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Em alguns casos, talvez seja melhor não fazer uma cirurgia robótica

As cirurgias minimamente invasivas pioraram alguns casos de câncer - iStock
As cirurgias minimamente invasivas pioraram alguns casos de câncer Imagem: iStock

Roni Caryn Rabin

Do New York Times

16/03/2019 04h00

A cirurgia robótica nunca foi aprovada para mastectomia ou qualquer outro tratamento relacionado ao câncer, mas isso dificilmente atrapalha os médicos no centro cirúrgico. O equipamento é amplamente utilizado para operar pacientes com várias malignidades, do câncer de mama ao câncer de próstata.

Porém, há muito tempo, há um questionamento sobre a qualidade do treinamento dos médicos com as máquinas e se os dispositivos são melhores para os pacientes do que os métodos tradicionais.

Agora, a Administração de Alimentos e Drogas (FDA) advertiu que não há evidência de que pacientes com câncer que passaram por procedimentos robóticos vivem mais do que aqueles que foram submetidos aos tradicionais. E algumas pesquisas mostram que, para pacientes com câncer cervical, os primeiros foram os piores.

"Queremos que médicos e pacientes estejam cientes da falta de evidências de segurança e eficácia desses usos, para que possam tomar decisões mais bem informadas sobre seu tratamento e cuidados com o câncer", disse a dra. Terri Cornelison, diretora-adjunta da saúde feminina no Centro de Dispositivos e Saúde Radiológica da agência.

Os sistemas robóticos estão no mercado há mais de 15 anos e têm sido usados em cirurgias de câncer durante boa parte desse tempo. A torre da máquina, que é posicionada sobre o paciente, se parece um pouco com um androide de múltiplos braços da série "Star Wars". Três de seus braços prendem dispositivos cirúrgicos, enquanto um quarto prende uma câmera.

Os braços do robô são controlados por um computador, replicando os movimentos do cirurgião, que manipula os controles enquanto olha para um monitor com uma imagem ampliada e de alta definição do local da operação.

A FDA observou os resultados de dois estudos publicados no ano passado no periódico "New England Journal of Medicine".

Um deles era um ensaio clínico que foi interrompido precocemente depois que os pesquisadores descobriram que mulheres com câncer cervical que haviam feito histerectomias minimamente invasivas, incluindo procedimentos auxiliados por robôs, tiveram quatro vezes mais recidivas de câncer e seis vezes mais mortes, comparadas com as que passaram pelo procedimento tradicional.

Essas descobertas foram especialmente marcantes porque a cirurgia, uma histerectomia radical, geralmente cura pacientes com câncer cervical, disse o dr. Pedro T. Ramirez, principal autor do trabalho e diretor de pesquisa cirúrgica minimamente invasiva no Centro de Câncer M. D. Anderson, em Houston.

Um segundo estudo financiado pelo Instituto Nacional de Saúde (NIH) usou um banco de dados para comparar os resultados de 2.461 mulheres com câncer cervical que tiveram diferentes tipos de cirurgia. Quatro anos após a operação, 9,1 por cento daquelas que foram submetidas a cirurgia minimamente invasiva tinham morrido, em comparação com 5,3 por cento das que passaram pela cirurgia aberta.

No entanto, muitos médicos continuam a recomendar a cirurgia robótica aos pacientes, apesar da evidência de problemas. "Vários cirurgiões me disseram: 'Não consigo encontrar uma falha em seu estudo, mas também não consigo parar de fazer isso'", disse Ramirez.

O próprio departamento de Ramirez parou de fazer histerectomias radicais minimamente invasivas em outubro de 2017, quando os resultados do primeiro estudo foram confirmados.

"Acho que o mais importante é cuidar do paciente", disse ele. "Não se trata da quantidade de tempo que você dedicou a seu treinamento ou a seu ego. É uma questão de câncer, e de haver uma alta probabilidade de ele voltar se a cirurgia for feita com essa abordagem."

