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Por que ainda não existem drogas eficazes que retardam avanço do Alzheimer?

Vicki Staehr, uma paciente com Alzheimer escolhida para testar droga experimental da farmacêutica Eli Lilly - Zack Wittman/The New York Times
Vicki Staehr, uma paciente com Alzheimer escolhida para testar droga experimental da farmacêutica Eli Lilly Imagem: Zack Wittman/The New York Times

Gina Kolata

Do New York Times

27/07/2018 11h57

A nova tarefa da gigante farmacêutica Eli Lilly parece bastante simples: encontrar 375 pessoas com doença de Alzheimer precoce para um audacioso ensaio clínico que tem como objetivo retardar ou interromper a perda de memória

Como existem 5,4 milhões de pacientes com Alzheimer nos Estados Unidos, deveria ser fácil descobrir essa quantidade de participantes para uma pesquisa.

Mas não é. E o problema tem implicações enormes para o tratamento dessa doença, que aterroriza os norte-americanos mais velhos e sobrecarrega um número imenso de famílias.

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A Global Alzheimer's Platform Foundation, que está ajudando a recrutar participantes para o teste da Lilly, estima que, para começar a encontrar os pacientes, terá que informar de 15 mil a 18 mil pessoas, dos grupos de idade certos, sobre a pesquisa.

Desses, quase dois mil vão passar pela triagem inicial para serem selecionados para novos testes que dirão se estão qualificados.

Apenas 20% devem atender aos critérios para se inscrever no teste da Lilly: precisam ter entre 60 e 89 anos, ter perda leve, mas progressiva de memória por pelo menos seis meses e passar por dois exames cerebrais que mostrem que o mal está em curso.

No entanto, em geral há uma falha no rastreamento de 80% dos testes de Alzheimer, segundo o presidente da fundação, John Dwyer. E não existe uma maneira para diagnosticar rapidamente a doença.

O caro processo de localizar apenas 375 pacientes ilustra uma triste verdade: encontrar pessoas em quem testar um novo tratamento de Alzheimer está se tornando um obstáculo intransponível —mesmo que o estudo seja muito promissor.

Com exames cerebrais, testes de laboratório e de memória, o custo somente do diagnóstico é assustador: até US$100 mil por pessoa que se inscreve em uma pesquisa, segundo Dwyer —mesmo antes que ela comece o tratamento experimental.

Para complicar ainda mais a questão, o número de testes explodiu nos últimos anos. Há mais de 100 estudos de Alzheimer em busca de 25 mil participantes, diz Dwyer.

Para começar a preencher essas vagas, 37,5 milhões de pacientes na faixa etária correta precisariam, primeiro, ser informados sobre as pesquisas. Dez por cento seriam encaminhados para um local de testes para passar pela triagem.

Vinte por cento desses desistiriam, segundo dados atuais, deixando apenas 150 mil para serem avaliados. E com uma taxa de 80% de falhas na triagem, sobrariam somente 25 mil das 37,5 milhões pessoas que ficaram sabendo sobre a pesquisa.

Os números deixam claro: não há como os cientistas encontrarem 25 mil participantes para todos os testes de Alzheimer já aprovados.

"A ironia é que a ciência nunca foi tão promissora. Quantas drogas serão abandonadas ou terão sua avaliação seriamente atrasada? Exames científicos muito bons vão ser deixados de lado", afirma Dwyer.

Esses testes não são apenas caros. Até agora, foram fracassos caros.

A Global Alzheimer’s Platform Foundation está ajudando a recrutar pacientes para os testes - Zack Wittman/The New York Times - Zack Wittman/The New York Times
A Global Alzheimer’s Platform Foundation está ajudando a recrutar pacientes para os testes
Imagem: Zack Wittman/The New York Times

Resultados não foram muito promissores

Em sua maioria, os pesquisadores focaram em um alvo que parecia óbvio e acessível: a proteína beta amiloide que começa a se acumular no cérebro dos pacientes anos antes de a memória falhar. Acredita-se que seja o primeiro sinal da doença de Alzheimer.

Por mais de uma década, as companhias testaram várias vezes drogas antiamiloides para retardar ou deter a doença, gastando milhões de dólares em estudos clínicos. Apenas a Lilly investiu mais de US$3 bilhões. A Pfizer, depois de uma série de fracassos, anunciou em janeiro que estava saindo da corrida contra o Alzheimer.

Ainda assim, a necessidade é mais urgente do que nunca, pois ainda não existem tratamentos para retardar a doença degenerativa do cérebro.

