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Longevidade

Práticas e atitudes para uma vida longa e saudável


Supercentenários: idosos com mais de 110 anos revelam qual é a fórmula

Clarence Matthews, 110, é colocado na cama por seus dois cuidadores em sua casa em Indian Wells, na Califórnia (EUA) - Ivan Kashinsky/The New York Times
Clarence Matthews, 110, é colocado na cama por seus dois cuidadores em sua casa em Indian Wells, na Califórnia (EUA) Imagem: Ivan Kashinsky/The New York Times

Amy Harmon

Do New York Times

24/11/2017 04h15

"Caminhadas matinais e chocolate", disse a americana mais velha da história, moradora de Gloucester, Massachusetts, ao constante fluxo de inquisidores que marcaram seus últimos anos. Goldie Michelson relatou inúmeras vezes seus segredos da longevidade antes de morrer no ano passado, com 113 anos.

Ao contrário dos nonagenários e centenários, os que atingem a décima segunda década, conhecidos como supercentenários, raramente apresentam doenças prolongadas ou alguma deficiência antes me morrer, um benefício que muitos deles atribuem aos hábitos pessoais.

"Tento viver a verdade", disse Shelby Harris, que fez o primeiro lançamento da temporada de 2012 de baseball da liga local, meses antes de morrer aos 111 anos em Rock Island, Illinois. Emma Morano, de Verbania, Itália, cozinhava seu próprio macarrão até poucos anos antes de morrer em abril, aos 117 anos, e prescreveu ovos crus e não se casar.

Goldie Michelson - James Clement/The New York Times - James Clement/The New York Times
Goldie Michelson, à esquerda, viveu até os 113 anos e foi a americana mais velha da história
Imagem: James Clement/The New York Times

Resposta pode estar no código genético

Mesmo que compartilhem a ideia de que a longevidade sadia excepcional pode ser explicada pelo estilo de vida, todos concordaram em doar DNA para um grupo privado que busca os segredos dos genes supercentenários.

As sequências genéticas completas de Micheson, Harris e Morano estão entre as cerca de três dúzias de genomas de supercentenários norte-americanos, europeus e caribenhos disponibilizados esta semana por uma organização não governamental chamada Betterhumans (Humanos melhores) para qualquer pesquisador que queira se aprofundar.

Genomas adicionais vêm de pessoas que morreram aos 107, 108 ou 109 anos. Se padrões incomuns são encontrados em seus três bilhões de pares de As, Cs, Gs e Ts – as bases nitrogenadas que compões os genomas –, que podem ter influenciado a longevidade e protegido a saúde, a lógica diz que é possível criar um tratamento com medicamentos ou genética que possa replicar os efeitos no resto de nós.

Assumir que tenham uma vantagem genética, parece se dever, em parte, a uma herança com menos variações de DNA, conhecidas por aumentar o risco de doença cardíaca, doença de Alzheimer e outros problemas.

Alguns pesquisadores dizem que isso não é suficiente para explicar o que chamam de "sobrevivência verdadeiramente rara", e nem o motivo pelo qual os supercentenários são mais uniformemente saudáveis do que os centenários em seus últimos meses e anos.

Mais do que terem herdado dúzias de sequências com variações de DNA que são menos ruins, os cientistas sugerem que os supercentenários podem ter um código genético que os protege ativamente do envelhecimento.

The geneticist George Church - James Clement/The New York Times - James Clement/The New York Times
O geneticista George Church
Imagem: James Clement/The New York Times

Apesar de poucas amostras, os cientistas acreditam que ainda é possível identificar o segredo. As sequências de DNA disponibilizadas esta semana foram adquiridas por James Clement, de 61 anos, quase que sozinho. Ele é o fundador de uma empresa orientada por George Church, proeminente geneticista de Harvard.

Cidadão-cientista declarado, Clement coletou sangue, pele ou saliva de supercentenários em 14 estados e sete países ao longo de um período de seis anos.

Traços complexos como altura, índice de massa corporal e risco de doença – os fenótipos, como são conhecidos geneticamente – geralmente surgem de uma combinação de centenas de lugares no genoma onde o alfabeto de DNA difere entre os indivíduos.

Descobrir como cada variação afeta quais fenótipos requer o poder estatístico de dezenas de milhares de amostras de DNA – quase certamente um impedimento quando se trata de supercentenários, cujo número verificado, em todo o mundo, está em cerca de 150.

Em várias partes do planeta onde os registros de nascimento são quase esboços ou inexistentes, a identificação e a verificação de supercentenários é praticamente impossível. Nos Estados Unidos, os pesquisadores dizem que os supercentenários representam cerca de 1 em cada 5 milhões de pessoas.

Os genealogistas amadores dedicados a validar as idades das pessoas mais antigas do mundo estimam que mesmo o total não verificado chega a apenas cerca de mil.

Ainda assim, alguns pesquisadores esperam que, apesar do número limitado de genomas disponíveis, será possível identificar o segredo dos supercentenários com métodos usados para descobrir a base genética de outras condições raras. Ninguém sabe muito bem quantos genomas podem ser necessários.

