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Como os parceiros ajudam no tratamento de distúrbios alimentares

Lauren Hills prepara uma refeição em sua casa, em Wilmington - Eamon Queeney/The New York Times
Lauren Hills prepara uma refeição em sua casa, em Wilmington Imagem: Eamon Queeney/The New York Times

Abby Ellin

Do New York Times

19/12/2018 08h40

A questão era pasta de amendoim. Não importava a forma --cremosa, crocante, direto do frasco ou entre duas fatias de pão--, ela acabava deixando Sunny Gold extremamente ansiosa.

De fato, a pasta era tão ameaçadora que durante seus primeiros anos de recuperação do distúrbio de alimentação compulsiva, entre 2006 e 2007, Gold, 42 anos, especialista em comunicações de Portland, Oregon, não podia tê-la em casa. Era um dos seus alimentos favoritos, e ela temia uma recaída. Só de saber que estava lá, espreitando no armário, já se sentia "insegura".

E foi aí que as coisas se complicaram muito, porque seu namorado na época, John Pavlus, nem prestava atenção em pasta de amendoim - nem em qualquer alimento. Quando Gold, autora de "Food: The Good Girl's Drug", lhe disse que aquilo precisava desaparecer para que ela permanecesse saudável, ele ficou surpreso.

"Foi um pouco desconfortável para mim no início", admitiu Pavlus, escritor e cineasta de 40 anos. Ele sabia que Gold lutava contra a compulsão alimentar desde a adolescência, mas a comida era algo que os unia. Então, quando ela decidiu que precisava "se isolar", ele sentiu que estava perdendo alguma coisa, "não tanto pela inconveniência prática, mas mais pela sensação inesperada de me sentir sutilmente desconectado dela", disse ele.

"Foi estranho ver uma parte de nossa realidade compartilhada sendo tão radicalmente redefinida - para mim. A pasta de amendoim é tão perigosa agora? Isso significa que tenho de tratá-la dessa forma também? Vai ser assim para sempre?"

A reação de Pavlus se repete com parceiros românticos de alguém com transtorno alimentar, muitos dos quais - embora certamente não todos - são mulheres. Os parceiros muitas vezes querem ajudar, mas simplesmente não sabem como.

Ou então não têm ideia de que há um problema, ou podem não reconhecer sua severidade. Isso porque os sintomas de anorexia nervosa, bulimia ou transtorno alimentar compulsivo podem facilmente passar despercebidos, mesmo que venham acompanhados por perda de peso drástica ou de uma diminuição da intimidade emocional ou sexual.

Esta última, afinal, pode acontecer em qualquer relacionamento. Quanto à primeira, muitas pessoas, especialmente os homens, não reconhecem o comportamento patológico quando se trata de mulheres e comida.

"Eu tinha um cliente que disse que tinha três irmãs e elas estavam sempre fazendo dieta e se achando gordas", disse Cynthia Bulik, professora de distúrbios alimentares na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, e diretora do Centro de Inovação em Transtornos Alimentares do Instituto Karolinska em Estocolmo. Quando a esposa do cliente desenvolveu um transtorno alimentar, ele não percebeu. Achava que o comportamento era "normal".

Em outros casos, um parceiro pode realmente não ver qualquer alteração, o que Gayle Lewis, psicóloga de Nova York que se especializou em distúrbios alimentares e trabalha com casais, chama de "conluio inconsciente". "Trabalho com anoréxicos que são extremamente magros, a ponto de necessitar de internação. Uma vez perguntei a um marido: 'Você notou que ela estava perdendo peso, ou que seu humor estava mudando?' Sua resposta consciente foi: 'Eu a vejo todos os dias, não notei nada.' A família dela não percebeu. Ninguém falou com ela sobre isso."

Quando ele descobriu a verdade, sentiu-se traído. Como qualquer vício, os distúrbios alimentares envolvem mundos escondidos que são mantidos em segredo. "A ideia é: 'Se você está mentindo sobre isso, o que mais está escondendo de mim?'", disse Lewis.

