foco na fama. A pessoa precisa de oxigenação fora desse ciclo relacionado à fama, mas esse 'oxigênio' é algo muito pessoal".

Vida pessoal x vida no canal

Luiza Junqueira, do canal Tá Querida - Divulgação - Divulgação
Luiza Junqueira, do canal Tá Querida
Imagem: Divulgação
Uma das fronteiras mais difíceis nesses casos é a separação do que é vida real e do que exibir na internet. Em parte isso ocorre porque quem aparece nos vídeos não costuma ser a pessoa real, e sim um personagem, o que Nabuco chama de "personalidade eletrônica".

"Se a pessoa posta algo muito engraçado, mas isso não é da personalidade dela, ela entende que precisa continuar fazendo aquilo e em determinado momento elas se desligam do que elas são na vida real", explica. Isso pode causar um conflito de identidades, e acontece bastante com personalidades da televisão.

No caso dos youtubers, isso pode chegar a um ponto em que o dia a dia da pessoa é afetado. "Sem privacidade, atividades diárias acabam tendo que ser planejadas e há o risco de se viver em função de agenciadores e daquilo que os seus fãs querem", ressalta Borsari. Luiza mesmo comenta no vídeo que fez com Jout Jout que manteve os cabelos coloridos por mais tempo do que gostaria, pois sentia que isso ajudava a impulsionar seus vídeos, já que as cores vibrantes destacavam as miniaturas que são exibidas no YouTube.

Já Leon e Nilce têm a vantagem de não viverem no Brasil, e por isso só lidam com seus seguidores nas redes sociais. "Para nós, os limites entre profissional e pessoal são bem claros. Nós conseguimos criar essa divisa que separa o fato de tornar públicos os nossos interesses e preservar nossa privacidade", diz Leon.

Luiza, mesmo tendo um canal menor, sentiu impactos em sua privacidade e hoje ela decidiu colocar mais o pé no freio. "Eu percebi que não preciso, necessariamente, ser tão conhecida para impactar as pessoas. Além disso, eu não me sentia confortável com a fama, então dei uma desacelerada no crescimento para entender qual caminho seguir", relata.

Preparação é fundamental

Uma vantagem que o casal do Coisas de Nerd apresenta é justamente terem construído sua audiência aos poucos, já que eles começaram em 2009. Para Nilce, essa experiência e o ritmo menos abrupto de crescimento acabaram se tornando fundamentais na hora de lidar com o alcance do trabalho. "Ter uma audiência crescendo de maneira sustentável e não como uma explosão tornou tudo muito natural e orgânico. Nós já éramos adultos quando ficamos mais conhecidos. Já estávamos casados e tínhamos uma bagagem que nos permitiu ser mais 'pé no chão'."

O apoio que um dá ao outro também pode ser destacado. Borsati reitera como a educação sobre a internet desde criança é importante, para que elas se tornem adultos que utilizem a internet de uma forma mais racional e não emocional. "Não é só aprender a usar uma mídia social, mas mostrar o que pode acontecer se você se jogar na rede e começar a dar opiniões".

*Colaborou Nathalie Ayres

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