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Manual básico da paternidade: pediatras dão aulas a futuros pais

Craig Garfield, um pediatra especializado em estudar novos pais, lidera uma classe sobre a paternidade de primeira viagem - Randy Belice via The New York Times
Craig Garfield, um pediatra especializado em estudar novos pais, lidera uma classe sobre a paternidade de primeira viagem Imagem: Randy Belice via The New York Times

Anahad O'connor

Do New York Times

25/06/2018 10h03

Chicago – Em uma sala de conferências no Hospital Northwestern Memorial, há pouco tempo, um grupo de homens se reuniu para uma aula sobre gravidez e parto liderada por Craig Garfield, um pediatra especializado em estudar futuros pais.

A aula é uma das muitas que o Northwestern oferece aos pais de primeira viagem, que também tem algumas designadas para as mães, para os avós e --no caso de uma chamada "Bowser e o Bebê"-- para donos de cães. O curso de Garfield é para os papais grávidos, e a maioria está aqui porque suas parceiras os inscreveram.

Quando a aula começa, eles parecem inquietos, mas, com um pouco de estímulo de Garfield começaram a se abrir, compartilhando algumas de suas esperanças e medos causados pela chegada do primeiro filho.

Um deles disse que esperava criar uma filha forte e confiante. Outro contou estar receoso de segurar o bebê para a primeira vez porque eles são frágeis e nunca havia carregado um antes. Outros disseram se preocupar com as finanças, com a falta de sono, com a saúde do bebê e da parceira, e com a possibilidade de não ter tempo suficiente para passar com o filho. "Espero que todos saiam daqui esta noite com muito menos medo", disse Garfield aos homens.

A geração atual de pais não é a primeira a trocar fraldas ou a estar ativamente envolvida nos cuidados com a criança, mas está mais propensa a participar que a de seus próprios pais, e muito mais que a de seus avós. Entretanto, Garfield e seus colegas descobriram que vários homens dispostos a se envolver muitas vezes não sabem por onde começar.

"Esta aula serve como um manual básico da paternidade, para tentar resolver a desconexão entre querer se envolver e não ter certeza do que fazer. Muitos futuros papais realmente têm medo de machucar o bebê", disse Garfield.

Pai reage a um vídeo de um parto durante a aula - Randy Belice via The New York Times - Randy Belice via The New York Times
Pai reage a um vídeo de um parto durante a aula
Imagem: Randy Belice via The New York Times

O curso faz parte da tentativa conduzida por ele de mostrar cientificamente o papel que os pais desempenham no bem-estar da criança e da família. Garfield, professor associado na Faculdade de Medicina Feinberg da Universidade Northwestern, descobriu que ajudá-los é um benefício para os filhos.

"Meu conselho é: começar a ajudar cedo e com frequência. Esteja lá quando o bebê nascer, ponha as mãos à obra, troque a fralda, converse com ele, segure-o, sinta-o. Envolva-se e não se intimide com isso, porque a ideia é gerar confiança e se sentir confortável com seu filho", disse Garfield, que também é médico no Hospital Pediátrico Ann & Robert H. Lurie de Chicago.

Garfield explica aos futuros papais como eles podem ajudar caso suas parceiras amamentem, quer seja posicionando o bebê na altura certa ou ajudando a companheira a se hidratar. Ele lhes mostra como embalar a criança com o contato da pele, uma técnica calmante. E os incentiva a ler e a falar a seus recém-nascidos com frequência, para que o cérebro em desenvolvimento se beneficie ao ouvir sua voz.

Esses passos e outros podem facilitar o engajamento e o conforto dos pais em relação a seu recém-nascido, como Garfield descobriu, e também podem ser cruciais para o desenvolvimento em longo prazo. Estudos sugerem que as crianças que crescem com pais mais envolvidos adquirem melhores habilidades linguísticas, têm maior autoestima e melhores notas na escola, e sofrem menos depressão e ansiedade. Além disso, apresentam menores taxas de evasão escolar e são menos propensas a se tornarem pais/mães adolescentes.

"Os dados são bastante robustos. Quanto mais cedo os pais se envolvem, melhor é o desempenho acadêmico da criança e menos provável que tenha problemas comportamentais mais tarde", disse o Dr. Michael Yogman, professor de Pediatria da Faculdade de Medicina de Harvard.