Há pouca pesquisa focada em parceiros românticos de pessoas com transtornos alimentares, mas os peritos estão reconhecendo agora como a resposta deles pode ser importante para a recuperação, e como são uma parte crucial do tratamento.

Desde o fim dos anos 90, o tratamento baseado na família, anteriormente chamado de abordagem Maudsley, era o preferido para o tratamento de crianças e adolescentes com anorexia e bulimia. Mas os pacientes adultos eram, em geral, tratados individualmente. "Nunca envolvíamos os parceiros no tratamento", disse Bulik.

Em 2006, Bulik e Donald H. Baucom, professor de Psicologia na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, decidiram fazer exatamente isso: incluir os parceiros no processo de tratamento em um estudo de 20 casais, um dos quais tinha anorexia. Os resultados mostraram melhorias encorajadoras no ganho de peso e uma diminuição da ansiedade e da depressão, juntamente com uma baixa taxa de abandono, um problema perene no tratamento de qualquer tipo de transtorno alimentar.

"Isso é realmente um resultado significativo, porque até 50 por cento das pessoas abandonam o tratamento. Não podemos tratar as pessoas se elas não vêm para o consultório", disse Bulik.

Em um estudo recente de 11 casais trabalhando com um terapeuta - este, focado em distúrbios de compulsão alimentar -, pesquisadores, incluindo Bulik e Baucom, descobriram que até o fim dos testes, após 22 semanas, 82 por cento dos pacientes tinham interrompido a compulsão alimentar, e se mantiveram assim por até três meses (os pesquisadores só tinham financiamento para três meses de acompanhamento). Eles também observaram uma grande redução na depressão, juntamente com uma baixa taxa de interrupção.

"Acho muito importante pensar que os casais lidam com o transtorno alimentar juntos", disse Deanna Linville, professora adjunta de terapia de casais e da família na Universidade de Oregon, em Eugene. "Ambos precisam descobrir qual a melhor forma de um apoiar o outro, de se conectar e se comunicar como uma equipe."

Foi o que Lauren e Brandon Hill aprenderam a fazer. Lauren Hill, 29 anos, conheceu seu marido em 2012, cerca de dois meses depois de ter completado o tratamento de internação para anorexia. Ela estava lutando com o transtorno desde os 13 anos e tinha sido hospitalizada cinco vezes por causa dele.

Ao longo dos anos, teve namorados prestativos e agressivos, como o da faculdade que lhe disse que "ninguém nunca vai te amar nem conviver com você".

Quando conheceu Brandon Hill, não sabia como ele reagiria à sua doença. Mas decidiu ser honesta. "Disse a ele que eu tinha acabado de sair do tratamento e estava consultando um nutricionista e terapeuta e tentando melhorar", disse Lauren Hill, de Wilmington, Carolina do Norte. "Ele não pareceu assustado."

E de fato não estava. Mas, segundo ele, era "ignorância". Não percebeu o enorme impacto que o transtorno alimentar tinha na vida dela, e logo teria na sua.

Por exemplo, Brandon gostava de cozinhar. Mas Lauren não queria que ninguém cozinhasse para ela. Ela precisava estar no controle de suas refeições. Sua doença "limitou nossa capacidade de ter uma variedade de alimentos em casa", disse Brandon, 32 anos, especialista em treinamento de uma empresa de software.

Isso também a impediu de ser espontânea; só se sentia confortável em certos restaurantes. Nas poucas vezes em que permitiu que Brandon a levasse para jantar, eles tiveram de pedir algo "seguro". Mas ela não se divertia, e o marido sabia disso.

O casal prepara uma lasanha para o jantar em sua casa - Eamon Queeney/The New York Times - Eamon Queeney/The New York Times
O casal prepara uma lasanha para o jantar em sua casa
Imagem: Eamon Queeney/The New York Times

"Eu sempre me sentia culpada. Queria fazer essas coisas por ele, mas algo não me deixava", disse ela.

Aos sete meses de casados, em 2013, ela se internou no Centro de Recuperação Alimentar, em Denver, por três meses.

