Ciclotimia: tipo leve de bipolaridade leva do riso ao choro em pouco tempo

Uma flutuação leve e rápida de humor. Num momento você se sente cheio de energia, com autoestima elevada, topa fazer qualquer coisa. Em outro, há desesperança, um olhar negativo para a vida, as coisas perdem a graça e atividades antes prazerosas se tornam desinteressantes.

Essa variação leve e crônica entre momentos depressivos e de extrema felicidade e excitação caracteriza a ciclotimia, distúrbio marcado por oscilações cíclicas de humor, uma espécie de transtorno bipolar leve. A diferença da ciclotimia para um dia ruim está na evolução crônica do quadro, que dura pelo menos dois anos.

Na fase depressiva, a pessoa pode sentir irritabilidade, baixa autoestima, sentimento de culpa e chorar facilmente. Também há cansaço desproporcional, lentidão, pouca energia, muito sono e até pensamentos de morte e suicídio. Já na hipomania, o pensamento é mais rápido, a pessoa se torna mais falante, há muita energia e pouco sono, distração e uma busca por emoção em situações de risco e perigo.

O paciente ciclotímico passará por cada uma dessas fases de forma pouco intensa. Serão períodos múltiplos de altos e baixos, mas não fortes, graves e duradouros para se preencher um episódio de hipomania ou de depressão por completo.

Na maioria das pessoas, o padrão é irregular e imprevisível, os sintomas podem durar dias ou semanas. Entre o humor elevado e a depressão leve a pessoa pode ter humor normal durante até dois meses ou pode oscilar continuamente de um estado para outro, sem período normal entre eles.

Como identificar?

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Imagem: iStock

A flutuação de humor entre as diferentes fases pode ser facilmente confundida com o jeito de ser do paciente, ser vista como um traço de temperamento forte. Os momentos de alta podem ser agradáveis e não passarem a mensagem de que há algo de errado, o que dificultará a procura por tratamento. Geralmente, o indivíduo só buscará ajuda em sofrimento ou quando os altos e baixos começarem a impactar relacionamentos.

As características da doença também podem levar a um erro de diagnóstico. O problema maior é confundir com o transtorno de personalidade borderline, porque a ciclotimia não é transtorno de personalidade.

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Transtorno de personalidade não é uma doença, ao passo que a ciclotimia se trata com estabilizadores do humor. Os antidepressivos podem piorar a pessoa com ciclotimia"
Doris Moreno, psiquiatra do Programa de Transtornos do Humor do IPq-USP (Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo)

A ciclotimia é uma condição rara. Estima-se que ela atinja entre 0,4% e 1% da população e acometa homens e mulheres igualitariamente. Ela costuma aparecer entre a infância e adolescência, no máximo no começo da vida adulta.

Para Moreno a doença diagnosticada na infância e adolescência é, na maioria das vezes, um prelúdio para o transtorno bipolar na vida adulta. "90% das pessoas que têm ciclotimia vão desenvolver o transtorno bipolar brando", explica a médica. Outros psiquiatras afirmam que há chances de 15% a 50% de os indivíduos com ciclotimia na infância desenvolverem transtorno bipolar na vida adulta. O risco de conversão aumenta quando há casos de bipolares na família. Mas não se sabe exatamente quantas e quais pessoas com ciclotimia desenvolverão transtorno bipolar.

Os ciclotímicos também correm maior risco de terem transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, distúrbios do sono e problemas com o abuso de álcool e drogas. Nesses últimos, é importante a identificação da ciclotimia como a raiz do problema, pois ela ajuda a manter e a agravar a dependência.

O tratamento é semelhante ao do transtorno bipolar do tipo II, cujos episódios depressivos costumam ser mais fortes. É recomendada a psicoterapia combinada ou não a medicamentos, como os estabilizadores de humor. A psicoterapia ajudará o paciente a conhecer melhor seus sintomas e a lidar com as situações comportamentais.

Também é importante manter a rotina e os bons hábitos de sono. Evitar os estímulos luminosos a partir das 8, 9 horas da noite —principalmente os adolescentes que ficam com seus celulares, é quase tão importante como tomar a medicação.

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Fontes: Doris Moreno, psiquiatra do Programa de Transtornos do Humor do IPq-USP (Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo), membro da International Society of Bipolar Disorders e uma das fundadoras da Abrata (Associação Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos); Luciana Sarin, psiquiatra do Prodaf (Programa de Distúrbios Afetivos), da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo); Ricardo Moreno, psiquiatra associado à ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

*Com matéria publicada em 05/11/2018

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