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Inspiração pra fazer da atividade física um hábito


Andei 14 km ao dia para trabalhar; perdi 3 kg em um mês e ganhei disposição

Além de se exercitar regularmente, a repórter ainda economizou uns reais - Giulia Granchi/UOL
Além de se exercitar regularmente, a repórter ainda economizou uns reais Imagem: Giulia Granchi/UOL

Gabriela Ingrid

Do VivaBem

18/09/2018 04h00

Queria começar esse texto dizendo que, sim, hoje sou uma pessoa privilegiada que moro a apenas 7 km do meu trabalho. Se decidi caminhar o trajeto da minha casa, no bairro Campos Elíseos, em São Paulo, para a redação do UOL, em Pinheiros, é porque era algo fisicamente possível. Sei que é óbvio dizer isso, mas jamais teria essa ideia se ainda morasse em Itaquera.

Não foi um pedido dos editores do UOL VivaBem nem uma decisão aleatória minha virar uma andarilha de uma hora para outra. Simplesmente fiquei sem dinheiro suficiente para carregar o Bilhete Único --por irresponsabilidades financeiras que não vêm ao caso. Sem opção, sobrou-me a caminhada diária.

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Vou salientar que também nunca fui uma pessoa bem condicionada fisicamente. Tive minha fase de corrida, pedaladas, musculação, kung fu e até escalada, mas de uns tempos para cá minhas atividades eram o caminho da cama para o sofá, a ida ao bar e as brincadeiras com minhas gatas. Por mais doído que seja concordar, era uma sedentária.

Mas, de novo, não havia opção. Por isso, comecei a andar 7 km todos os dias para ir trabalhar e outros 7 km para retornar para casa. Baixei alguns discos no Spotify, coloquei o fone e fui. O trajeto de ida dava quase dois álbuns inteiros, cerca de 1h. O de volta dava um pouquinho mais, mas nada além de 20 minutos extras, talvez porque caminhava mais devagar pois não tinha hora para chegar em casa e o sol das tardes de inverno me dava mais calma.

Eu tentava só não pensar no cansaço e ia. Uma coisa que me ajudou foi inventar "pontos de respiro" --ou checkpoints --, para eu saber se faltava pouco ou muito para chegar. Por exemplo: quando chegava à padaria tal significava que faltavam 2/3 do caminho. Isso me aliviava mentalmente e me dava alguma noção de tempo --eu não ficava olhando o trajeto no celular ou a hora em algum relógio.

Mais disposição e menos peso

Os benefícios da prática regular de um exercício físico (mesmo que leve) apareceram. Chegava ao trabalho cheia de disposição, com a endorfina solta pelo corpo. Na volta, era a mesma coisa, colocava o pé em casa cansada, mas feliz --até hoje não sei se foi uma mistura de dias bons na terapia ou a caminhada. Passei a beber muito mais água, o que me fez reter menos líquido, e comecei a me alimentar melhor. O resultado? Emagreci 3 kg nesse período.

Segundo Adelino Apolinário, educador físico pós-graduado em fisiologia do exercício e treinamento resistido na saúde, na doença e no envelhecimento pela Universidade de São Paulo (USP), os benefícios de caminhar incluem melhora da resistência física, da circulação sanguínea e de toda a condição cardiorrespiratória, além de trabalhar a musculatura das pernas. 

Para obter esses ganhos para a saúde é preciso dar 10 mil passos por dia --segundo estudo da Universidade de Sheffield (Reino Unido) isso significa, em média, andar 8,5 km, mas varia de pessoa para pessoa. No geral, não há contraindicação. "A caminhada é um exercício considerado suave que qualquer um pode fazer", diz.

É importante fazer do jeito certo

Os pontos positivos já valem a pena, mas meu caminho não foi só rodeado de flores e passarinhos. Geralmente, quando o fim de semana ia se aproximando, minha lombar começava a doer. Também, eu fiz tudo errado. Usei tênis todos os dias, mas nenhum específico para exercícios físicos. As roupas também não tinham proteção UV ou eram feitas com tecidos de secagem rápida. Não controlei a intensidade de caminhada.

