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"Comprar comida para um filho alérgico é como fazer investigação policial"

Se você tem alergias precisa ficar atento antes de colocar produtos no carrinho - Demetrius Freeman/The New York Times
Se você tem alergias precisa ficar atento antes de colocar produtos no carrinho Imagem: Demetrius Freeman/The New York Times

Eric Athas

The New York Times

06/02/2019 04h00

Fazer compras para alguém que tem alergia a certos alimentos é como fazer uma investigação policial. Cada produto tem de ser criteriosamente investigado. Rótulos são examinados, cada ingrediente estudado.

Como meu filho Alexander, de 5 anos, é alérgico a amêndoas e avelãs, minha esposa e eu passamos muito tempo decifrando rótulos de alimentos. Se deixamos passar alguma coisa, uma palavra que seja, arriscamos uma reação alérgica.

Embora seja lei nos Estados Unidos que os fabricantes incluam alertas de alergênicos em alimentos pré-embalados, nem sempre fica claro se o produto contém alergênicos ou não. A norma não abrange todo tipo de alimento, nem os casos em que haja apenas vestígios de alergênicos.

O supermercado é um lugar confuso e arriscado para minha família e milhões de outras: aproximadamente 8% das crianças têm alergia a algum alimento. Por isso, decidi entender melhor os alertas sobre alergênicos e os problemas que o consumidor enfrenta. E aprendi o seguinte:

Alertas para alergênicos específicos

Em 2004, o Congresso aprovou a Decreto para Rotulagem de Alimentos Alergênicos e Proteção ao Consumidor, uma cartilha para fabricantes. Eles devem colocar um aviso especial na embalagem de alimentos, caso estes contenham certos alergênicos em sua composição: leite, ovos, peixe, mariscos, amendoim, soja e qualquer tipo de noz.

Se eu pegar um pacote de biscoitos na prateleira do mercado, talvez ache um alerta especial impresso próximo à lista de ingredientes - "contém amêndoas" -, pois a amêndoa faz parte da família das nozes. Caso não haja aviso, posso ter certeza de que o produto não foi feito com amêndoas.

- Mas alguns alergênicos não aparecem no rótulo

O gergelim é a nona maior causa de alergia alimentar entre adultos nos EUA, mas foi deixado de fora da lista dos principais alimentos alergênicos nas normas de rotulagem aprovadas pelo Congresso.

Os fabricantes não são obrigados a incluir um aviso de "contém gergelim". Ele pode muito bem-estar escondido entre os "sabores naturais" ou "condimentos" na relação dos ingredientes.

Madeline L. Whitney, de 18 anos, caloura da Universidade de Notre Dame e alérgica a gergelim, reclama que não pode mais confiar no que está escrito nos rótulos.

Numa manhã de outubro passado, Whitney comeu uma barrinha de proteínas antes de uma prova de estatística. Conferiu o rótulo, que dizia "sabores naturais" entre os ingredientes. Mas não gergelim.

Ao iniciar a prova, começou a perceber sinais de uma reação anafilática e começou a preparar uma injeção de epinefrina.

Segundo Whitney, sua língua de repente ficou totalmente inchada e a garganta se fechou. A reação foi tão severa que ela foi parar no ambulatório da universidade, onde tiveram de lhe injetar duas doses de epinefrina.

Por causa de relatos como esse, grupos de interesse vêm exigindo a inclusão do gergelim na rotulagem.

A FDA (agência de controle de alimentos e medicamentos) está considerando se deve adicionar o gergelim à lista dos principais alergênicos.

Lisa G. Gable - diretora executiva da Food Allergy Research & Education, uma organização sem fins lucrativos sediada em McLean, Virgínia - afirma que os rótulos deveriam incluir o gergelim na relação dos principais alergênicos.

Essa inclusão já é obrigatória no Canadá, na União Europeia e na Austrália.

- É difícil identificar vestígios de substâncias

Aqui a coisa se complica ainda mais. Mesmo que meu pacote de biscoitos não inclua um dos rótulos obrigatórios de advertência, ainda pode conter algum alergênico.

Suponhamos que, durante a fabricação, meus biscoitos tenham sido colocados na mesma esteira transportadora usada para os biscoitos de amêndoa. Vestígios de amêndoa talvez tenham penetrado em meus biscoitos supostamente sem amêndoas.

É o que chamam de "contaminação cruzada". E não há forma de saber se isso aconteceu. O governo federal não exige que o fabricante inclua no rótulo a possível contaminação cruzada com alergênicos.

A partir daí, os próprios fabricantes criaram rótulos não regulamentados para alertar o consumidor sobre uma possível contaminação cruzada. Veja exemplos de alguns itens à venda:

  • Pacote de biscoito: "Pode conter amendoim ou nozes."
  • Barra de chocolate: "Fabricada com o mesmo equipamento que processa amêndoas."
  • Pão: "Feito numa padaria que pode ter usado nozes."

Breves descrições como essas - muitas vezes chamadas de "rotulagem preventiva de alergênicos" - talvez alertem o consumidor sobre alguns riscos; mas, como os rótulos não são regulamentados, o significado das palavras difere de uma empresa para outra.

Um estudo publicado em 2017 no "Journal of Allergy e Clinical Immunology: In Practice" (Revista de Alergia e Imunologia Clínica: na Prática) mostrou que o consumidor faz "avaliações de risco" com base nas palavras usadas nesse tipo de rótulo.

