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Reação extrapiramidal: o que é, sintomas, tratamento e prevenção

Enjoo - Getty Images
Enjoo Imagem: Getty Images

Tatiana Pronin

Colaboração para o VivaBem

25/05/2018 04h00

Vomitar pode ser desagradável e, em alguns casos, perigoso. Mas, para cerca de 5% da população, principalmente crianças e idosos, tomar determinados remédios contra enjoo pode se transformar em uma experiência traumática por causa de um efeito adverso com nome estranho: reação extrapiramidal.

Mais conhecida entre pacientes que consomem antipsicóticos mais antigos, como o haloperidol (Haldol), esses sintomas também pode ocorrer após o consumo de substâncias como a metoclopramida (Plasil) e a bromoprida (Digesan), administradas com frequência nos hospitais e pronto-socorros em pacientes com crises de enxaqueca, refluxo, intoxicações alimentares, bem como após sessões de quimioterapia ou cirurgias no abdome.

O que é “extrapiramidal”?

Os sistemas piramidal e extrapiramidal são cadeias de neurônios do Sistema Nervoso Central ligadas aos movimentos do corpo humano. Os termos, que remetem à figura da pirâmide, são usados porque o sistema piramidal tem início em neurônios com forma que lembra a dessa figura, encontradas no córtex cerebral. O primeiro é responsável pela movimentação voluntária, por isso, lesões nesse sistema podem causar paralisia ou perda de força. Já o sistema extrapiramidal é responsável pela parte automática, ou seja, movimentos feitos sem pensar, como os necessários para falar ou caminhar.

“A reação extrapiramidal (ou sintomas extrapiramidais) diz respeito a sintomas que geralmente aparecem em distúrbios ou doenças que comprometem esse sistema neuronal, que está envolvido no controle do tônus e da postura”, explica Francisco Paumgartten, médico e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Vale lembrar que as células do sistema nervoso, os neurônios, comunicam-se umas com as outras por mensageiros químicos chamados de neurotransmissores. A dopamina é um exemplo, bem como a acetilcolina.

Lesões no sistema extrapiramidal causam movimentos involuntários. Um exemplo é o Mal de Parkinson, provocado pela degeneração de uma área conhecida como substância negra, “cujos neurônios funcionam principalmente através da dopamina”, explica o psiquiatra Luiz Sperry, blogueiro do VivaBem. Ele acrescenta que esse neurotransmissor tem várias funções no organismo: está relacionada aos pensamentos, à liberação de prolactina (o que permite a amamentação) e aos movimentos. O vômito é um reflexo involuntário, desencadeado pela estimulação de uma outra área do cérebro em que há neurônios que usam a dopamina como neurotransmissor.

Em pacientes com pensamentos psicóticos ou náuseas, medicamentos que bloqueiam um dos receptores da dopamina, chamado D2, podem ser extremamente úteis. Mas certas pessoas podem ter, também, alguns sintomas desagradáveis ao utilizá-los. “A probabilidade de aparecimento de efeitos colaterais desse tipo depende do medicamento, da dose e da suscetibilidade do paciente”, adianta Paumgartten.

Quais os sintomas possíveis

Reações distônicas agudas - caracterizadas por espasmos dos músculos da cabeça, pescoço, dorso e extremidades. Assim, o paciente pode ter torcicolo (desvio lateral da cabeça), o olho vira (crise oculógira), o tronco fica flexionado para frente (opistótono), e a língua tende a se mover para fora, prejudicando a fala e a capacidade de engolir. Essas reações, dramáticas, surgem de forma aguda após doses excessivas dos medicamentos e são mais frequentes em jovens. Casos mais graves, em que há espasmos na laringe, podem colocar a vida do paciente em risco.

Acatisia – a palavra tem origem no termo que em grego significava “que não consegue sentar”. Trata-se de um sentimento de inquietação motora que levo o indivíduo a ter necessidade movimentar as pernas incessantemente. É acompanhada de inquietação, ansiedade ou “nervosismo”.

Parkinsonismo - sintomas análogos aos do Parkinson, como rigidez muscular, bradicinesia (lentidão de movimentos), tremor de repouso, fácies inexpressiva (ausência de mimica facial), marcha arrastada, postura inclinada para frente, salivação excessiva (sialorreia). O risco deste tipo é maior em idosos com o uso continuado do medicamento.

Discenesia tardia - caracteriza-se por movimentos musculares involuntários na parte inferior da face (lábios) e extremidades do corpo. Essa condição pode aparecer com o uso crônico de antipsicóticos típicos e persiste após a interrupção do tratamento. Os sintomas podem se agravar após a retirada do medicamento e pode-se dizer que é uma  sequela do uso contínuo desses medicamentos por longos períodos.

Quais medicamentos podem causar

A reação é muito frequente quando usados medicamentos para controlar sintomas de psicoses, em especial os chamados “antipsicóticos de primeira geração”, como o haloperidol, a clopromazina, a flufenazina e outros. Nesses usuários, a frequência alcança cerca de 30% dos usuários. “Há hoje uma série de medicamentos considerados ‘antipsicóticos atípicos’ que têm uma probabilidade muito menor de causar esses sintomas, como clozapina, risperidona, olanzapina e outros”, afirma Paumgartten.

