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Ela quase ficou tetraplégica fazendo abdominal invertido: "Nasci de novo"

Marcelle Mancuso antes do acidente - Arquivo pessoal
Marcelle Mancuso antes do acidente Imagem: Arquivo pessoal

Gabriela Ingrid

Do UOL

21/08/2017 04h10

A estudante Marcelle Mendes Mancuso, 23 anos, quase perdeu seus movimentos ao fazer um abdominal invertido, em janeiro de 2016. Após a fita que segurava seus pés no aparelho estourar, a jovem caiu de ponta cabeça no chão e fraturou a coluna. Um ano e meio depois do acidente, Marcelle voltou a fazer o que mais ama na vida: praticar exercícios. Leia o depoimento que ela deu ao UOL:

“Eu tinha 21 anos quando sofri o acidente. Morava em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e estava em meu último ano da faculdade de Direito. Como sempre gostei e pratiquei exercícios físicos, naquela época eu já tinha feito o abdominal invertido sentada no scott [banco utilizado para exercícios com o braço] e com os pés amarrados ao banco por uma faixa própria de academia.

Pratiquei esse exercício diversas vezes antes do acidente, porque um personal da minha antiga academia me passou. Eu achava que ele estimulava o abdômen de uma maneira diferente e, como um profissional que tinha me passado, achava seguro e executava.

Na época, eu ia começar a fazer o cursinho preparatório para a OAB e queria uma academia mais próxima da minha casa, para ganhar tempo. Então eu resolvi fazer uma aula experimental nesse lugar novo. Quando eu cheguei, preenchi uma ficha de inscrição básica, que pedia meus dados, mas nada de atestado médico.

Naquele mesmo dia, um personal estagiário da academia ficou responsável por mim. Ele me acompanhou em todos os exercícios. Fui fazendo meu treino normalmente e juntos fomos me preparar para o abdominal invertido no scott. Eu sentei no banco, nós amarramos juntos meus pés com a faixa da academia e comecei a realizar a série. Quando eu estava na terceira série --e o personal atrás de mim, dando o apoio para minhas costas--, a faixa que prendia meus pés arrebentou e eu cai de ponta cabeça. Eu não sei exatamente o que aconteceu na hora, se o personal estava conversando com o pessoal que estava treinando ao meu lado ou se ele estava distraído. Só sei que ele não me segurou e eu caí de ponta cabeça, batendo a nuca no ferro debaixo do aparelho.

Assim que eu bati o pescoço, perdi todos os meus movimentos

Marcelle Mancuso espinha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
Eu tentei levantar, mas meu corpo já não correspondia. Em nenhum momento senti dor ou perdi a consciência. Eu simplesmente não conseguia me mexer, estava paralisada. Só podia falar e mexer os olhos.

Como não cheguei a desmaiar, vi tudo acontecer. Eu me vi caindo, batendo a nuca e perdendo todo o controle do meu corpo. Na hora, eu só pude pensar que era algo grave, mas tentei manter a calma, porque sabia que passaria por um momento difícil e não adiantaria nada eu me desesperar.

Imediatamente depois que eu sofri a queda, uma médica que treinava na academia se aproximou, me colocou esticada no chão, com a coluna reta, pediu para que ninguém mexesse em mim e ligou para o Samu. Eu falo que essa médica foi um anjo em minha vida, porque o pessoal da academia já estava querendo me dar água e me colocar sentada, o que poderia ter piorado a minha lesão.

Chegando no hospital eu fiz uma bateria de exames para saber o que tinha acontecido. Foi constatado que eu quebrei em várias partes a vértebra 5 da cervical, chamada C5, e também desloquei de lugar a C4 e a C6. Por causa disso, precisei fazer um procedimento cirúrgico chamado artrodese, no qual eles colocaram uma placa de titânio em meu pescoço, presa por seis parafusos. Eles também tiraram um pedacinho do osso da bacia e fizeram enxerto na C5.

Na recuperação, nasci de novo

Marcele Mancuso se recuperando - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
Eu fiquei 13 dias internada no hospital (2 dias na UTI e outros 11 no quarto) e precisei de todos os cuidados possíveis, porque eu não conseguia fazer absolutamente nada. Meus movimentos eram mínimos, eu não conseguia segurar um copo ou andar. Praticamente nasci de novo.

Na recuperação eu tive que trabalhar todo o corpo, aprender tudo de novo. Reaprendi a controlar toda a parte fisiológica de urina e fezes, tive que reaprender a andar, a controlar os movimentos das mãos, dos dedos, a ter equilíbrio, força. Foi uma série de exercícios com o acompanhamento do fisioterapeuta. Demorei seis meses para me recuperar totalmente. Ainda bem que em nenhum momento pensei em desistir ou ficar desanimada. O que me motivava era a força que eu recebia das pessoas ao meu lado, meus pais, minha família, meus amigos. Só assim tive certeza que tudo no final daria certo.

O acidente mudou minha vida por completo. Hoje eu enxergo a vida de um jeito totalmente diferente. Vejo que a gente tem que ter muita paciência, persistência, resiliência, muita fé e pensar positivo para as coisas darem certo. Problemas todo mundo tem, o que muda de uma pessoa para outra é a maneira que a gente os encara. A gente tem que sempre ver as coisas pelo lado bom e não desistir de lutar.

Marcelle Mancuso treinando - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Marcelle treinando após o acidente
Imagem: Arquivo pessoal

Hoje eu continuo praticando exercícios físicos, sempre acompanhada por um profissional qualificado e habilitado. O que aconteceu comigo não tem como reverter, então não posso ter medo. Preciso continuar vivendo e fazendo o que eu gosto. Quando o exercício é bem feito e bem acompanhado, ele gera qualidade de vida, então não posso me prender a um medo por uma imprudência ou negligência. Eu preciso continuar vivendo e fazendo o que eu gosto."

 

 

Marcelle poderia ter ficado tetraplégica; atendimento foi essencial

O atendimento prestado pela médica ainda na academia foi fundamental para que a jovem não tivesse lesões piores. Quando você fratura a coluna, ela pode cortar, comprimir ou danificar a medula espinhal, podendo comprometer movimentos e sensações. Se tivessem movimentado seu corpo de forma errada, Marcelle poderia ficar com déficit motor ou pior, tetra ou paraplégica. O ideal, em casos de acidente assim, é mover a pessoa o mínimo possível e deixá-la reta e deitada. Se ela estiver muito torta, vale segurar a cabeça, enquanto outras pessoas ajeitam o resto do corpo. Isso evita que ocorram lesões.

Fonte: Márcio Ramalho da Cunha, neurocirurgião e membro titular da Sociedade Brasileira de Coluna.

Abdominal invertido é arriscado demais para ser indicado

Nesse exercício, a pessoa fixa os membros inferiores em suspensão e realiza a flexão do tronco, aproximando-o das coxas. Não existe nenhum benefício extra em fazer o abdominal dessa forma. Pelo contrário, se for comparado o custo benefício aos riscos, o ideal seria descartar essa estratégia. Existem maneiras mais eficientes de aumentar a sobrecarga em um abdominal normal e obter os mesmos benefícios. E se mesmo assim a pessoa optar pelo invertido, ela deve apenas fazer com a prescrição e o acompanhamento de um profissional de Educação Física.

Fonte: Eduardo Netto, diretor técnico da Bodytech Company.