Não está claro por que os resultados do câncer cervical foram piores após as cirurgias minimamente invasivas. Ramirez sugeriu que os instrumentos usados para manipular o colo uterino e o útero podem causar a propagação de células cancerosas.

Outra possibilidade é que o dióxido de carbono bombeado para o abdômen durante procedimentos robóticos e outros minimamente invasivos - que garante espaço de trabalho e visualização para o cirurgião - pode aumentar a probabilidade de implantação de células cancerosas, disse Ramirez.

O aviso da FDA não se limitou ao câncer cervical: os dispositivos cirúrgicos robóticos não têm seu uso autorizado na prevenção ou no tratamento de qualquer tipo de câncer, nem são aprovados para a mastectomia (remoção da mama), disse a agência.

A FDA também pediu que os prestadores de cuidados de saúde "completem a formação adequada" necessária para a realização de cirurgia robótica, e pediu aos pacientes que perguntem aos médicos sobre sua formação e experiência, bem como sobre a situação de outros pacientes.

Em 2000, a agência permitiu a venda de um dos primeiros sistemas de cirurgia robótica, o Sistema Cirúrgico da Vinci, sob um processo denominado "notificação de pré-comercialização", que é frequentemente usado para lançar dispositivos médicos no mercado sem os testes rigorosos de segurança e eficácia necessários para novos medicamentos.

Sob a notificação de pré-comercialização, os dispositivos são liberados para uso com base no fato de que são semelhantes aos já disponíveis. O sistema da Vinci é liberado para alguns procedimentos urológicos e ginecológicos, entre outros.

Um dispositivo robótico similar, o Sistema Cirúrgico Senhance, foi aprovado para a cirurgia ginecológica e colorretal, entre outros procedimentos.

Mas a eficácia de um ou outro sistema para o tratamento do câncer não foi avaliada pelo FDA. E nenhum deles foi liberado para a mastectomia, situação em que são frequentemente usados.

A agência disse que sua aprovação foi "baseada na avaliação do dispositivo como uma ferramenta cirúrgica e não incluiu a avaliação de resultados relacionados ao tratamento do câncer". Foram feitas análises de dados de curto prazo com os resultados, disse uma porta-voz, não com os dados de longo prazo, importantes para pacientes com câncer.

Então, por que essas máquinas são permitidas em cirurgias de câncer? De acordo com uma porta-voz, a FDA não regula a prática da medicina.

"Se um médico determinar que é apropriado usar um produto previsto, não regulamos isso. No entanto, nesse caso, estávamos preocupados com periódicos científicos e reportagens revelando usos não previstos", disse ela.

Muitos cirurgiões alardeiam os benefícios da cirurgia robótica, com suas incisões menores, dizendo que os procedimentos trazem períodos de recuperação mais curtos, menos dor ou perda de sangue e menos cicatrizes e infecções.

Essas são medidas importantes, disse Ramirez. Mas "se você disser a um paciente que ele poderá ficar no hospital um ou dois dias mais, em vez de ir para casa no mesmo dia, mas que haverá uma maior probabilidade de o câncer voltar, o que você escolheria se fosse o paciente? Claro, você ficaria mais tempo no hospital."

Propostas para realizar outro ensaio clínico para testar os resultados do câncer cervical seriam antiéticas, disse Ramirez, porque os resultados do primeiro estudo foram claros.

Os médicos que continuam a usar abordagens robóticas e minimamente invasivas para o tratamento do câncer, "em face das evidências, podem estar correndo perigo legal", disse o dr. Michael Carome, diretor do grupo de pesquisa em saúde da Public Citizen, uma organização de defesa do consumidor.

Os pacientes podem não ser os únicos apanhados de surpresa pelo aviso da FDA. Funcionários da Intuitive Surgical, fabricante do sistema robótico da Vinci, acreditavam que seu dispositivo estava liberado para histerectomias radicais e remoção da próstata. Esse último procedimento só seria feito em caso de câncer.

"Contatamos a FDA para esclarecimento", disse Peper Long, porta-voz da empresa.