A Lilly tem uma vantagem: é uma empresa conhecida que pode bancar um vigoroso esforço de recrutamento. A farmacêutica está estudando uma combinação de dois medicamentos, o primeiro do tipo.

Mesmo assim, o recrutamento para o teste será difícil, segundo Dwyer. Há nove outros estudos buscando pacientes com perda leve de memória.

Alguns procuram pacientes sem sintomas de Alzheimer, mas com condições genéticas ou biomarcadores —como proteínas cerebrais reveladoras— que tornam muito provável ou quase certo que irão desenvolver a doença. Outros cientistas estão buscando pessoas cujo Alzheimer já esteja mais avançado.

Ainda pior: a maioria dos pacientes de Alzheimer nunca pensa em entrar em uma pesquisa.

Não existem remédios de sucesso que possam incentivar o interesse. Os pacientes são idosos e até mesmo chegar ao lugar dos testes pode ser difícil. E pacientes de Alzheimer tendem a ser cuidados por médicos particulares que não sabem sobre os estudos e não os sugerem.

O estigma da doença de Alzheimer também contribui para uma tendência natural entre os pacientes e familiares de negar ou esconder sinais precoces de perda de memória.

"Pode levar muito tempo para conseguirmos um diagnóstico", explica o doutor Ira Goodman, diretor médico de neurociências da Bioclinica Research, de Orlando, na Flórida, um dos locais de testes da Lilly. "Mesmo os clínicos gerais dizem: 'Ah, não se preocupe, você está apenas ficando mais velho'."

Outra razão pela qual os testes podem ter falhado: os diagnósticos de Alzheimer estão errados com mais frequência do que percebemos. Então, pacientes que entram nos estudos para medicamentos contra Alzheimer podem nunca ter tido a doença.

Goodman e seus colegas estudaram o cérebro de 382 pacientes cujos médicos haviam diagnosticado demência antes de sua morte. As autópsias mostraram que, em 89, o Alzheimer não era a causa da demência.

Ainda assim, 58 desses pacientes, ou 65%, haviam sido incorretamente diagnosticados com Alzheimer.

Com um novo tipo de exame cerebral, raramente usado nos consultórios, o diagnóstico de Alzheimer pode ficar mais preciso.

Daniel Skovronsky, vice-presidente sênior de desenvolvimento clínico e de produtos da Lilly, pressiona vigorosamente para que o novo estudo aconteça, argumentando que pesquisas prévias que não deram certo envolviam medicamentos mais fracos e testaram um remédio de cada vez.

Seu plano é usar uma droga experimental que impeça a produção da amiloide venenosa e outra que limpe a substância que já está sendo produzida pelo cérebro.

Um terço dos pacientes vai receber um placebo, um terço uma das drogas mais um placebo e um terço vai usar os dois remédios. "A dosagem será alta", afirma Skovronsky. "O objetivo é se livrar de 90% das placas existentes e bloquear 90% da produção de placas."

"Sabemos qual será o resultado se não fizermos nada", diz Skovronsky.

Alguns especialistas que não estão envolvidos no estudo são otimistas.

"É uma experiência muito importante e tem grandes chances de funcionar", afirma o doutor Randall Bateman, pesquisador de Alzheimer da Escola de Medicina da Universidade Washington em St. Louis.

"É uma pesquisa de ponta que combina duas drogas. Acho que vai funcionar", explica o doutor Paul Aisen, pesquisador de Alzheimer da Universidade do Sul da Califórnia.

O recrutamento começou em dezembro. Entre os pacientes que já se inscreveram está Vicki Staehr, de 72 anos, que vive em Orlando, na Flórida, com o filho e a nora.

"Não consigo me lembrar de nada por mais de alguns segundos", disse ela em uma entrevista pelo telefone. "Se você me perguntar o que eu comi no almoço hoje, não saberia dizer."

Sua avó e sua bisavó tiveram demência, e ela percebeu que pode haver uma tendência para o desenvolvimento de Alzheimer na família.

Ela assistiu ao declínio da avó e sabe o que a doença faz com as pessoas. Cerca de um ano atrás, Staehr percebeu que sua memória estava começando a falhar. Segundo ela, foi assustador.

Quando o neurologista sugeriu que Staehr passasse por uma avaliação para ver se poderia se qualificar para o estudo da Lilly, ela ficou surpresa e intrigada.

"Não tenho certeza se vai me ajudar. Mas pode ajudar outra pessoa. Quer você tenha a doença ou não, é terrível ver o seu desenvolvimento."

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