Afirma o dr. Ruchi S. Gupta, professor de pediatria na Northwestern Medicine em Chicago e um dos autores do estudo: "O consumidor é obrigado a decidir ele mesmo o que pode ser seguro para si ou para seus filhos com base na escolha de palavras de advertência no rótulo. Considero isso um grande problema."

- A contaminação cruzada pode causar reações

Felizmente, até hoje meu filho não teve nenhuma reação por contaminação cruzada. Mas certamente outras crianças tiveram.

Para Allison A. Ososkie, de Vienna, Virgínia, o mundo da rotulagem de alimentos é quase como uma língua estrangeira.

Seu filho Lincoln, de 2 anos, é alérgico a ovos, leite, amendoim, amêndoas, soja e mariscos. No primeiro semestre do ano passado, teve uma reação anafilática a bolachas de água e sal que podem ter sido processadas em equipamento também usado para algum laticínio.

Anna M. Francis, uma acupunturista em Wheat Ridge, Colorado, tem uma filha de 6 anos, Penelope, que é alérgica a ovos, laticínios, castanha de caju, pistache, cerejas e amoras. Em 2015, Francis achou que estava dando a sua filha uma barrinha energética segura. Chegou a ligar para o fabricante para perguntar sobre o processo de limpeza dos equipamentos.

Francis conta que a filha deu uma mordida e já teve uma reação anafilática. Ela quer que a regulamentação do governo inclua rotulagem para possível contaminação cruzada de alergênicos.

- Às vezes o rótulo está errado

Há outra coisa que deve preocupar o consumidor alérgico: embalagem incorreta. Às vezes, não é rotulado devidamente o alimento cujo processo de fabricação inclui algum dos oito alergênicos.

De acordo com dados compilados pela FDA em 2018, cerca de um terço dos produtos recolhidos do mercado envolvia alimentos pré-embalados com rótulos errados.

- A situação não é melhor na nadaria ou confeitaria

Lembra do meu pacote de biscoitos? Digamos que eu o ponha de volta na prateleira e prefira ir à padaria comprar algo recém-saído do forno. Infelizmente, o que é produzido em padarias ou confeitarias e "embalado a pedido do consumidor" não está coberto pelas normas federais de rotulagem. A embalagem do biscoito feito por um padeiro não terá rótulos de alergênicos regulamentados pelo governo federal.

- Fabricantes afirmam que segurança é prioritária

O que está escrito no rótulo de meu pacote de biscoitos - seja "contém amêndoas", "pode conter amêndoas" ou mesmo nenhuma informação - é determinado pelo fabricante.

Portanto, o que está envolvido na fabricação do alimento que vai parar nas prateleiras? E que consideração se dá aos alérgicos?

David C. Clifford - diretor de segurança alimentar da Nestlé norte-americana - afirma que o importante é adotar um "gerenciamento de alergênicos" em toda a extensa e complexa operação nas fábricas. Ele define a abordagem da empresa como "objetiva, baseada em ciência, baseada em riscos".

Para Clifford, é muito grande a responsabilidade da empresa ao disponibilizar alimento ao público, e a responsabilidade em torno do sistema se estende horizontalmente à organização toda. Também informa que sua equipe prestou treinamento sobre alergênicos a todos os funcionários.

Em comunicado, a Hershey afirma que também realiza um programa de treinamento com seus funcionários, acrescentando que o treinamento inclui vídeos de entrevistas com crianças alérgicas e suas famílias, que enfrentam diariamente o desafio de gerenciar os alergênicos no plano pessoal.

Dicas para encontrar alimentos seguros

Dado tudo que sabemos sobre rotulagem de alimentos alergênicos, aqui vão alguns conselhos.

- Evite produtos com precauções no rótulo O Dr. Scott H. Sicherer - diretor de alergia e imunologia pediátrica na Escola de Medicina Icahn, em Monte Sinai, Nova York - aconselha a não comprar alimento processado cujo rótulo tenha qualquer precaução sobre sua alergia, como "pode conter" ou "processado nas mesmas instalações que" o alergênico. Sicherer acrescenta que não se devem tomar decisões arriscadas baseadas nas palavras de precaução do rótulo, mas que se opte por 100% de segurança, evitando os produtos que possam conter o alergênico a evitar.

- Entre em contato com o fabricante Conversei com alguns pais que, em vez de ficarem tentando adivinhar o que o rótulo significa, adotam uma abordagem pró-ativa: contatam os fabricantes diretamente, mesmo que isso tome tempo. Julie V. Lunn - contadora e empresária em Havre de Grace, Maryland, cuja filha de 3 anos, Alafair, é alérgica a uma variedade de alimentos - relata que liga para algum fabricante pelo menos uma vez por mês, para se informar sobre alguma coisa.

- Encontre alimentos de locais sem alergênicos Uma forma de simplificar as coisas é buscar produtos feitos em unidades de produção livres de alergênicos. O gerente-geral da Enjoy Life Foods, Joel D. Warady, afirma que a empresa tem uma unidade assim, cujos funcionários são proibidos de levar amendoim para o trabalho e têm de usar calçados da empresa, que nunca saem da fábrica em Jefferson, Indiana.

Janice A. Harada - gerente de marketing da empresa da MadeGood Foods, sediada em Vaughan, Ontário - informa que a empresa regularmente tira amostras de mãos e de mesas para controlar os alergênicos.

Fabricantes como esses atendem à comunidade de alérgicos e gerenciam suas marcas, de modo que deixam bem claro que seus alimentos não contêm alergênicos.

E aquele pacote de biscoitos que eu procurava? Se o rótulo disser "feito numa fábrica responsável e livre de alergênicos", provavelmente é seguro para dar a meu filho.

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