A versão andarilha de Gabi rendeu menos números na balança (e alguns assédios para conta) - Giulia Granchi/UOL - Giulia Granchi/UOL
A versão andarilha de Gabi rendeu menos números na balança (e alguns assédios para conta)
Imagem: Giulia Granchi/UOL

De acordo com o educador físico, a postura ao caminhar é natural e não deveria gerar desconfortos, mas pode ser que eu tenha sobrecarregado a lombar por causa das muitas subidas do trajeto. As dores no corpo também podem ter surgido por causa da alta intensidade e volume (distância) de exercício, que possivelmente estava acima da minha capacidade física.

Levei puxão de orelha: "Toda vez que uma dor aparece é sinal de que tem algo errado. É um termômetro de que você pode estar passando do seu limite ou indicar sobrecarga numa articulação que já tem algum quadro de desgaste. É bom ir ao médico."

Quanto ao meu calçado, Apolinário disse que é aceitável, já que melhor um tênis do que uma rasteirinha ou sapatilha. Mas o ideal seria mesmo uma opção com amortecimento. "Solas duras e retas tendem a sobrecarregar as articulações, coluna, joelho, quadril ou tornozelo. É melhor ter um tênis específico para caminhadas, para amortecer o impacto e impulsionar seu pé, como uma mola."

A roupa entrou no mesmo quesito de "podia ser melhor". Gosto de prezar pelo conforto, mas andar de jeans poderia ter me dado uma bela assadura e prejudicar minha liberação de suor. Quando você for caminhar opte por tecidos próprios para a prática de exercícios que são molinhos, e têm boa absorção de suor. Peças com proteção UV também são indicadas para atividades ao ar livre.

Problemas além da dor

A experiência foi ótima, não nego. Mas tiveram outros problemas além de uma (talvez) simples dor nas costas. Ainda sou uma mulher andando a pé em São Paulo, considerada a pior metrópole em violência sexual contra mulheres no mundo, de acordo com um estudo realizado pela Fundação Thomson Reuters, e divulgado em 2017. Fui assediada diversas vezes pelo caminho e, nas andanças noturnas, cheguei a sentir medo, correr para dentro de bares ou andar olhando para trás. E por mais doído que seja dizer isso, acontece todo dia.

Além disso, ser pedestre nessa cidade não é fácil. Meus amigos brincam que eu virei uma "barraqueira" das ruas. Cheguei a bater em capô de carro, gritar para não ser atropelada no meio da faixa de pedestres ou correr para um ciclista não passar por cima de mim. Por lei, temos prioridade de passagem em locais sem sinalização semafórica, só para lembrar.

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Se fui muito louca por andar tudo isso cinco vezes por semana? Talvez. "Depende muito do grau de condicionamento de cada um, mas a caminhada costuma ser um ótimo jeito de se manter ativo", diz o educador físico. Se você morar longe demais do trabalho, procure descer uma ou duas estações do metrô antes e faça uma parte do caminho a pé.

"É uma boa maneira de começar. Tente duas vezes por semana, comece com 30 a 40 minutos e aumente o tempo aos poucos", sugere Apolinário. Ele também recomenda que você não faça como eu e evite andar muito por dias consecutivos. "Seu músculo pode não se recuperar totalmente, por isso o ideal é se exercitar dia sim, dia não. Se sentir desconforto, reduza o tempo da atividade e conheça seu limite aos poucos. Ele é muito individual."

Eu, mesmo com as histórias ruins, indico o teste. Aprendi que os lugares (novamente, uma fala privilegiada) não são tão longe como pensamos e que você pode tentar caminhar uns dias para economizar os R$ 4 do transporte público --e ainda se sentir mais disposto e, quem sabe, perder uns quilinhos. 

Caminhar todos os dias foi uma experiência ótima, mas também é importante deixar claro que esta repórter voltou a usar ônibus assim que o salário caiu na conta.

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