"Isso é o que chamamos de 'fenótipo extremo'", disse Church, que finalmente organizou os genomas a serem sequenciados para que Clement pudesse disponibilizá-los através de uma organização sem fins lucrativos. "Quanto mais longe você vai na curva de dados, mais provável é encontrar algo, mesmo com uma amostra pequena."

James Clement holds vials of blood from Clarence Matthews - James Clement/The New York Times - James Clement/The New York Times
James Clement segura as amostras de sangue de Clarence Matthews
Imagem: James Clement/The New York Times

Pesquisa tem sido feita em animais

Como o objetivo de retardar o envelhecimento para ampliar o "período de saúde" humano tem sido freado no meio científico, a pesquisa está limitada aos estudos em animais.

Um braço discreto do Google chamado Calico, sigla para California Life Co., supostamente está examinando o genoma de um rato-toupeira-pelado, famosos por ter vivido 10 vezes mais do que a maioria de seus primos ratos. Cientistas financiados pelo governo federal estão testando uma droga em macacos com base em um experimento que duplicou a vida de lombrigas.

E em laboratórios em todo o mundo, os traços de idade em ratos e em uma pequena espécie de peixe de aquário que são muitos velhos para estudos estão sendo, por vezes, revertidos.

Mas o que funciona em organismos de vida mais curta geralmente não se aplica em seres humanos, cuja vida média nos países desenvolvidos se aproxima de 80 anos. Portanto, apesar das limitações do banco de dados de Clement, vários pesquisadores proeminentes já manifestaram seu interesse.

"Isso poderia mostrar a utilidade de iniciar uma coleção maior", disse Paola Sebastiani, pesquisadora de longevidade da Universidade de Boston.

Um relato do que Clement chama de Projeto Supercentenário de Pesquisa dá uma ideia do que isso pode implicar, incluindo a perseverança, a compaixão e o senso de humor, que tende ao macabro.

Clarence Matthews, 110, is brought to bed by two of his caregivers in his house in Indian Wells - James Clement/The New York Times - James Clement/The New York Times
Clarence Matthews morreu em 2017
Imagem: James Clement/The New York Times

Conselho do homem mais antigo dos EUA

Em julho de 2016, fui convidado a acompanhar Clement à casa de Clarence Matthews, 110, que permitiu que seu sangue fosse estudado, na Califórnia. Por mais que quisesse encontrar meu primeiro supercentenário, não estava preparado para invejar sua vitória na loteria da longevidade genética.

Eu temia que ele estivesse sozinho, uma preocupação ecoada por vários espectadores do Facebook que me observavam fazer perguntas em um vídeo ao vivo na manhã em que nos conhecemos. "Eu não quero sobreviver a meus amigos e familiares. Isso não é bom", escreveu um espectador.

A perspectiva de mudar a vida média atual de toda a humanidade para esse limite conhecido é desorientadora. Uma expectativa de vida média de 80 anos, de certa forma, parece generosa – era de apenas 48 quando Matthews nasceu em 1906. A maioria de nós espera permanecer 80 anos no planeta, assumindo que nada de horrível aconteça.

"Quando seu primeiro filho nasce, não vem com um manual, e não há um manual quando seu pai tem 100 anos, depois 105 e depois 110", disse o filho de Matthews, Steve, de 75, que também deu sangue no dia da visita.

Mas Matthews afirmou sem hesitação que ainda gostava da vida. Os prazeres incluíam seu smoothie no almoço, sua família, a bondade de seu cuidador, e isso com um aceno para um fotógrafo do New York Times e um sorriso raquítico "tirarem uma foto minha".

Ele relembrou com carinho sobre sua segunda esposa, Katherine, que morreu em 1980 e com quem ele adorava dançar.

Clarence Matthews, 110, at his house in Indian Wells - James Clement/The New York Times - James Clement/The New York Times
"Continue respirando", dizia Matthews, quando era questionado sobre o segredo de uma vida longa, saudável e feliz
Imagem: James Clement/The New York Times

Aos 110 anos, disse que nunca havia sido diagnosticado com uma doença grave. O filho se recorda de que o pai jogou uma partida de golfe de 18 buracos aos 99 anos. Tendo construído um negócio imobiliário bem-sucedido, ele deu apoio financeiro à sua última irmã, que viveu até os 105 anos.

Falando com ele, era difícil não fantasiar sobre a possibilidade de que, como outro participante do Facebook sugeriu, "quando chegarmos a essa idade, todos nós podemos estar vivendo até os 110".

Sendo na época o homem mais velho dos EUA, Matthews às vezes se esforçava para ouvir, mas seu senso de humor e sua perspectiva estavam intactos. Se é isso o que queríamos, ele recomendou: "Continue respirando".

Matthews morreu neste inverno. Seu DNA foi sequenciado algumas semanas depois e, no mês passado, Clement o colocou no banco de dados. Se, assim como o genoma de seus colegas supercentenários, o resto contiver o segredo para uma vida longa, saudável e feliz, é algo que ainda não podemos afirmar.