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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Tratamento para a doença falciforme se revela eficaz na África

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Imagem: iStock

New York Times

11/12/2018 14h45

Uma droga que protege as crianças em países ricos contra os ataques dolorosos e às vezes letais da doença falciforme provou ser segura para uso na África, onde a moléstia é muito mais comum, relataram recentemente os cientistas.

Mais pesquisas continuam sendo feitas, disseram especialistas, mas a hidroxiureia - uma pílula barata, eficaz e fácil de tomar - pode ser administrada com segurança a crianças africanas, com o potencial de salvar milhões de jovens da dor agonizante e da morte precoce.

"Acho que isso vai ser incrível", disse a dra. Ifeyinwa Osunkwo, que dirige um programa de doença falciforme em Charlotte, Carolina do Norte, mas que não estava envolvida no novo estudo.

"Não há atualmente nenhum tratamento na África, e muitos morrem antes dos cinco anos", disse Osunkwo, que tratou crianças nos Estados Unidos e na Nigéria. "Estamos indo do nada para um grande sucesso."

A doença, em que as células sanguíneas adotam formas semicirculares e rígidas, é causada por uma mutação genética que pode ter surgido na África cerca de sete mil anos atrás.

Aproximadamente 300 mil bebês nascem com o mal a cada ano; cerca de 75 por cento deles na África, e em torno de um por cento nos Estados Unidos.

A doença é encontrada em todas as Américas e no Caribe entre descendentes de africanos trazidos para este hemisfério pelo tráfico de escravos. A doença falciforme também é encontrada com menos frequência no sul da Europa, no Oriente Médio e na Índia.

Esses também são lugares onde a malária ainda é endêmica, ou foi até algumas décadas atrás. As pessoas que herdam uma cópia do gene estão parcialmente protegidas da malária, o que presumivelmente explica porque a mutação persistiu na África.

Mas as crianças que herdam o gene de ambos os pais ficam muito fracas por causa da anemia, têm propensão a infecções e podem ter crises quando suas células sanguíneas se aglomeram e entopem capilares no cérebro, nos pulmões e em outros órgãos.

A dor é muitas vezes tão excruciante que só opioides conseguem ajudar. O tratamento pode exigir transfusões de sangue ou, em países ricos, transplantes de medula óssea, eles próprios um grande risco.

Sem tratamento, muitas crianças morrem de derrame ou de danos a um órgão.

A hidroxiureia foi usada por décadas nos Estados Unidos e na Europa. Mas alguns dos primeiros estudos em animais fizeram os pesquisadores temer que o remédio deixasse as crianças africanas mais suscetíveis às infecções locais, particularmente a malária.

O novo estudo seguiu 600 crianças em Angola, Uganda, Quênia e República Democrática do Congo, que receberam a droga por mais de dois anos.

Como com crianças em países ricos, tomar a droga diariamente também diminuiu a probabilidade de óbito ou a necessidade de uma transfusão de sangue por causa da doença falciforme. Elas tinham quase que metade da probabilidade de sofrer crises de dor severa, e eram um pouco menos propensas a contrair outras infecções.

Em uma reviravolta inesperada, os investigadores descobriram que as crianças tinham cerca de metade da probabilidade de contrair malária enquanto usavam a hidroxiureia, como antes do início do estudo. As razões não são conhecidas.

"Com toda a malária, a desnutrição e a deficiência de vitaminas na África, não poderíamos supor que iria funcionar tão bem", disse o dr. Russell E. Ware, diretor de Hematologia do Hospital Infantil de Cincinnati e coautor do estudo apresentado em uma reunião da Sociedade Americana de Hematologia, e publicado simultaneamente no "New England Journal of Medicine".

A hidroxiureia já consta da lista de medicamentos essenciais da Organização Mundial de Saúde, está disponível em forma genérica por cerca de US$ 0,50 por comprimido e pode ser armazenada à temperatura ambiente, disse Ware.

Se esse estudo gerar interesse na compra de milhões de doses adicionais para uso na África, a droga provavelmente ficará muito mais barata, acrescentou ele.

O estudo, mesmo sendo bem amplo, teve algumas limitações.

A intenção era provar apenas que a droga seria segura para crianças de um a dez anos. Ele não foi projetado para testar várias dosagens até se encontrar a ideal, nem para definir quantos exames de laboratório são necessários para monitorar as crianças que tomam o remédio, nem para determinar os efeitos em longo prazo.

Por isso, mais trabalho será necessário, disseram os pesquisadores.

Além disso, a pesquisa foi feita sem um controle com placebo - um grupo similar de crianças que não tomou a droga. Os conselhos de fiscalização nos quatro países do teste acharam que seria antiético negar a droga a uma criança, pois se sabia que ela funcionava em outros lugares, disse o dr. Leon Tshilolo, hematologista pediátrico no Centro Hospitalar Monkole, em Kinshasa, República Democrática do Congo, e o principal autor do estudo.

Para compensar a falta de um grupo de placebo, os pesquisadores monitoraram as crianças por dois meses antes de começar a lhes dar a hidroxiureia. Isso estabeleceu a base da frequência com que as crianças normalmente sofriam crises de dor, necessitavam de transfusões e contraíam malária ou outras infecções.

Os resultados "significam que a sobrevivência será melhor mesmo em ambientes com poucos recursos", disse Tshilolo.

A hidroxiureia foi originalmente desenvolvida para combater cânceres do sangue, como a leucemia, e quem a toma deve ser monitorado para se certificar de que ela não diminui os glóbulos brancos e a contagem de plaquetas de forma perigosa.

O estudo, entretanto, usou doses diárias moderadas, e apenas cerca de cinco por cento das crianças inscritas necessitaram ter suas dosagens reduzidas porque a contagem de células sanguíneas caiu.

Em 1998, a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA) aprovou a droga para adultos americanos com doença falciforme; os pediatras logo começaram a oferecê-la de forma adaptada para as crianças, contou Ware.

Os testes provando que era segura para crianças americanas só foram concluídos em 2016, e a FDA aprovou o uso pediátrico no ano passado, abrindo caminho para um teste na África.

Durante anos, muitos americanos negros com a doença falciforme relutaram em se inscrever, ou a seus filhos, em testes de drogas, disse Osunkwo, por causa da sórdida história dos Estados Unidos com a experimentação médica em pacientes negros, incluindo o infame Estudo de Tuskegee, no qual homens negros com sífilis foram deixados sem tratamento mesmo depois da invenção da penicilina.

Além disso, disse ela, sabe-se que a droga baixa a contagem de esperma, faz cair o cabelo das mulheres e deixa as unhas com um tom cinza escuro. Por razões de segurança, não é normalmente administrada em mulheres grávidas, mesmo quando sofrem crises graves.

Osunkwo disse que, lentamente, venceu a relutância dos pacientes, permitindo que ajudassem a projetar os testes.

"E eu diria que estar morto é pior do que ter unhas escuras", acrescentou ela.

Na África, recrutar 600 crianças foi relativamente fácil, disse Tshilolo, porque os africanos com doença falciforme que haviam visitado a Europa tinham ouvido falar da hidroxiureia e sabiam que funcionava.

A contagem de esperma obviamente não era um problema na experiência com crianças, acrescentou ele. Mas em geral os homens estavam dispostos a usar a droga, uma vez que lhes foi explicado que a queda na contagem de esperma era relativamente pequena, e que voltava ao normal quando a droga era interrompida.