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Clínica devolve esperança de ter filhos a mulheres que sofreram infartos

Um dia, enquanto nadava, Julie sentiu uma dor forte no peito. Quando voltou de viagem, fez exames e, "no dia seguinte, descobri que tinha tido um infarto" - BBC
Um dia, enquanto nadava, Julie sentiu uma dor forte no peito. Quando voltou de viagem, fez exames e, 'no dia seguinte, descobri que tinha tido um infarto' Imagem: BBC

12/11/2018 15h50

Hayley Martin, de 47 anos, lembra bem da manhã em que sua vida mudou para sempre. "Acordei me sentindo muito mal. Botei a mão na testa e vi que estava suando muito. Percebi na hora que estava tendo um infarto", disse ela a um programa da BBC.

Ela era uma mulher saudável de 38 anos quando teve um ataque cardíaco causado por uma doença chamada dissecção coronária espontânea, ou Scad, na sigla em inglês - uma condição rara e, com frequência, não diagnosticada.

Além da crise coronária, as mulheres que sobrevivem a estes infartos passam por outro trauma: em geral, ouvem que não podem mais ter filhos por causa do risco de que outro ataque aconteça. Mas, com apoio de especialistas e clínicas específicas, esse quadro começa a mudar.

A Scad é a principal causa de infartos em mulheres em idade fértil. Acontece quando uma das artérias coronárias se rompe repentinamente, impedindo a chegada de sangue ao coração.

No hospital, Hayley temia pelo pior. "Lembro de perguntar a eles, 'estou morrendo?' E eles diziam, 'estamos tentando de tudo, mas nada dá certo'", conta.

'Me senti menos mulher'

Ela sobreviveu, mas como muitas mulheres com essa doença, ouviu que uma gravidez traria o risco de outro infarto.

"Era mais uma coisa que eu queria e que estava sendo tirada de mim, então, eu quase não me permito pensar nisso, porque pode me deixar bem triste", reflete.

"Me senti menos gente, menos mulher, mais fracassada, como se a culpa fosse minha."

O que é a doença?

A dissecção coronária espontânea é uma doença cardíaca pouco diagnosticada e afeta principalmente mulheres, às vezes durante, ou logo após, uma gravidez.

A menopausa, o estresse e o esforço físico também estão associados à ocorrência da doença. Durante o ataque, há um rompimento ou um hematoma numa das artérias coronárias, impedindo a chegada do sangue ao coração.

Pode levar à morte, insuficiência ou parada cardíaca.

Decisão da paciente

Hayley é o tipo de mulher que a cardiologista Abi Al-Hussaini está tentando ajudar na sua clínica, no Chelsea and Westminster Hospital, em Londres.

A doutora Al-Hussaini avalia o dano causado ao coração pela doença e analisa a medicação que a paciente está tomando - em geral, reduzindo as doses.

Ela utiliza essas informações para aconselhar as pacientes sobre os riscos envolvidos numa gravidez.

Isso, às vezes, significa que ela tem de dizer às mulheres que o risco é muito alto, mas o importante é que a paciente tome a decisão, e não que se siga automaticamente o aconselhamento comum de não engravidar.

Se uma de suas pacientes decide levar a gravidez adiante, ela é encaminhada a uma "equipe de gravidez de alto risco" no hospital, que vai monitorá-la ao longo do processo.

"Eu recebi muitas pacientes que reclamavam de terem ouvido que nunca mais poderiam ter filhos", diz ela.

"Essa foi uma das razões pelas que eu decidi criar a clínica, para dar a essas pacientes a orientação adequada e deixar que ela tomem uma decisão informada."

Ela acha que a falta de pesquisa sobre a doença explica por que muitos cardiologistas preferem apenas recomendar que a mulher não engravide.

Dor forte

Uma das primeiras mulheres orientadas pela clínica foi Julie Murphy, 40, de Ruislip, na Inglaterra.

Logo antes da sua lua de mel, em 2013, ela começou a se sentir mal, como se estivesse gripada. Durante a viagem, para o Quênia, os sintomas pioraram.

Um dia, enquanto nadava, sentiu uma dor forte no peito. Quando voltou de viagem, fez exames e, "no dia seguinte, descobri que tinha tido um infarto".

Os dias e semanas seguintes foram difíceis.

"Os remédios me deixaram muito devagar, eu não conseguia nem subir escada quando voltei do hospital. Foi difícil para mim", diz ela.

Como Hayley, Julie foi informada, a princípio, de que não poderia ter filhos. Mas ela entrou para o programa de pesquisa da doutora Al-Hussaini e teve a primeira filha, Holly, em 2015.

'Equipe incrível'

Ela se tornou uma das primeiras pacientes da clínica quando engravidou novamente.

"Estava com medo de eles dizerem que não teria jeito, que seria perigoso demais tentar ter filho, que colocaria minha vida em risco", diz ela.

A criança, Bella, nasceu em abril.

"A equipe é incrível, você se sente muito bem cuidada", diz.

Apesar de estar dando esperança a pacientes, a doutora Al-Hussaini diz que enfrenta resistência de médicos do mundo todo.

"Nos Estados Unidos, eles são contra qualquer gravidez depois de um infarto, ou de dissecção coronária espontânea. Mas acho que isso é porque não houve muita pesquisa ainda. Isso está mudando."