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Vício em sexo realmente existe?

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Imagem: iStock

22/11/2018 17h25

Faz um ano desde que o magnata de Hollywood Harvey Weinstein se internou em uma clínica para viciados em sexo depois de ser alvo de várias denúncias de estupro e abuso sexual, o que originou o movimento Me Too (eu também, em inglês).

A repórter da BBC Sangita Myska se encontrou com pessoas que também dizem sofrer deste vício, para entender se isso realmente existe e, nesse caso, do que se trata.

O primeiro emprego de Neila no Reino Unido, após chegar da Ásia central há 15 anos, foi na mesa de operações de uma empresa do mercado financeiro dominada por o que ela descreve como "machos alfa que ganhavam milhões de libras em bônus".

Ela era uma das duas únicas mulheres de sua equipe, e seus colegas homens às vezes as provocavam colocando filmes pornô nas telas onde deveriam estar sendo mostrados indicadores do mercado.

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"Não gostava do trabalho, mas estava no início da carreira, tentando conquistar um espaço. O dinheiro era bom, e o emprego era glamouroso. Não queria perder aquilo", diz ela.

"Sabia que os homens do escritório esperavam por uma reação minha, eles queriam me chocar. Então, comecei a assistir filmes pornô em casa para não me importar com isso no trabalho."
Mas Neila logo ficou viciada. Ela diz que ter sido criada em uma família de valores conservadores em que sexo nunca foi discutido a deixou "sem defesas".
'É como um vício em drogas, você precisa aumentar a dose'

Todo dia, ela ficava pensando em chegar o quanto antes em casa para escolher um filme e um brinquedo erótico e começar a se masturbar. Ele descreve o processo para mim:
"Começa devagar. Você fica excitada. E, então, você simplesmente assiste o filme e, ao mesmo tempo, liga seu brinquedo. Todos os seus sentidos são estimulados, vendo algo tão excitante.

Sua cabeça vai para outro lugar. Você sabe que não vai parar até você apertar o botão de desligar. Você sabe que está no controle de cada aspecto de seu prazer, e isso te dá orgasmos que você simplesmente não consegue ter com uma outra pessoa - e, certamente, não com um homem. Todo o processo de se masturbar e gozar leva no máximo de cinco a dez minutos, mas você se contém, porque não quer sair daquele estado em que se encontra, que é basicamente como estar drogada."

Usando essa técnica, conhecida como "edging" na expressão em inglês (algo como "ficar à beira de", em português), ela assistia a filmes pornô por duas a três horas, sete dias por semana.
Era um comportamento compulsivo, ela diz. Se não podia assistir aos filmes, ela sentia uma espécie de abstinência.

Passava horas justificando para si mesma por que fazia isso: "É seguro, você não vai pegar uma doença, você não precisa usar maquiagem. Tudo acontece dentro dos seus termos e com resultado garantido".

Mas, para continuar a ter esse resultado garantido, o tipo de pornografia que ela consumia foi mudando.

"Normalmente, você começa pelo pornô mais comum - homem com mulher ou mulher com mulher, coisas normais - e, depois de um tempo, isso não funciona mais. Seu corpo se acostuma. É como um vício em drogas, você precisa aumentar a dose, então, passa a assistir coisas mais pesadas, como sexo anal, e, depois de um tempo, quando isso se torna o novo normal, você precisa ir além, então, começa a ver coisas mais extremas, como orgias."

Isso era muito desconfortável para Neila, que começou a se preocupar se não havia se tornado uma "pervertida", como ela mesma diz.

A questão da vergonha é algo bastante presente entre quem acredita que está viciado em sexo. A vergonha faz a pessoa querer esconder o que faz ao mesmo tempo em que a leva a se tornar ainda mais compulsiva. "É uma mistura de excitação e vergonha", diz Nelia.

A pornografia também mudou sua atitude em relação aos homens. Quando buscava por um parceiro, sua personalidade e caráter eram quase irrelevantes.

"Tentava ver pela camisa se ele tinha um abdômen definido. O tamanho médio do pênis do homem britânico já não era suficiente para mim... mas esta não é uma boa forma de escolher alguém para dividir a vida."

Ela teve uma série de relacionamentos que fracassaram. Mas o que a deixou realmente preocupada foi quando passou a sentir cada vez mais vontade de ver filmes em que mulheres eram agredidas.

"Eu me perguntei: o que vem depois disso? Vou acabar assistindo filmes em que as pessoas são mortas para satisfazer meu vício?"

Neila decidiu mudar de emprego e tornou-se conselheira. Hoje, na casa dos 40 anos, é especializada em tratar outras pessoas que acreditam estar viciadas em sexo. Ela foi treinada na Laurel Centre, em Londres, uma das poucas clínicas do Reino Unido que oferece esse tipo de assistência.

Para ser tratado lá, é preciso às vezes pagar centenas de libras por hora, porque o sistema público de saúde britânico, o NHS, não reconhece o vício em sexo como uma condição médica. Mas estima-se que centenas, se não milhares, de pessoas - a maioria delas homens - buscam tratamento no país a cada ano por este motivo.

O vício em sexo existe?

A Organização Mundial da Saúde incluiu recentemente o transtorno de comportamento sexual compulsivo na sua lista de doenças oficialmente reconhecidas.