No caso dos antieméticos (contra enjoo), que também atuam no bloqueio de dopamina, os mais associados aos sintomas são a metoclopramida e a bromoprida. “Quando usados nas doses recomendadas, pode-se dizer que o aparecimento de reação extrapiramidal é incomum, mas possível”, continua. Remédios como a domperidona (Motilium) e a ondansetrona (Vonau) são menos propensos a causar. O dimenidrinato (Dramin) e sua versão com piridoxina (DraminB6) não estão associados à reação.

Embora muitos remédios tenham risco baixo de causar os sintomas, a associação de uma ou mais drogas pode levar ao quadro. O ideal é sempre consultar sempre a bula ou o profissional de saúde sobre possíveis efeitos colaterais. E o mais importante: nunca se automedique, nem interrompa qualquer tratamento farmacológico sem antes falar com o médico. Veja, a seguir, alguns exemplos de princípios ativos com maior ou menor potencial de risco:

Alto risco de reações extrapiramidais

  • Antipsicóticos – haloperidol, clorpromazina, flufenazina, aripripazol, sulpirida, risperidona
  • Antieméticos (contra enjoo) – metoclopramida, bromoprida, droperidol, cleboprida, proclorperazina, levosulpirida
  • Anti-histamínicos (antialérgicos) – prometazina
  • Antivertiginosos (contra tontura) – cinarizina, flunarizina
  • Anti-hipertensivo (para baixar a pressão) – reserpina, alfametildopa
  • Anti-helmínticos (contra vermes) - piperazina
  • Outras drogas que atuam no sistema nervoso – ácido valproico, lítio, tetrabenazina

Baixo risco de reações extrapiramidais

  • Antipsicóticos ou neurolépticos – quietiapina, clozapina, olanzapina
  • Antieméticos (contra enjoo) – domperidona, itoprida, ondansetrona
  • Antidepressivos – fluoxetina, sertralina, paroxetina, escitalopram, citalopram e outros que atuam na recaptação de serotonina

Quem é mais suscetível?

“No caso da metoclopramida, alguns estudos sugerem que meninas e mulheres entre 12 e 19 anos constituem um grupo de maior risco para reações distonicas/discinéticas agudas”, diz o pesquisador da ENSP/Fiocruz. Por isso, a recomendação é que as doses sejam ajustadas cuidadosamente nas crianças, levando-se em conta a idade e o peso.

No caso de idosos, também é preciso ter cuidado com a dose, já que, em geral, esses indivíduos eliminam mais lentamente os medicamentos e podem fazer uso de outros fármacos que resultam na elevação dos níveis da substância no organismo, potencializando a reação. “Além disso o idoso pode já ter algum comprometimento do sistema extrapiramidal (ainda não abertamente sintomático) em virtude da perda de neurônios na via nigro-estriatal, e o medicamento bloqueador da dopamina funcional como a "gota d'água" para o aparecimento de sintomas.

Existem poucos estudos relacionados à origem da reação em pacientes que recebem doses corretas. Um deles, realizado por pesquisadores do Centro Médico Erasmus, na Holanda, sugere que o fato pode ter relação com um polimorfismo genético homozigótico, ou seja, uma variação em um gene (chamado CYP2D6) que inibiria uma das formas da enzima hepática chamada P450. Em português claro, essas pessoas teriam mais dificuldade para metabolizar certos medicamentos. Mas tudo isso ainda é dado preliminar. Por enquanto, não existe nenhum exame capaz de indicar com antecedência quem pode ter reação extrapiramidal.

O que médicos podem fazer

Quando a reação é grave, a conduta médica é administrar um antídoto, sendo o mais comum o biperideno, uma droga antiparkinson. “O paciente melhora em alguns minutos, e para os familiares parece até milagre”, observa Anthony Wong, diretor do Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).

Alguns médicos também utilizam sedativos como a difenidramina (Difenidrin, antialérgico), ou benzodiazepínicos para aliviar os sintomas de acatisia até que o medicamento que causou a reação saia do organismo. Vale lembrar que a prometazina (Fenergan), outro antialérgico que costuma ser indicado para aliviar a insônia e a agitação provocadas por antipsicóticos também pode provocar sintomas extrapiramidais.

O que os pacientes podem fazer

Se você já teve uma reação extrapiramidal, é importante citar a ocorrência em consultas e formulários médicos. Em caso de internações de emergência, os familiares podem fazer a observação para a equipe de atendimento.

Sempre que um paciente apresentar algum sintoma estranho após o consumo de qualquer medicamento é importante falar com o médico que fez a prescrição. Isso inclui sensações que a princípio não parecem ter relação com o tratamento, como ansiedade e agitação. No caso de um remédio usado por conta própria, pode-se consultar o farmacêutico, ou buscar os centros de assistência toxicológica (Ceatox) de cada Estado. O Disque-Intoxicação, criado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), atende pelo número 0800-722-6001.

A Anvisa também possui um sistema de farmacovigilância, que engloba atividades relativas à detecção, avaliação e prevenção de efeitos adversos e outros problemas ligados aos medicamentos. A notificação, pelos profissionais de saúde, é voluntária, mas os pacientes também podem enviá-las pelo Notivisa.