Brandon fazia sessões telefônicas com ela e seu terapeuta, e também voou até lá para fazer terapia pessoalmente. Também frequentou grupos de apoio a cônjuges de outros pacientes, juntamente com alguns destes. Eles faziam um período de perguntas e respostas para ajudar os parceiros a lidar com seus companheiros. Ele achou útil fazer perguntas que não poderia fazer à esposa, como os fatores que podem ter contribuído para seus transtornos alimentares e por que ela tinha começado o tratamento agora.

Quando Lauren voltou para casa, o casal tentou descobrir uma maneira de fazer com que sua recuperação fosse um esforço conjunto. Nos fins de semana eles planejavam o cardápio semanal, incluindo ocasionais "refeições desafiadoras". Depois de comer, levavam o cachorro para passear ou assistiam a um filme. A ideia era "tirar o poder que alguns dos alimentos têm sobre você", disse ela. "Assim, da próxima vez, tudo seria menos assustador. É como se eu tivesse um pouco do meu poder de volta, lidando com um medo por vez."

Em novembro passado, Lauren deu à luz uma menina, algo que nunca imaginou que pudesse acontecer. O ganho de peso foi difícil, admite. "Por tanto tempo eu fora obcecada pelo controle do meu corpo, e de repente me senti descontrolada", disse ela, que agora é conselheira de saúde mental e tem um consultório particular.

Ela diz que conseguiu lidar com seus sentimentos negativos graças ao auxílio de Brandon. "Meu marido me apoia muito e me diz que sou bonita e que ama minha aparência", disse ela.

Quanto a Gold e Pavlus, eles se casaram em 2009 e têm dois filhos. Sua relação é forte, mas tiveram de descobrir algumas regras básicas sobre alimentação no início. Quando ele questionava algo que ela havia comido, mesmo que fosse um simples "Você está passando bem com isso?", ela se irritava.

"Era tipo 'Ai! você me pegou!'", disse ela. "Ou: 'Você está fazendo com que eu me envergonhe, como outras pessoas fizeram no passado? Você está tentando ser a polícia alimentar?'"

Mas, quanto mais conversavam, mais confortável ela se sentia dizendo a ele do que realmente precisava. "Eu disse: 'Obrigada, sei que você me ama, mas posso cuidar de mim mesma. Tenho o meu terapeuta. Você só precisa confiar em mim. Não me vigie, apenas esteja comigo. Você não tem a obrigação de me ajudar a não exagerar.'"

Suas respostas o ajudaram a entender o problema, e também deixaram claro que o ônus era dela, não dele.

"Nunca senti que fosse minha responsabilidade policiar certos alimentos", disse ele. "Ela pediu meu apoio para manter as escolhas. E, francamente, o 'não é necessariamente para sempre' foi reconfortante. Eu não queria imaginar que nunca iríamos curtir uma pizza ou uma sobremesa louca juntos, mas é claro que eu faria tudo que fosse preciso."

Gold ainda trabalha em seu relacionamento com o corpo e pratica a alimentação consciente diária. Ela tem "recaídas" algumas vezes por ano, quando acaba comendo compulsivamente. Às vezes, compartilha isso com o marido; às vezes, não.

A pasta de amendoim é permitida agora na casa e não somente no escritório de Pavlus, além dos doces que não ficam escondidos. Ainda pode ser preocupante, especialmente quando Pavlus está fora da cidade e Gold precisa trabalhar e cuidar dos filhos sozinha. Durante esses momentos estressantes, "não é uma boa ideia ter algo como marshmallow ou chocolate por perto", afirmou. Ela não quer se arriscar a comê-los, mas também não quer privar o marido.

Em última análise, Pavlus disse que gostava de poder ajudá-la em sua recuperação dessa maneira. "Há pouco tempo, ela me pediu que escondesse alguns marshmallows onde ela não pudesse achá-los, enquanto eu estivesse fora, em uma viagem de negócios. Fiz isso sem titubear, e com amor."