Em 2016, Garfield e Yogman publicaram um trabalho no periódico Pediatrics citando maneiras nas quais os pediatras e profissionais da área de saúde podem envolver os novos papais nos cuidados pré-natal e do pós-parto.

Eles alegam que o fato é particularmente importante, dada a natureza evolutiva da dinâmica familiar, onde muitas mães e pais já não desempenham exclusivamente os papéis de cuidador primário ou provedor.

O interesse de Garfield em estudar a paternidade resultou de suas próprias experiências. Quando seu filho nasceu, em 1997, ele foi o primeiro residente médico do Hospital Geral de Massachusetts a pedir um mês de licença familiar. Um ano e meio depois, afastou-se temporariamente para ficar em casa para que sua esposa, que também estudava Pediatria, pudesse se dedicar à residência médica.

Garfield notou que era o único pai no playground e nas reuniões do jardim da infância. Ele e a esposa descobriram que seu pediatra o ignorava durante as consultas, falando mais com a mãe. Ocorreu-lhe que ele, como médico, também havia excluído os pais, e chegou a escrever sobre isso para a revista JAMA.

"Com remorso, percebi que, durante a residência, estabeleci mais contato visual e dirigi a maioria dos meus conselhos às mães, mesmo que o pai estivesse presente", escreveu ele.

Saleem Hue Penny e seus gêmeos, Elsie e August, brincando durante o “PapaPalooza”, evento que ele criou após fazer uma aula com Craig Garfield sobre paternidade - Rachel Giannini via The New York Times - Rachel Giannini via The New York Times
Saleem Hue Penny e seus gêmeos, Elsie e August, brincando durante o “PapaPalooza”, evento que ele criou após fazer uma aula com Craig Garfield sobre paternidade
Imagem: Rachel Giannini via The New York Times

Ao examinar a literatura médica, descobriu que grande parte da pesquisa sobre saúde infantil e desenvolvimento era focada, adequadamente, em intervenções maternas. Mas percebeu também que muitas populações de pais eram subestudadas: pais casados e solteiros, pais sozinhos e pais gays, pais adolescentes, e até mesmo pais na prisão, que representam cerca de 750 mil entre os 72 milhões deles nos Estados Unidos.

"Eu me senti frustrado ao perceber que a minha disciplina, a Pediatria, foi lenta em reconhecer o papel que os pais desempenham na saúde da criança, e isso aparece na pesquisa que fizemos. Eles são importantes nas famílias, positiva e negativamente. Em casos de bebês instáveis, problema na maioria das vezes causado pela violência doméstica, o culpado é muitas vezes o pai", notou ele.

Em sua pesquisa, Garfield descobriu que algumas das questões de saúde que as novas mães enfrentam também afetam os homens: os pais de primeira-viagem ganham peso e muitos experimentam sintomas de depressão, o que pode fazer com que negligenciem seus filhos, por exemplo. E aqueles com bebês prematuros experimentam níveis mais elevados de estresse do que suas parceiras na hora de ir para casa. Garfield está desenvolvendo um aplicativo para ajudar os pais de bebês prematuros a cuidar de seus filhos, e pediu uma atenção maior à saúde dos homens, muitos dos quais não têm nem clínicos gerais.

Para entender melhor o bem-estar deles, Garfield está trabalhando em um estudo-piloto para acompanhar o comportamento de saúde dos novos pais, que espera começar em agosto.

Enquanto isso, tenta ajudá-los em suas aulas, que ocorrem cerca de uma vez por mês.

Um de seus ex-alunos é Saleem Hue Penny, 38 anos, vice-presidente associado de parcerias comunitárias e educacionais do Museu Infantil de Chicago. Penny participou do curso quando sua esposa, Katie, estava grávida de gêmeos. Ele conta que a preleção o preparou para algumas das duras realidades da paternidade e o levou a falar durante as consultas médicas e a se envolver mais nos cuidados com seus recém-nascidos, que agora estão com quase dois anos. Penny se sentiu tão inspirado que ele e um grupo de colegas e parceiros comunitários criaram um evento no museu, chamado "PapaPalooza", onde os pais levam os filhos para brincar, e também obtêm informações sobre habitação acessível, emprego, faculdade comunitária e recursos de saúde e bem-estar.

"Foi esclarecedora", disse Penny sobre a aula. "Ela nos deu o incentivo que precisávamos para nos engajar e não ficar de escanteio. A mensagem era que você e sua parceira são uma equipe e, independentemente do que aconteça, a criança fará parte de sua vida para sempre."

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