Hawking foi exceção; ELA é uma doença trágica, dizem referências no país
O físico Stephen Hawking morreu nesta quarta-feira (14), aos 76 anos, após passar décadas imobilizado em uma cadeira de rodas e contando com o auxílio de um respirador artificial. O britânico sofria de esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença rara e extremamente grave.
Por ano, a ELA atinge cerca de duas a cada 100.000 pessoas no mundo. No Brasil, é estimado que mais ou menos 15 mil pessoas possuam o problema. Apesar de ter idade de início e tempo de progressão bastante variáveis, a doença costuma acometer mais homens do que mulheres, com idade a partir de 45 anos.
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Provocada pela degeneração progressiva do neurônio motor, a condição faz com que os impulsos nervosos percam a sua capacidade, provocando um comprometimento unicamente motor, ou seja, o indivíduo perde sua força.
“A ELA pode acometer várias partes do organismo, incluindo nervos da respiração e deglutição --fazendo com que a pessoa não consiga engolir -- e dos membros, dificultando a movimentação”, explica Rubens José Gagliardi, neurologista e diretor científico da Academia Brasileira de Neurologia. No caso de Hawking, por exemplo, ele era capaz de controlar apenas um músculo do corpo, o da bochecha, com o qual controlava seu sintetizador de voz.
Mito em torno da doença e inteligência de Hawking
Apesar do mito de que existia alguma relação entre a inteligência do físico com o definhamento de seu corpo (muitos diziam que seu cérebro havia se desenvolvido mais por conta da doença), o problema não provoca nenhum comprometimento cognitivo ou sensorial, apena motor.
"A ELA tem apresentações variáveis, que dependem da idade de início e de como começa", explica Luís Otávio Sales Ferreira Caboclo, coordenador do Departamento Científico de Neurofisiologia Clínica da Academia Brasileira de Neurologia. "Se começa afetando os membros das pernas, como foi o caso de Hawking, demora mais para evoluir. Se inicia nos braços, na musculatura dos nervos cranianos, prejudicando a deglutição ou a musculatura da face, a progressão é muito rápida."
Desde que foi diagnosticado com a doença, aos 21 anos, Hawking enfrentou desafios inimagináveis. Mudo e paralisado, o britânico usou a tecnologia a seu favor para seguir a vida da melhor forma que conseguia e chegou até os incríveis 76 anos. Entretanto, apesar das várias limitações nem todos possuem acesso a tratamentos que ele teve. “Hawking foi uma exceção. Normalmente, a doença é mais trágica e, em média, o indivíduo falece de três a quatro anos após o diagnóstico”, diz Gagliardi.
Caboclo concorda: "A sobrevida dele foi absolutamente excepcional. A expectativa de vida dessa doença é menor e depende muito de características individuais e do nível de cuidado, mas invariavelmente será fatal."
De acordo com os neurologistas, cuidados médicos de qualidade fazem toda diferença. “Ter acesso a um bom fonoaudiólogo, fisioterapeuta, cuidados na deglutição do alimento, para ele não ir ao pulmão, e medicamentos aumentam os anos de vida”, disse Gagliardi.
Não há cura e tratamento é paliativo
Como a doença é um quadro motor, os primeiros sinais são percebidos com a atrofia muscular. Nos músculos da mão, por exemplo, costuma-se notar um endurecimento na parte mais "acolchoada" entre o polegar e o dedo indicador. Além disso, a pessoa começa a engasgar frequentemente, ter dificuldade para engolir e respirar.
Sensação de tremores nos músculos dos braços e das pernas e até da língua são sinal de perda de função. Geralmente, o indivíduo não sente dor, ela é percebida apenas quando a pessoa vai ficando paralisada ou na cadeira de rodas, quando pode ter compressão de nervos e dor indireta.
Causas ainda são desconhecidas
As causas da ELA seguem um mistério para a ciência e há especulações de todo tipo: de infecções virais a problemas genéticos ou metabólicos. "Alguns estudos, inclusive, relacionam seu aparecimento com traumatismos repetidos, como pancadas na cabeça de jogadores de futebol americano", diz Caboclo. E, justamente por não ter uma causa específica, não existe um tratamento eficaz.
“O tratamento é paliativo, ou seja, abranda temporariamente a evolução da doença”, explica Gagliardi. “A fisioterapia é essencial para manter a musculatura e alguns medicamentos estimulam os neurônios afetados.”
Existe uma droga que é aprovada no Brasil e que tende a reduzir a progressão de algumas complicações da ELA, principalmente a dependência respiratória, agindo em receptores dos neurônios. "No entanto, sua resposta ainda é pobre, e atrasa a progressão em apenas alguns meses. Fora o fato de ser bem cara, diz Caboclo.
Tratamento da ELA no Brasil
No Brasil, por exemplo, o SUS trata qualquer indivíduo que tem a doença, basta comprovar o diagnóstico com algum neurologista. “O Sistema disponibiliza o medicamento e a fisioterapia, mas, novamente, apesar do acompanhamento, entramos na discussão de que a evolução da doença é muito específica de pessoa para pessoa”, diz o diretor científico da Academia Brasileira de Neurologia.
O atendimento vai depender do acesso que a pessoa tem e do funcionamento do SUS. "Não dá para comparar o apoio médico na região sudeste do país com o no nordeste. São pacientes que precisam muito de fisioterapeuta, fonoaudiólogo, tratamento médico constante, ou seja, cuidados multidisciplinares. O acesso varia muito de lugar para lugar", afirmou Caboclo.
Não estamos acertando na causa da doença
Para quem deseja comprar o remédio, Gagliardi afirma que ele não é extremamente caro e já é bem mais acessível do que antes. No entanto, alguns medicamentos em fase de teste têm, sim, preços exorbitantes, “mas com eficácia ainda não comprovada”.
De acordo com o coordenador do Departamento Científico de Neurofisiologia Clínica da Academia Brasileira de Neurologia, várias outras fórmulas já foram testadas e nenhuma teve um resultado animador. "Não estamos acertando na causa da doença", explicou.
Desafio do Balde de Gelo estimulou pesquisas
Além do físico, outro indivíduo com a ELA ficou mundialmente famoso: Anthony Senerchia Jr., ou melhor, a pessoa que inspirou o “Desafio do Balde de Gelo”. O norte-americano foi diagnosticado em 2003 com a doença e, desde então, buscou dar visibilidade ao problema desconhecido do grande público.
O "Desafio", que envolveu celebridades e autoridades mundiais, arrecadou mais de US$ 115 milhões durante dois meses, que foram destinados a pesquisas que possam achar a cura da ELA. Senerchia Jr. Faleceu em 2017, em decorrência da doença, aos 46 anos.
“Essa divulgação foi essencial”, diz Gagliardi. “Quanto mais conhecimento sobre o problema, maiores as chances de pesquisa e de resultados. Apesar de não ser muito comum, a ELA é grave e ficamos desarmados devido à falta de respostas.” Segundo o neurologista, quanto mais pesquisas e mais pessoas estudando sobre o assunto, melhor.
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