O sistema público de saúde britânico, o NHS, não considera o vício em sexo uma doença - e não compila estatísticas oficiais sobre o tema.

 Em sua página sobre vícios, o NHS diz que isso é mais comumente associado a jogo, drogas, álcool e nicotina e diz: "Estar viciado em algo significa que não fazer esta coisa gera sintomas deabstinência".

Clínicas privadas no Reino Unido dizem que centenas, se não milhares, de pessoas buscam ajudam por este motivo todos os anos.

'É uma doença solitária'

Parte do motivo para a maior parte dos pacientes serem homens talvez seja porque mulheres sentem mais vergonha e têm mais dificuldade em confessar que têm um problema.

Seja qual for a explicação, o caso de Paul é mais típico entre quem busca ajuda - não apenas por ser homem mas também porque ele se diz viciado em fazer sexo de fato em vez de um vício em pornografia.

Ele está na casa dos 50 anos, é alto e se veste bem. Paul me diz que seu vício começou há 30 anos na universidade. Ele tinha um bom relacionamento com sua namorada, mas, certo dia, isso não era mais suficiente.

"Eu a amava, de verdade, mas, por algum motivo, saí com uma prostituta. Estava desesperado por um encontro sexual emocionante e sabia que não deveria estar fazendo aquilo. Nunca trairia minha namorada com outra garota, mas isso parecia ser diferente."

Em poucas semanas, seu comportamento mudou totalmente. "Saía com seis garotas ao mesmo tempo e tinha dois ou três encontros com prostitutas por semana. Era quase como pedir pizza quando estava com fome. Queria uma coisa, conseguia e logo não pensava mais nisso."

Ele diz que sabia que algo estava errado. Mas, justamente quando estava pensando em contar para alguém ou até mesmo buscar ajuda, ele conseguiu seu primeiro emprego em Londres - e se viu em um ambiente em que esse tipo de comportamento era incentivado.

"Minha vida era incrível. Viajava o mundo, ganhava muito dinheiro, ia com frequência a bares de striptease em Londres - de repente, você se vê saindo para ter uma aventura sexual com as pessoas com quem você trabalha", ele lembra.

"A esta altura, eu pensava: 'Talvez, eu não tenha um problema. Talvez, eu seja apenas um cara normal?'"

Mesmo assim, uma dúvida persistia na cabeça de Paul. Ele saía com os colegas para uma "noite de arromba" por bares de striptease - as chamava assim porque cada um gastava mil libras (R$ 4,8 mil) por noite - em uma terça-feira e, depois, talvez na quinta-feira também. Mas Paul era o único que repetia o programa mais uma vez no sábado.

Como Neila, ele diz ter começado a "querer cada vez mais". Tanto que, apesar de ser heterossexual, por dez anos ele também fez sexo com homens.

"Digo honestamente que não tenho nem um pingo de homossexualidade em mim. Estava apenas buscando uma emoção a mais, no fim das contas, era isso. E, durante todo este período, eu tive algumas namoradas ótimas."

De novo, assim como com Neila, Paul diz que seu comportamento era compulsivo. Se não estava fazendo sexo, estava sentindo vontade de fazer. E chegar ao orgasmo também não era o objetivo final - ele estava viciado em uma série de comportamentos. E prolongava a experiência por horas de cada vez.

"A excitação vem do processo, da antecipação do que você vai fazer... A última coisa que você quer fazer é ejacular, porque nesse ponto tudo acaba."

Paul levou um longo tempo para se viciar em pornografia, depois de descobrir que isso existia aos 12 anos de idade. "Encontrei revistas escondidas na cada dos meus pais. Foi uma exposição bem precoce. Mas não consigo me lembrar se fiquei excitado sexualmente."

Isso mudou quando ele passou a ter uma boa conexão de internet. A essa altura, seu foco mudou das prostituas para o pornô online, que ele via por horas a fio.

Paul está em um tratamento de longo prazo na Laurel Centre e confiante em sua recuperação. Ele diz não recorrer a profissionais do sexo há anos e que há meses não vê pornografia. Seu objetivo é ter um relacionamento estável com uma mulher.

"É uma doença solitária. Nunca tive uma relação sexual prazerosa com alguém com quem me importo e que amo. Sinto falta disso há 30 anos."

Em junho, a Organização Mundial da Saúde incluiu o transtorno de comportamento sexual compulsivo em sua classificação internacional de doenças. Terapeutas dizem que, apesar de a condição não ter sido considerada um vício, a mudança pode incentivar o serviço público de saúde a dar apoio para isso.

Nas últimas semanas, conversei com muitas outras pessoas que acreditam estar viciadas em sexo, e não acredito mais que seja importante que a condição seja chamada de vício ou não. Claramente todas elas precisam de ajuda com um problema que está destruindo suas vidas.

Quanto a Weinstein e à suspeita de que sua internação em uma clínica indica seja uma tentativa de fugir da responsabilidade por seu comportamento, as pessoas com que conversei entendiam a diferença entre sexo consensual e estupro, mesmo no auge de sua compulsão. Nenhuma delas cometeu um crime até onde sei.

Ao meu ver, viciados em sexo prejudicam principalmente a si mesmos e a seus parceiros - predadores sexuais abusam de suas vítimas e tentam disfarçar isso.

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